Opinião, Fé e Ciência
A crença, ou o valor subjectivo do juízo, com relação à convicção (que tem ao mesmo tempo um valor objectivo), apresenta os três graus seguintes: a opinião, a fé e a ciência. A opinião é uma crença que tem consciência de ser insuficiente tanto subjectiva quanto objectivamente. Se a crença é apenas subjectivamente suficiente e se é ao mesmo tempo considerada objectivamente insuficiente, chama-se fé. Enfim, a crença suficiente tanto subjectiva quanto objectivamente chama-se ciência.
Textos sobre Juízo
117 resultadosDo Juízo Estético
Toda a arte pressupõe regras na base das quais uma produção, se deve considerar-se artística, é representada, em primeiro lugar, como possível; mas o conceito das belas-artes não permite derivar o juízo sobre a beleza da produção de qualquer regra que tenha um conceito como princípio determinante, em virtude de pôr como fundamento um conceito do modo por que tal é possível. Assim, a arte do belo não pode inventar ela mesma a regra segundo a qual realizará a sua produção. Mas, como sem regra anterior um produto não pode ser artístico, é necessário que a natureza dê a regra de arte ao próprio sujeito (na concordância das suas faculdades), isto é, as belas-artes só podem ser o produto do génio.
Daí se conclui: 1º Que o génio é o talento de produzir aquilo de que se não pode dar regra determinada, mas não é a aptidão para o que pode ser apreendido consoante uma qualquer regra; portanto, a sua primeira característica é a originalidade. 2º Que as suas produções, visto que o absurdo também pode ser original, devem simultaneamente ser modelos, isto é, ser exemplares; por consequência, não sendo obras de imitação, têm de ser propostas à imitação das outras,
Imparcialidade Inconsciente do Crítico
Quando um crítico deve julgar uma obra pode escolher dois métodos. Ou limitar-se a essa única obra do autor e abstrair das outras; – ou integrar no seu juízo toda a produção do autor. Mas na maior parte das vezes ele emprega um outro método que lhe deveria ser sempre interdito – consiste em integrar no quadro das suas considerações, paralelamente à obra submetida a crítica, outras obras de acordo com o humor da sua escolha, deixando arbitrariamente de lado as outras que, de momento, não servem o objectivo que persegue ou o efeito que pretende obter, outrogando-se assim o direito de fragmentar o autor a seu belo prazer.
Quantas vezes acontece – e não é necessariamente por má vontade – que o crítico projecta na obra de um autor a sua ideia fixa, sem ser já capaz de aí ver outra coisa a não ser essa ideia, que o obceca de modo monomaníaco; – enquanto que para o autor ela é na sua obra apenas um elemento entre dezenas e não necessariamente o mais importante.
Atribui-se ao artista uma intenção artística, ética ou outra que ele nunca teve e critica-se-lhe o facto de não ter atingido aquilo que ele queria.
A Importância da Autoridade
É inútil alongar-me demoradamente sobre a importância da autoridade. São muito poucas as pessoas civilizadas capazes de uma existência perfeitamente autónoma ou tão-só de juízo independente. Não nos é possível representar em toda a sua amplitude a necessidade de autoridade e a fraqueza interior dos seres humanos.
O Excesso de Conhecimento sem Discernimento
Herdamos conhecimentos e invenções de todos os séculos; ficamos portanto mais ricos em bens do espírito: isso não nos pode ser contestado sem injustiça. Mas estaríamos nós próprios enganados se confundíssemos essa riqueza herdada e de empréstimo com o génio que a dá. Quantos desses conhecimentos adquiridos são estéreis para nós! Estranhos no nosso espírito onde não tiveram origem, acontece muitas vezes que eles confundem o nosso juízo muito mais do que o esclarecem. Arcamos sob o peso de tantas ideias, como aqueles estados que sucumbem por excesso de conquistas e em que a opulência introduz novos vícios e desordens mais terríveis; porque pouca gente é capaz de fazer bom uso do espírito alheio.
(…) O efeito das opiniões multiplicadas além das forças do espírito é produzir contradições e abalar a certeza dos melhores princípios. Os objectos apresentados sob um número excessivo de faces não se podem organizar, nem desenvolver, nem pintar distintamente na imaginação dos homens. Incapazes de conciliar todas as suas ideias, tomam os diversos lados de uma mesma coisa como contradições da sua natureza. Vários não querem comparar a opinião dos filósofos. Não examinam se na oposição dos seus princípios, alguém fez pender a balança para o seu lado;
O Âmago da Virtude
Haverá filósofos que pretendem induzir-nos a dar grande valor à prudência, a praticarmos a virtude da coragem, a nos aplicarmos à justiça — se for possível — com maior empenho ainda do que às restantes virtudes. Pois bem: de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é a virtude, se ela é una ou múltipla, se as virtudes são individualizadas ou interdependentes, se quem possui uma virtude possui também as restantes ou não, qual a diferença que existe entre elas. Um operário não precisa de investigar qual a origem ou a utilidade do seu trabalho, tal como o bailarino o não tem que fazer quanto à arte da dança: os conhecimentos relativos a todas estas artes estão circunscritos a elas mesmas, porquanto elas não têm incidência sobre a totalidade da vida. A virtude, porém, implica tanto o conhecimento dela própria como o de tudo o mais; para aprendermos a virtude temos de começar por aprender o que ela é. Uma acção não pode ser correcta se não for correcta a vontade, pois é desta que provém a acção. Também a vontade nunca será correcta se não for correcto o carácter, porquanto é deste que provém a vontade. Finalmente,
O Bom Senso
O bom senso não exige um juízo muito profundo; parece antes consistir em só perceber os objectos na proporção exacta que eles têm com a nossa natrueza ou com a nossa condição. O bom senso não consiste então em pensar sobre as coisas com excesso de sagacidade, mas em concebê-las de maneira útil, em tomá-las no bom sentido.
Aquele que vê com um microscópio percebe, certamente, mais qualidade nas coisas; mas não as percebe na sua proporção natural com a natureza do homem, como quem usa apenas os olhos. Imagem dos espíritos subtis, eles às vezes penetram fundo demais; quem olha naturalmente as coisas tem bom senso.
O bom senso forma-se a partir de um gosto natural pela justeza e pelo mediano; é uma qualidade do carácter, mais do que do espírito. Para ter muito bom senso, é preciso ser feito de maneira que a razão predomine sobre o sentimento, a experiência sobre o raciocínio.
Os Gostos
A palavra «gosto» tem vários significados e é fácil o engano. Há uma diferença entre aquele gosto que nos leva a escolher coisas e aquele que nos leva a conhecer e discernir as qualidades quando se segue as regras. Podemos gostar de comédias sem ter um gosto tão apurado e delicado que nos permita ajuizar do seu valor, como podemos ter o bom gosto para emitir juízos sobre as comédias, sem gostar desse género dramático. Existe um tipo de gosto que nos aproxima imperceptivelmente do que temos à nossa frente, há outros que nos prendem pela sua força e duração.
Também há pessoas que têm mau gosto em tudo, outras só nalgumas coisas, mas ambos os casos têm esse direito, no que toca ao alcance que cada um tem. Outros ainda têm gostos particulares, que sabem que são maus, sem deixarem de segui-los. Há aqueles que têm gostos imprecisos e estes deixam que o acaso decida por eles. Mudam com ligeireza e ficam contentes ou maçam-se com o que os seus amigos dizem. Outros são sempre previstos, sendo escravos de todos os seus gostos, respeitando-os em todas as matérias. Há quem seja sensível ao bem e que se choque com o que é mau.
Prejudicar a Estupidez
A reprovação do egoísmo, que se pregou com tamanha convicção casmurra, prejudicou certamente, no conjunto, esse sentimento (em benefício, hei-de repeti-lo milhares e milhares de vezes, dos instintos gregários do homem), e prejudicou-o, nomeadamente no facto de o ter despojado da sua boa consciência e de lhe ter ordenado a procurar em si próprio a verdadeira fonte de todos os males. «O teu egoísmo é a maldição da tua vida», eis o que se pregou durante milénios: esta crença, como eu ia dizendo, fez mal ao egoísmo; tirou-lhe muito espírito, serenidade, engenhosidade e beleza; bestializou-o, tornou-o feio, envenenado.
Os filósofos antigos indicavam, ao contrário, uma fonte completamente diferente para o mar; os pensadores não cessaram de pregar desde Sócrates: «É a vossa irreflexão, são a vossa estupidez, o vosso hábito de vegetar obedecendo à regra e de vos subordinar ao juízo do próximo, que vos impedem tão amiudadamente de serdes felizes; somos nós, pensadores, que o somos mais, porque pensamos». Não nos perguntemos aqui se este sermão contra a estupidez tem mais fundamentos do que o sermão contra o egoísmo; o que é certo é que despojou a estupidez da sua boa consciência: estes filósofos foram prejudiciais à estupidez!
A Arte da Retórica Floresce nas Sociedades Decadentes
Um retórico do passado dizia que o seu ofício era fazer que as coisas pequenas parecessem grandes e como tais fossem julgadas. Dir-se-ia um sapateiro que, para calçar pés pequenos, sabe fazer sapatos grandes. Em Esparta ter-lhe-iam dado a experimentar o azorrague por professar uma arte trapaceira e mentirosa. E creio que Arquidamo, que foi seu rei, não terá ouvido sem espanto a resposta de Tucídides, ao qual perguntara quem era mais forte na luta, se Péricles, se ele: «Isso será difícil de verificar, pois quando o deito por terra, ele convence os espectadores que não caiu, e ganha». Os que, com cosméticos, caracterizam e pintam as mulheres fazem menos mal, pois é coisa de pouca perda não as ver ao natural, ao passo que estoutros fazem tenção de enganar, não já os olhos, mas o nosso juízo, e de abastardar e corromper a essência das coisas. Os Estados que longamente se mantiveram em boa ordem e bem governados, como o cretense e o lacedemónio, não tinham em grande conta os oradores.
Aríston definiu sabiamente a retórica como a ciência de persuadir o povo; Sócrates e Platão, como a arte de enganar e lisonjear; e aqueles que isto negam na sua definição genérica,
A Glória Mais Genuína
A glória mais genuína, a póstera, nunca é ouvida por quem é seu objecto e, no entanto, ele é tido por feliz. Assim, a sua felicidade consistiu propriamente nas grandes qualidades que lhe conferiram a sua glória e no facto de que encontrou oportunidade para desenvolvê-las; logo, foi-lhe permitido agir como era adequado, ou praticar aquilo que praticava com prazer e amor. Pois só as obras assim nascidas alcançam glória póstera. A sua felicidade consistiu, pois, no grande coração, ou também na riqueza de um espírito cuja estampa, nas suas obras, recebe a admiração dos séculos vindouros. Tal felicidade consistiu nos seus próprios pensamentos, cuja meditação será a ocupação e o gozo dos espíritos mais nobres de um imenso futuro. O valor da glória póstera reside, portanto, em merecê-la, e isso é a sua recompensa verdadeira.
Se chegou a haver obras que adquiriram glória na posteridade e que também a obtiveram entre os seus contemprâneos, tratam-se de circunstâncias fortuitas, sem grande importância. Pois, como os homens, via de regra, são privados de juízo próprio e, sobretudo, não têm capacidade alguma para apreciar as realizações elevadas e difíceis, acabam sempre por seguir nesse domínio a autoridade alheia, e a glória de género superior,
Uma Mulher sem Areia Nenhuma
Tenho o santo horror da frieza calculada, da boa educação, do prudente juízo duma mulher. Aos homens pertence tudo isso, e a mulher deve ser muito feminina, muito espontânea, muito cheia de pequeninos nadas que encantem e que embalem. Meu amigo, se esperas ter uma mulher sem areia nenhuma, morres de aborrecimento e de frio ao pé dela e não será com certeza ao pé de mim… Comigo hás-de ter sempre que pensar e que fazer. Hás-de rir das minhas tolices, hás-de ralhar quando elas passarem a disparates (hão-de ser pequeninos…) e hás-de gostar mais de mim assim, do que se eu fosse a própria deusa Minerva com todo o juízo que todos os deuses lhe deram.
Parar de Pensar
O maior obstáculo à experimentação da realidade da ligação do leitor é a sua identificação com a mente, que faz com que o pensamento se torne compulsivo. Não ser capaz de parar de pensar é um padecimento terrível, porém não nos apercebemos deste facto porque quase toda a gente sofre dessa mesma maleita, sendo por isso considerado normal. Este ruído mental incessante impede o leitor de encontrar esse reino de calma interior que é inseparável do Ser. Gera ainda um eu falso engendrado pela mente que lança uma sombra de medo e sofrimento.
A identificação do leitor com a sua mente cria uma divisória opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, juízos e definições, que bloqueia todo o relacionamento verdadeiro. Interpõe-se entre o próprio leitor, entre o leitor e o próximo, entre o leitor e a sua natureza, entre o leitor e Deus. É esta divisória de pensamento que gera a ilusão de afastamento, a ilusão de que há o leitor e um «outro» completamente distinto. Nessa altura, o leitor esquece o facto essencial de que, sob o nível da aparência física e das formas separadas, o leitor é uno com tudo o que existe.
A mente é um instrumento maravilhoso se usado adequadamente.
Pretensos Graus de Verdade
Uma das frequentes conclusões falsas é esta: como alguém é verdadeiro e sincero para connosco, pois diz a verdade. Assim, a criança acredita nos juízos dos pais, o cristão nas afirmações do fundador da Igreja. Do mesmo modo, não se quer admitir que tudo aquilo, que os homens, com sacrifício da felicidade e da vida, defenderam em séculos anteriores, nada mais era do que erros: talvez se diga que tenham sido graus da verdade. Mas, no fundo, acha-se que se alguém acreditou honestamente em alguma coisa e combateu e morreu pela sua crença, seria, contudo, por de mais injusto se, efectivamente, apenas um erro o tivesse inspirado. Um caso assim parece contradizer a eterna justiça; por isso, o coração das pessoas sensíveis decreta constantemente contra a sua cabeça a seguinte norma: entre acções morais e juízos intelectuais tem de haver um nexo necessário. Infelizmente, não é assim, pois não há justiça eterna.
Da Liberdade
A: Eis uma bateria de canhões que atira junto aos nossos ouvidos; tendes a liberdade de ouvi-la e de a não ouvir?
B: É claro que não posso evitar ouvi-la.
A: Desejaríeis que esse canhão decepasse a vossa cabeça e as da vossa mulher e da vossa filha que estivessem convosco?
B: Que espécie de proposição me fazeis? Eu jamais poderia, no meu são juízo, desejar semelhante coisa. Isso é-me impossível.
A: Muito bem; ouvis necessariamente esse canhão e, também necessariamente, não quereis morrer, vós e a vossa família, de um tiro de canhão; não tendes nem o poder de não o ouvir nem o poder de querer permanecer aqui.
B: Isso é evidente.
A: Em consequência, destes uma trintena de passos a fim de vos colocardes ao abrigo do canhão: tivestes o poder de caminhar comigo estes poucos passos?
B: Nada mais verdadeiro.
A: E se fôsseis paralítico? Não teríeis podido evitar ficar exposto a essa bateria; não teríeis o poder de estar onde agora estais: teríeis então necessariamente ouvido e recebido um tiro de canhão e necessariamente estaríeis morto?
B: Nada mais claro.
A: Em que consiste, pois,
A Liberdade Nunca é Real
Se examinarmos um indivíduo isolado sem o relacionarmos com o que o rodeia, todos os seus actos nos parecem livres. Mas se virmos a mínima relação entre esse homem e quanto o rodeia, as suas relações com o homem que lhe fala, com o livro que lê, com o trabalho que está fazendo, inclusivamente com o ar que respira ou com a luz que banha os objectos à sua roda, verificamos que cada uma dessas circunstâncias exerce influência sobre ele e guia, pelo menos, uma parte da sua actividade. E quantas mais influências destas observamos mais diminui a ideia que fazemos da sua liberdade, aumentando a ideia que fazemos da necessidade a que está submetido.
(…) A gradação da liberdade e da necessidade maiores ou menores depende do lapso de tempo maior ou menor desde a realização do acto até à apreciação desse mesmo acto. Se examino um acto que pratiquei há um minuto em condições quase as mesmas em que me encontro actualmente, esse acto parece-me absolutamente livre. Mas se aprecio um acto realizado há um mês, ao encontrar-me em circunstâncias diferentes, a meu pesar, se não tivesse realizado esse acto, não existiriam muitas coisas inúteis, agradáveis e necessárias que derivam dele.
Não te Queixes
Não te queixes. Recolhe em ti a amargura, não a disperses, não a esbanjes com os outros. Ela é tua, nasceu de ti, da tua miséria, pertence-te como os ossos e as vísceras. Concentra-te nela, absorve-a, faz dela a tua grandeza. Porque só se é grande pelo sofrimento, não pela futilidade do prazer. As pedras não sofrem, Cristo esteve «triste até à morte». Tem desprezo pelos homens felizes, porque dos homens felizes «não reza a história». Só a dor pode medir o teu tamanho de excepção, só ela pode medir o que tu vales. O sofrimento medíocre não dá mais do que a comédia, mas a grandeza da tragédia só pode atribuir-se aos grandes. Não te aconselho a que vás ao encontro da amargura, mas se ela vier ter contigo, acolhe-a com serenidade. Não sucumbas aos seus golpes, aguenta-os até onde puderes. E se és homem de verdade, tu a aguentarás.
Também as grandes alegrias são do destino dos grandes, porque elas são irmãs dos grandes sofrimentos. Só os pequenos e mesquinhos se alegram e sofrem com o que é mesquinho e pequeno. Aquilo que é pequeno é imperceptível a quem o não é. Que juízo fazem de ti,
Os Verdadeiros Burros e os Falsos Loucos
O mais esperto dos homens é aquele que, pelo menos no meu parecer, espontâneamente, uma vez por mês, no mínimo, se chama a si mesmo asno…, coisa que hoje em dia constitui uma raridade inaudita. Outrora dizia-se do burro, pelo menos uma vez por ano, que ele o era, de facto; mas hoje… nada disso. E a tal ponto tudo hoje está mudado que, valha-me Deus!, não há maneira certa de distinguirmos o homem de talento do imbecil. Coisa que, naturalmente, obedece a um propósito.
Acabo de me lembrar, a propósito, de uma anedota espanhola. Coisa de dois séculos e meio passados dizia-se em Espanha, quando os Franceses construíram o primeiro manicómio: «Fecharam num lugar à parte todos os seus doidos para nos fazerem acreditar que têm juízo». Os Espanhóis têm razão: quando fechamos os outros num manicómio, pretendemos demonstrar que estamos em nosso perfeito juízo. «X endoideceu…; portanto nós temos o nosso juízo no seu lugar». Não; há tempos já que a conclusão não é lícita.
O Amor Indómito
Há casos de alucinação, extasis incendiados de fantasia, em que o homem subjuga ao seu transporte as férreas considerações sociais, fazendo-as reflexivas de todo o brilho da sua alegria. É por isso que as grandes paixões estão em divórcio com o juízo prudencial. No mar da vida o fanal do amor é o que mais resplende. Cegam-se os olhos e entendimento ao que mais ansiosamente o fita. Com a mente fixa nesse clarão esperançoso, que tão frouxas résteas de luz nos dá em paga de tremendos trabalhos, transcuram-se vagas e baixios que nos assaltam o pobre baixel. O amor indómito, fremente e tempestuoso é um naufrágio que se ama, uma dor com que se brinca, e, enfim, um delírio honroso em qualquer criatura.
A Intuição é mais Forte que a Razão
Devemos sempre dominar a nossa impressão perante o que é presente e intuitivo. Tal impressão, comparada ao mero pensamento e ao mero conhecimento, é incomparavelmente mais forte; não devido à sua matéria e ao seu conteúdo, amiúde bastante limitados, mas à sua forma, ou seja, à sua clareza e ao seu imediatismo, que penetram na mente e perturbam a sua tranquilidade ou atrapalham os seus propósitos. Pois o que é presente e intuitivo, enquanto facilmente apreensível pelo olhar, faz efeito sempre de um só golpe e com todo o seu vigor. Ao contrário, pensamentos e razões requerem tempo e tranquilidade para serem meditados parte por parte, logo, não se pode tê-los a todo o momento e integralmente diante de nós. Em virtude disso, deve-se notar que a visão de uma coisa agradável, à qual renunciamos pela ponderação, ainda nos atrai. Do mesmo modo, somos feridos por um juízo cuja inteira incompetência conhecemos; somos irritados por uma ofensa de carácter reconhecidamente desprezível; e, do mesmo modo, dez razões contra a existência de um perigo caem por terra perante a falsa aparência da sua presença real, e assim por diante. Em tudo se faz valer a irracionalidade originária do nosso ser.