Textos sobre Justiça

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Textos de justiça escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Receio do Sofrimento

Todos os sofrimentos que nos cercam, é-nos necessário sofrê-los igualmente. Todos nós, não temos um corpo, mas um crescimento, e esse conduz-nos através de todas as dores, seja sob que forma for. Do mesmo modo que a criança, através de todos os estádios da vida, se desenvolve até à velhice e até à morte (e cada estádio parece no fundo inacessível ao precedente, quer seja desejado ou receado), do mesmo modo nos desenvolvemos (não menos solidários da humanidade do que de nós próprios) através de todos os sofrimentos deste mundo. Para a justiça não há, nesta ordem de coisas, lugar algum, não mais do que para o receio dos sofrimentos ou para a interpretação do sofrimento como um mérito.

Os Ministros da Pena

Eu não sei como não treme a mão a todos os ministros de pena, e muito mais àqueles que sobre um joelho aos pés do rei recebem os seus oráculos, e os interpretam, e estendem. Eles são os que com um advérbio podem limitar ou ampliar as fortunas; eles os que com uma cifra podem adiantar direitos, e atrasar preferências; eles os que com uma palavra podem dar ou tirar peso à balança da justiça; eles os que com uma cláusula equívoca ou menos clara, podem deixar duvidoso, e em questão, o que havia de ser certo e efectivo; eles os que com meter ou não meter um papel, podem chegar a introduzir a quem quiserem, e desviar e excluir a quem não quiserem; eles, finalmente, os que dão a última forma às resoluções soberanas, de que depende o ser ou não ser de tudo. Todas as penas, como as ervas, têm a sua virtude; mas as que estão mais chegadas à fonte do poder são as que prevalecem sempre a todas as outras. São por ofício, ou artifício, como as penas da águia, das quais dizem os naturais, que postas entre as penas das outras aves, a todas comem e desfazem.

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A Perenidade do Nosso Fundamento

O ser-nos evidente o nosso fundamento e o ser evidente outro para outros significa que para nós e para eles há uma harmonia totalizadora de ser, de pensar, que em si mesma integra cada elemento que escolhamos cada forma de organizar um modo de explicarmos e de nos explicarmos em face do todo harmónico do nosso tempo, cuja harmonia se nos não esclarece porque a não podemos objectivar e apenas a podemos viver.
Que se explique o acontecer humano pela Providência divina ou pela História, que se determine o modo de ser dessa Providência ou o tipo de forças que actuam na História e a realizam como História que é, que se entenda a Justiça e a Moral e a Arte em função dos mais variados tipos de ser, que se abordem todas essas determinações pelos modos mais diversos de os abordar, que nos entendamos adentro delas pelas mais diversas formas de exercer o entendimento – a realidade última que nos reabsorve e orienta todos esses modos de compreender e de ser é a explicação derradeira porque já não explica nada.
Porque se explicasse, se fosse algo determinável pelo que é e pelo modo como actua, exigir-nos-ia ainda uma outra dimensão,

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Atenção ao Estilo Rebuscado e Cheio de Adornos

Quando vires alguém com um estilo rebuscado e cheio de adornos podes ter a certeza de que a sua alma apenas se ocupa igualmente de bagatelas. Uma alma verdadeiramente grande é mais tranquila e senhora de si a falar, e em tudo quanto diz há mais firmeza do que preocupação estilística. Tu conheces bem os nossos jovens elegantes, com a barba e o cabelo todo aparado, que parecem acabadinhos de sair da fábrica! De tais criaturas nada terás a esperar de firme ou sólido. O estilo é o adorno da alma: se for demasiado penteado, maquilhado, artificial, em suma, só provará que a alma carece de sinceridade e tem em si algo que soa a falso. Não é coisa digna de homens o cuidado extremo com o vestuário! Se nos fosse dado observar “por dentro” a alma de um homem de bem — oh! que figura bela e venerável, que fulgor de magnificente tranquilidade nós contemplaríamos, que brilho não emitiriam a justiça, a coragem, a moderação e a prudência! E não só estas virtudes, mas ainda a frugalidade, o autodomínio, a paciência, a liberalidade, a gentileza e essa virtude, incrivelmente rara no homem, que é a humanidade — também estas fariam jorrar sobre a alma o seu sublime esplendor!

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Um Povo Resignado e Dois Partidos sem Ideias

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

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Aonde Pode Levar a Sinceridade

Alguém tinha o mau hábito de se exprimir, de quando em quando, com toda a franqueza acerca dos motivos pelos quais agia, e que eram tão bons ou tão maus como os motivos de todas as pessoas. Primeiro, causou escândalo, depois suspeita, pouco a pouco foi terminantemente proscrito e banido da sociedade, até que, por fim, a justiça se recordou de um ser tão abjecto em ocasiões, em que ela não costumava ter olhos ou os fechava. A falta de mutismo quanto ao segredo geral e a irresponsável propensão para ver o que ninguém quer ver – a si próprio – levaram-no à prisão e a uma morte prematura.

Desigualdades Irremediáveis

Quem na sua própria juventude provou as misérias da pobreza, experimentou a insensibilidade e o orgulho dos ricos, encontra-se certamente ao abrigo da suspeita de incompreensão e de falta de boa vontade ante os esforços tentados para combater a desigualdade das riquezas e tudo quanto dela decorre. Na verdade, se esta luta invocar o princípio abstracto, e baseado na justiça, da igualdade de todos os homens entre si, será demasiado fácil objectar que a natureza foi a primeira, através da soberana desigualdade das capacidades físicas e mentais repartidas pelos seres humanos, a cometer injustiças contra as quais não há remédio.

As Chamadas Verdades Essenciais do Homem

As chamadas verdades essenciais do homem lembram-me às vezes números de um grande programa que os tambores anunciam pelas ruas fora que vai ser deslumbrante e cumprido à risca, e que os pobres actores, à noite, realizam sabe Deus como, a passar em claro cenas inteiras. A afirmar e a prometer, nenhum bicho leva a palma ao colega antropóide. Mas é vê-lo em plena representação, ou depois dela, no camarim, nu e lavado. Que miséria! A justiça imanente que pregou e demonstrou, acrescenta-lhe, por segurança, o ergástulo e o carrasco; ao pecado, junta-lhe a confissão; à predestinação, o livre arbítrio; à morte, a ressurreição. Lembra-me sempre a velha história dos castelos de heroísmo e fidelidade, com a portinha da traição disfarçada nas muralhas…

A Irresponsabilidade da Multidão

A multidão que se chama parlamento nunca se sente tão feliz como quando pode calar com gritos um orador e derrubar um ministro; a multidão que se chama comício agita-se e exalta-se, mal um grito a incita a bradar «Abaixo!» sob as janelas de um inimigo ou a reclamar a cabeça de um indivíduo odiado ou ainda a queimar qualquer símbolo do poder, quer se trate de um panfleto, quer de um palácio de justiça; a multidão reunida num teatro que dá pelo nome de público pode aplaudir uma peça nova, mas, quando estimulada, não hesita em condenar e precipitar à força de uivos e assobios quem supunha tê-lo conquistado e ser-lhe, pelo engenho, superior.
No fundo, toda a multidão é um público, que não quer dispersar sem ter assistido a um espectáculo. No entanto, selvagem como é, prefere os espectáculos trágicos; sente o circo dos gladiadores ou o torneio, mais do que a fábula pastoral. Quando se animaliza, quer sangue – pelo menos, vê-lo.
Estar entre muito incute a sensação de força, ou seja, da prepotência e, ao mesmo tempo, a certeza da irresponsabilidade e da absolvição.

Para Quê e Porquê

Vê se não insistes muito em perguntar porquê ou para quê, se não queres ficar paralítico. Porque a maior grandeza da vida tem o valor nela própria e não fora dela. Não se pode justificar a vida senão nela. Ou a luz. Ou a fraternidade humana. Ou a justiça. E o mais assim. E é o que é indiscutível que pode fundar um comportamento e uma razão de se estar vivo.
É fácil ainda inventar ou ter razões para se atentar contra o que é indiscutível. Porque se é indiscutível, não se pode discutir. E se se discute, o valor deixa de existir. Toda a cultura ou civilização assenta em pressupostos que não exigem uma demonstração e permanecem assim no intocável que é seu. Eis que no nosso tempo, como em nenhum outro, o fundamental para a vida se determina pela negação. A arte foi como sempre o grande arauto da nossa terra queimada. Negar. Destruir. Porque tudo se contamina da possibilidade de negação. Das artes e as letras ao comportamento social.
E curiosamente a mais manifesta negação é a que se refere ao tabu sexual. E o que mais se destaca aí é o uso a frio das maiores obscenidades.

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O Amor pela Humanidade Começa

As paixões diminuem com a idade. O amor, que não deve ser classificado entre as paixões, diminui da mesma maneira. O que perde por um lado recupera por outro. Já não é severo para o objecto dos seus desejos, fazendo justiça a si mesmo: a expansão é aceite. Os sentidos já não possuem o seu aguilhão para excitar os sexos da carne. O amor pela humanidade começa. Nesses dias em que o homem sente que se torna um altar ornado pelas suas virtudes, feitas as contas de cada dor que se revelou, a alma, num recôndito do coração onde tudo parece ter origem, sente qualquer coisa que já não palpita. Referi-me à recordação.

O Valor Natural do Egoísmo

O egoísmo vale o que valer fisiologicamente quem o pratica: pode ser muito valioso, e pode carecer de valor e ser desprezível. E lícito submeter a exame todo o indivíduo para se determinar se representa a linha ascendente ou a linha descendente da vida. Quando se conclui a apreciação sobre este ponto possui-se também um cânone para medir o valor que tem o seu egoísmo. Se se encontra na linha ascendente, então o valor do seu egoísmo é efectivamente extraordinário, — e por amor à vida no seu conjunto, que com ele progride, é lícito que seja mesmo levada ao extremo a preocupação por conservar, por criar o seu optimum de condições vitais. O homem isolado, o «indivíduo», tal como o conceberam até hoje o povo e o filósofo, é, com efeito, um erro: nenhuma coisa existe por si, não é um átomo, um «elo da cadeia», não é algo simplesmente herdado do passado, — é sim a inteira e única linhagem do homem até chegar a ele mesmo… Se representa a evolução descendente, a decadência, a degeneração crónica, a doença (— as doenças são já, de um modo geral, sintoma da decadência, não causas desta), então o seu valor é fraco,

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Civilização e Religião Condicionam-se Uma à Outra

Quando a civilização formulou o mandamento de que o homem não deve matar o próximo a quem odeia, que se acha no seu caminho ou cuja propriedade cobiça, isso foi claramente efetuado no interesse comunal do homem, que, de outro modo, não seria praticável, pois o assassino atrairia para si a vingança dos parentes do morto e a inveja de outros, que, dentro de si mesmos, se sentem tão inclinados quanto ele a tais actos de violência. Assim, não desfrutaria da sua vingança ou do seu roubo por muito tempo, mas teria toda a possibilidade de ele próprio em breve ser morto. Mesmo que se protegesse contra os seus inimigos isolados através de uma força ou cautela extraordinárias, estaria fadado a sucumbir a uma combinação de homens mais fracos. Se uma combinação desse tipo não se efectuasse, o homicídio continuaria a ser praticado de modo infindável e o resultado final seria que os homens se exterminariam mutuamente. Chegaríamos, entre os indivíduos, ao mesmo estado de coisas que ainda persiste entre famílias na Córsega, embora, em outros lugares, apenas entre nações. A insegurança da vida, que constitui um perigo igual para todos, une hoje os homens numa sociedade que proíbe ao indivíduo matar,

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O Compromisso Estraga o Escritor

Gosto mais dos homens que tomam um partido do que das literaturas que tomam partido. Coragem na vida e talento nas obras já não é nada mau. E, depois, o escritor só é comprometido quando quer. O seu mérito é o movimento. E se isso deve passar a ser uma lei, um ofício ou um terror, onde está então o mérito?
Parece que escrever hoje um poema sobre a Primavera é servir o capitalismo. Não sou poeta, mas fruiria sem rebuço uma semelhante obra se ela fosse bela. E se o homem tem necessidade de pão e de justiça, e se é preciso fazer o necessário para satisfazer essa necessidade, não se deve esquecer que ele precisa também de beleza pura, que é o pão do seu coração. O resto não é sério.
Sim, eu desejá-los-ia menos comprometidos nas suas obras e um pouco mais na sua vida de todos os dias.

Não há Relação entre as Verdades e o Tempo

A relação das verdades com o tempo não é positiva, mas negativa, é um simples não ter que ver com o tempo em nenhum sentido, é ser por completo alheias a toda a qualificação temporal, é manter-se rigorosamente anacrónicas. Dizer, pois, que as verdades o são sempre não envolve, falando de modo rigoroso, menor impropriedade que se dissermos – para usar uma famoso exemplo trazido por Leibniz a outro propósito -, «justiça verde». O corpo ideal da justiça não oferece um encaixe nem um orifício onde possa enganchar-se o atributo «verdosidade», e todas as vezes em que pretendamos inseri-lo naquele, outras tantas o veremos resvalar sobre a justiça – como sobre uma área polida. A nossa vontade de unir estes dois conceitos fracassa, e, ao dizê-los juntos, permanecem obstinadamente separados, sem possível adesão nem conjugação. Não existe, pois, heterogeneidade maior que a que existe entre o modo de ser atemporal constituitivo das verdades e o modo de ser temporal do sujeito humano que as descobre e pensa, conhece ou ignora, rejeita ou esquece.
Se, não obstante, usamos essa maneira de dizer – «as verdades são-no sempre» -, é porque praticamente isto não leva a consequências erróneas: é um erro inocente e cómodo.

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