O Segredo de Salvar-me Pelo Amor
Quem há aà que possa o cálix
De meus lábios apartar?
Quem, nesta vida de penas,
Poderá mudar as cenas
Que ninguém pôde mudar ?Quem possui na alma o segredo
De salvar-me pelo amor?
Quem me dará gota de água
Nesta angustiosa frágua
De um deserto abrasador?Se alguém existe na terra
Que tanto possa, Ă©s tu sĂł!
Tu sĂł, mulher, que eu adoro,
Quando a Deus piedade imploro,
E a ti peço amor e dó.Se soubesses que tristeza
Enluta meu coração,
Terias nobre vaidade
Em me dar felicidade,
Que eu busquei no mundo em vĂŁo.Busquei-a em tudo na terra,
Tudo na terra mentiu!
Essa estrela carinhosa
Que luz à infância ditosa
Para mim nunca luziu.Infeliz desde criança
Nem me foi risonha a fé;
Quando a terra nos maltrata,
Caprichosa, acerba e ingrata,
Céu e esperança nada é.Pois a ventura busquei-a
No vivo anseio do amor,
Era ardente a minha alma;
Conquistei mais de uma palma
Ă€ custa de muita dor.
Textos sobre Lábios
36 resultadosO Enigma do Ser Humano
Encontramos uma pessoa que achamos interessante. Tentamos, como se costuma dizer, «situá-la». (Tenho o hábito de fazer isso atĂ© com os senhores e as senhoras que lĂŞem as notĂcias na televisĂŁo.) Nas nossas recordações, procuramos rostos parecidos com o que temos agora diante de nĂłs. O movimento lento das pálpebras faz lembrar um orador na Associação de Biologia, as comissuras dos lábios sĂŁo iguais Ă s de um docente de QuĂmica em Uppsala nos anos cinquenta. Em suma, uma entoação que conhecemos ali, uma expressĂŁo do rosto que recordamos de outro lado, e imaginamos que ficámos a compreender. ReconstituĂmos o desconhecido com o auxĂlio do que conhecemos.
O psicanalista no seu consultĂłrio (nem sei se Ă© assim que se diz, nunca fui a nenhum) faz, em princĂpio, o mesmo: associa experiĂŞncias, recordações, para encontrar as chaves do novo, do desconhecido, com que se confronta.
Mas as peças que vamos buscar, os factos a que recorremos, esse molho de chaves que sĂŁo os rostos antes encontrados e que fazemos tilintar na nossa mĂŁo, Ă©, tambĂ©m ele, o desconhecido. Explicamos um enigma com outro enigma. É a mesma coisa que comprar um novo exemplar do mesmo jornal para confirmar uma notĂcia em que nĂŁo acreditamos.
A Tua Alma de Ouro
Meu querido rapaz,
O teu soneto é deveras bonito, e é uma maravilha que esses teus lábios da cor de rosas encarnadas tenham sido feitos tanto para a loucura da música e das canções como para a loucura do beijar. A tua alma de ouro caminha entre a paixão e a poesia. Eu sei que Hyacinthus, que Apollo amou tão perdidamente, eras tu nos tempos Gregos. Porque estás sozinho em Londres, e quando irás para Salisbury? Vai até lá para refrescar as tuas mãos no crepúsculo cinzento das coisas góticas, e vem aqui sempre que quiseres. É um lugar adorável, e falta-lhe apenas a tua pessoa; mais vai primeiro a Salisbury.
Sempre teu, com amor eterno,
Oscar
NĂŁo Sei Dizer quem Sou
É curioso como nĂŁo sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas nĂŁo posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar nĂŁo sĂł nĂŁo exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir nĂŁo Ă© o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressĂŁo está alojada na parte alta do cĂ©rebro, nos lábios — na lĂngua principalmente —, na superfĂcie dos braços e tambĂ©m correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu nĂŁo sei dizer. O gosto Ă© cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move–se como gelatina, vagarosamente. As vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em cĂ©u azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo? NĂŁo, nĂŁo passo bem. Pois ninguĂ©m se faz essas perguntas e eu… Mas Ă© que basta silenciar para sĂł enxergar, abaixo de todas as realidades, a Ăşnica irredutĂvel, a da existĂŞncia. E abaixo de todas as dĂşvidas — o estudo cromático — sei que tudo Ă© perfeito, porque seguiu de escala a escala o caminho fatal em relação a si mesmo.
Falar com Estranhos
Já reparou? E mais fácil ser-se verdadeiro com os estranhos. As pessoas que viajam de comboio começam a falar com estranhos e contam coisas que nunca contaram aos amigos, porque, com um estranho, não se sentem envolvidas. Meia hora mais tarde, chegam ao seu destino e saem; esquecem e o estranho esquecerá tudo aquilo que lhe contaram. Por isso nada do que lhe disseram tem qualquer importância. Não se correm riscos com um estranho.
Ao falar com estranhos, as pessoas são mais verdadeiras e revelam o seu coração. Mas ao falar com os amigos, com os familiares — pai, mãe, mulher, marido, irmão, irmã — há uma profunda inibição inconsciente. «Não digas isso, ele pode ficar magoado. Não faças isso, ela pode não gostar. Não te comportes dessa maneira, o pai é velho, pode ficar chocado.» Então a pessoa continua a controlar-se. A pouco e pouco, a verdade cai na cave do seu ser e ela torna-se muito esperta e astuciosa com o não verdadeiro. Continua a fazer falsos sorrisos, que não passam de pinturas nos lábios. Continua a dizer coisas simpáticas, sem qualquer significado. Começa a sentir-se aborrecida com o namorado ou com os pais, mas continua a dizer: «Estou muito contente por te ver!» Enquanto isso,
Envolvê-la nos Meus Braços
TrĂŞs minutos depois de vocĂŞ ter partido. NĂŁo, nĂŁo consigo reprimi-lo. Digo-lhe o que já sabe: amo-a. É isto que destruĂ vezes sem conta. Em Dijon, escrevi-lhe cartas longas e apaixonadas (se vocĂŞ tivesse permanecido na SuĂça ter-lhas-ia enviado), mas como posso eu enviá-las para Louveciennes?
Anais, nĂŁo posso dizer muito agora – encontro-me demasiado alterado. Quase nĂŁo consegui conversar consigo, porque estava continuamente prestes a levantar-me e a envolvĂŞ-la nos meus braços. Tinha esperanças de que vocĂŞ nĂŁo tivesse de ir jantar a casa… De que pudĂ©ssemos ir a algum lado jantar e dançar. VocĂŞ dança… Já sonhei com isso vezes sem conta… Eu a dançar consigo, ou vocĂŞ a dançar sozinha com a cabeça inclinada para trás e os olhos semicerrados. Algum dia tem de dançar para mim dessa maneira. Esse Ă© o seu Eu espanhol, o tal sangue andaluz destilado.
Estou sentado no seu lugar e já levei aos lábios o copo onde vocĂŞ bebeu. Mas nĂŁo sei o que dizer. O que vocĂŞ me leu pĂ´s-me a cabeça Ă s voltas. A sua linguagem Ă© ainda mais avassaladora do que a minha. Comparado consigo, nĂŁo passo de um petiz… porque, quando o Ăştero que há em si fala,
A Voz que Ouço quando Leio
Quando leio, há uma voz que lĂŞ dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas nĂŁo acredito que seja o meu olhar que lĂŞ. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lĂŞ. Quando Ă© sĂ©ria, ouço-a falar-me de assuntos sĂ©rios. Ă€s vezes, sussurra-me. Ă€s vezes, grita-me. Essa voz nĂŁo Ă© a minha voz. NĂŁo Ă© a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, nĂŁo me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas nĂŁo Ă© minha. NĂŁo Ă© a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas Ă© exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, nĂŁo acredito que alguĂ©m possa ter uma voz que lĂŞ igual Ă minha, por isso Ă© minha mas nĂŁo Ă© minha. Mas, claro, nĂŁo posso ter a certeza absoluta. NĂŁo sĂł porque uma voz Ă© indescritĂvel, mas tambĂ©m porque nunca ninguĂ©m me tentou descrever a voz que ouve quando lĂŞ e porque eu nunca falei com ninguĂ©m da voz que ouço quando leio.
Respeito Muito o Homem que Chora
Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim Ă© aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, nĂŁo dĂŁo alĂvio. SĂł esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, entĂŁo, se nĂŁo seria esse choro como o de uma criança com a angĂşstia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, Ă© melhor procurar conter–se: nĂŁo vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difĂcil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer.
Mas nem sempre Ă© necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. EntĂŁo, sĂŁo lágrimas suaves, de uma tristeza legĂtima Ă qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, lĂmpido, produto de nossa dor mais profunda.
Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.
A Morte Está atrás do Teu Beijo
A morte está atrás do teu beijo,
e nĂŁo me interessa nada que nĂŁo me possa matar.NĂŁo quero trajectos sem calhaus, pessoas sem problemas, muito menos glĂłrias sem lágrimas. NĂŁo quero o tĂ©dio de sĂł continuar, a obrigação de suportar, andar na rotina sĂł por andar. NĂŁo quero o vai-se andando, o Ă© a vida, o tem de ser, nada que nĂŁo me ponha a gemer. NĂŁo quero o prato sempre saudável, a saladinha impoluta, a cama casta, o sexo virgem. NĂŁo quero o sol o dia todo, a recta sem a mĂnima curva, nĂŁo quero o preto liso nem o branco imaculado, nĂŁo quero o poema perfeito nem a ortografia ilesa. NĂŁo quero aprender apenas com o professor, a palmadinha nas costas, o vá lá que isso passa, a microssatisfação, a minĂşscula euforia. NĂŁo quero os lábios sem lĂngua, a lĂngua sem prazer, fugir do que mete medo, e atĂ© acomodar-me ao que me faz doer. Quero o que nĂŁo cabe no regular, o que nĂŁo se entende nos manuais, o que nĂŁo acontece nos guiões. Quero a ruga esquisita, a mĂŁo descuidada, a estrada arriscada, a chuva, o vento, as unhas cravadas, o animal do instante.
Ninguém me Ama a Ponto de Ser Eu
Fiz o que era mais urgente: uma prece. Rezo para achar o meu verdadeiro caminho. Mas descobri que nĂŁo me entrego totalmente Ă prece, parece-me que sei que o verdadeiro caminho Ă© com dor. Há uma lei secreta e para mim incompreensĂvel: sĂł atravĂ©s do sofrimento se encontra a felicidade. Tenho medo de mim pois sou sempre apta a poder sofrer. Se eu nĂŁo me amar estarei perdida — porque ninguĂ©m me ama a ponto de ser eu, de me ser. Tenho que me querer para dar alguma coisa a mim. Tenho que valer alguma coisa? Oh protegei-me de mim mesma, que me persigo. Valho qualquer coisa em relação aos outros — mas em relação a mim, sou nada. É tĂŁo bom ter a quem pedir. Nem me incomodo muito se eu nĂŁo for totalmente atendida. Eu peço a Deus para eu ser mais bonita — e nĂŁo Ă© que meu olho faĂsca ao mesmo tempo que meus lábios parecem mais doces e cheios? Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso. É o que me cabe. Ser ou nĂŁo ser atendida — isso nĂŁo me cabe a mim, isto já Ă© matĂ©ria-mágica que se me dá ou se retrai.
Hábito e Inércia
Ao princĂpio, somos carne animada pela alma; a meio caminho, meias máquinas; perto do fim, autĂłmatos rĂgidos e gelados como cadáveres. Quando a morte chega, encontramo-nos em tudo semelhantes aos mortos. Esta petrificação progressiva Ă© obra do hábito.
O hábito torna-nos cegos Ă s maravilhas do mundo – indiferentes e inconscientes perante os milagres quotidianos -, embota a força dos sentidos e dos sentimentos – torna-nos escravos dos costumes, mesmo tristes e culpados: suprime a vista, espanto, fogo e liberdade. Escravos, frĂgidos, insensatos, cegos: tudo propriedade dos cadáveres. A subjugação aos hábitos Ă© uma subjugação da morte; um suicĂdio gradual do espĂrito.
O hábito suprime as cores, incrusta, esconde: partes da nossa vida afundam-se gradualmente na inconsciĂŞncia e deixam de ser vida para se tornarem peças de um mecanismo imprevisto. O cĂrculo do espontâneo reduz-se; a liberdade e novidade decaem na monotonia do vulgar.
É como se o sangue se tornasse, a pouco e pouco, sĂłlido como os ossos e a alma um sistema de correias e rodas. A matĂ©ria nĂŁo passa de espĂrito petrificado pelos hábitos. Nasce-se espĂrito e matĂ©ria e termina-se apenas como matĂ©ria. A casca converteu em madeira a prĂłpria linfa.
A casca é necessária para proteger o albume,
SMS
Ela caminha já a tarde vai alta pelo passeio que segue paralelo ao mar, por cima das praias. Em baixo, a areia estende-se vazia até à água, acabando numa espuma branca, das ondas que rebentam com o fragor dos dias de Inverno. Vai sozinha. Cruza-se com jovens a passo de corrida, outros que deslizam em patins, um casal com o filho pequeno feliz na sua bicicleta de rodinhas, acompanhado por um cãozinho saltitante que corre para a frente e para trás em redor dele.
Leva na mĂŁo o telemĂłvel e nos olhos castanhos brilhantes uma esperança. Vai pensativa e sem horas, caminhando sem pressa, reparando nas pessoas, no mar desabrido que se atira Ă praia, no ar fresco que respira, no vento que se levanta com uma promessa de tempestade. Cruza o casaco grosso, azul-escuro, Ă frente do peito, sem apertar os botões. Cruza os braços. Uma folha de jornal passa por ela a esvoaçar, notĂcias antigas, pensa divertida, logo se concentrando no navio de carga iluminado que vem de Lisboa e ruma ao mar aberto com o vagar de quem tem um destino certo num dia certo.Acaba por apertar os botões do casaco e levantar a gola para se sentir mais protegida do vento,
Cada qual mente ao seu próximo, falando com lábios fluentes e duplo coração
Cada qual mente ao seu próximo, falando com lábios fluentes e duplo coração.
Passa por inteligente aquele que fecha os lábios
Passa por inteligente aquele que fecha os lábios.
Quando Somos Felizes
– Parece-me uma grande felicidade que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que Ă© a primeira vez que o fazemos.
– É uma grande tristeza — disse ela a soluçar.
– É a maior infelicidade. Eu, quando olho para as coisas quero que elas me sejam familiares, como o meu tio e o meu marido, como o pĂŁo que se come Ă s refeições. Quero deitar-me sempre com o mesmo homem, com os mesmos lábios. Quero que os lençóis de hoje me pareçam os lençóis de ontem, mesmo que os bordados sejam completamente diferentes. NĂŁo quero que os beijos que recebo sejam novos, quero que sejam velhos, quero que sejam os de sempre. NĂŁo me quero sobressaltar como quando era jovem. Uma pessoa sĂł pode ter paz quando está ao pĂ© das mesmas coisas, quando nem repara nelas, porque elas já fazem parte de si, como se as tivesse comido e mastigado e engolido e agora fossem carne da sua carne e sangue do seu sangue. SĂł somos felizes quando já nĂŁo sentimos os sapatos nos pĂ©s.
As Subtilezas da Alma
Tal como o corpo assimila coisas de toda a natureza – vulgares, poluĂdas ou purificadas por um padre ou por uma visĂŁo – e as converte em destreza ou força, mĂşsculo ou suavidade de linhas, curvas e cor do cabelo, dos lábios e dos olhos, assim tambĂ©m a Alma, por sua vez, tem as suas funções assimiladoras e pode transformar em nobres pensamentos e elevadas paixões o que em si mesmo Ă© baixo, cruel e degradante; mais ainda, pode encontrar nestas a maneira mais digna de afirmação. E muitas vezes pode revelar-se a si mesma de um modo mais perfeito atravĂ©s daquilo que estava destinado a destruĂ-la ou a profaná-la.