As OscilaçÔes da Personalidade
Pretender que a nossa personalidade seja mĂłvel e susceptĂvel de grandes mudanças Ă©, por vezes, noção um pouco contrĂĄria Ă s idĂ©ias tradicionais atinentes Ă estabilidade do âeuâ. A sua unidade foi durante muito tempo um dogma indiscutĂvel. Factos numerosos vieram provar quanto esta ideia era fictĂcia.
O nosso âeuâ Ă© um total. CompĂ”e-se da adição de inumerĂĄveis âeuâ celulares. Cada cĂ©lula concorre para a unidade de um exĂ©rcito. A homogeneidade dos milhares de indivĂduos que o compĂ”em resulta somente de uma comunidade de acção que numerosas coisas podem destruir.
Ă inĂștil objectar que a personalidade dos seres parece, em geral, bastante estĂĄvel. Se ela nunca varia, com efeito, Ă© porque o meio social permanece mais ou menos constante. Se subitamente esse meio se modifica, como em tempo de revolução, a personalidade de um mesmo indivĂduo poderĂĄ transformar-se por completo. Foi assim que se viram, durante o Terror, bons burgueses reputados pela sua brandura tornarem-se fanĂĄticos sanguinĂĄrios. Passada a tormenta e, por conseguinte, representando o antigo meio e o seu impĂ©rio, eles readquiriram sua personalidade pacifica. Desenvolvi, hĂĄ muito tempo, essa teoria e mostrei que a vida dos personagens da Revolução era incompreensĂvel sem ela.
De que elementos se compĂ”e o âeuâ,
Textos sobre InĂșteis de Gustave Le Bon
5 resultadosCrenças e OpiniÔes Vencem o Conhecimento
A idade moderna contĂ©m tanta fĂ© quanto tiveram os sĂ©culos precedentes. Nos novos templos pregam-se dogmas, tĂŁo despĂłticos quanto os do passado, e estes contam fiĂ©is igualmente numerosos. Os velhos credos religiosos que outrora escravizavam a multidĂŁo, sĂŁo substituĂdos por credos socialistas ou anarquistas, tĂŁo imperiosos e tĂŁo pouco racionais como aqueles, mas nĂŁo dominam menos as almas. A igreja Ă© substituĂda muitas vezes pela taberna, mas aos sermĂ”es dos agitadores mĂsticos que aĂ sĂŁo ouvidos, atribui-se a mesma fĂ©.
Se a mentalidade dos fieis nĂŁo tem evoluĂdo muito desde a Ă©poca remota em que, Ă s margens do Nilo, Isis e Hathor atraĂam aos seus templos milhares de fervorosos peregrinos, Ă© porque, no decurso das idades, os sentimentos, verdadeiros alicerces da alma, mantĂȘm a sua fixidez. A inteligĂȘncia progride, mas os sentimentos nĂŁo mudam.
A fĂ© num dogma qualquer Ă©, sem dĂșvida, de um modo geral, apenas uma ilusĂŁo. Cumpre, contudo, nĂŁo a desdenhar. Graças Ă sua mĂĄgica pujança, o irreal torna-se mais forte do que o real. Uma crença aceite dĂĄ a um povo uma comunhĂŁo de pensamentos que originam a sua unidade e a sua força.
Sendo o domĂnio do conhecimento muito diverso do terreno da crença,
OpiniÔes Influenciadas pelo Interesse
A maior parte das coisas pode ser considerada sob pontos de vista muito diferentes: interesse geral ou interesse particular, principalmente. A nossa atenção, naturalmente concentrada sob o aspecto que nos Ă© proveitoso, impede que vejamos os outros. O interesse possui, como a paixĂŁo, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe Ă© Ăștil acreditar. Ele Ă©, pois, freqĂŒentemente, mais Ăștil do que a razĂŁo, mesmo em questĂ”es em que esta deveria ser, aparentemente, o guia Ășnico. Em economia polĂtica, por exemplo, as convicçÔes sĂŁo de tal modo inspiradas pelo interesse pessoal que se pode, em geral, saber prĂ©viamente, conforme a profissĂŁo de um indivĂduo, se ele Ă© partidĂĄrio ou nĂŁo do livre cĂąmbio.
As variaçÔes de opiniĂŁo obedecem, naturalmente, Ă s variaçÔes do interesse. Em matĂ©ria polĂtica, o interesse pessoal constitui o principal factor. Um indivĂduo que, em certo momento, energicamente combateu o imposto sobre a renda, com a mesma energia o defenderĂĄ mais, se conta ser ministro. Os socialistas enriquecidos acabam, em geral, conservadores, e os descontentes de um partido qualquer se transformam facilmente em socialistas.
O interesse, sob todas as suas formas, não é somente gerador de opiniÔes. Aguçado por necessidades muito intensas, ele enfraquece logo a moralidade.
O Regulador do Prazer e da Dor: o HĂĄbito
O hĂĄbito Ă© o grande regulador da sensibilidade; ele determina a continuidade dos nossos atos, embota o prazer e a dor e nos familiariza com as fadigas e com os mais penosos esforços. O mineiro habitua-se tĂŁo bem Ă sua dura existĂȘncia que dela se recorda saudoso quando a idade o obriga a abandonĂĄ-la e o condena a viver ao sol. O hĂĄbito, regulador da vida habitual, Ă© tambĂ©m o verdadeiro sustentĂĄculo da vida social. Pode-se comparĂĄ-lo Ă inĂ©rcia, que se opĂ”e, em mecĂąnica, Ă s variaçÔes de movimento. A dificuldade para um povo consiste, primeiramente, em criar hĂĄbitos sociais, depois em nĂŁo permanecer muito tempo neles. Quando o jugo dos hĂĄbitos pesou muito tempo num povo, ele sĂł se liberta desse jugo por meio de revoluçÔes violentas. O repouso na adaptação, que o hĂĄbito consiste, nĂŁo se deve prolongar. Povos envelhecidos, civilizaçÔes adiantadas, indivĂduos idosos tendem a sofrer demasiado o jugo do costume, isto Ă©, do hĂĄbito.
Seria inĂștil dissertar longamente sobre o seu papel, que mereceu a atenção de todos os filĂłsofos e se tornou um dogma da sabedoria popular.
âQue sĂŁo os nossos princĂpios naturaisâ, diz Pascal, âsenĂŁo os nossos princĂpios acostumados. E nas crianças,
Os Elementos Fixadores da Personalidade
Os resĂduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estĂĄvel do carĂĄcter dos indivĂduos e dos povos. Ă pelo seu âeuâ ancestral que um inglĂȘs, um francĂȘs, um chinĂȘs, diferem tĂŁo profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepĂ”em-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissĂŁo, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influĂȘncias. Eles imprimem Ă nossa personalidade uma orientação assaz constante. SerĂĄ o âeuâ, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, Ă© o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idĂ©ias, as opiniĂ”es e as condutas semelhantes que lhes sĂŁo impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operĂĄrios, marinheiros, etc., apresentam numerosos carĂĄcteres idĂȘnticos.
As suas opiniĂ”es e os seus juĂzos sĂŁo, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade nĂŁo Ă© tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, nĂŁo Ă© inĂștil. Se os homens nĂŁo tivessem por guia as opiniĂ”es e a maneira de proceder daqueles que os cercam,