Respeito Muito o Homem que Chora
Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim Ă© aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, nĂŁo dĂŁo alĂvio. SĂł esgotam e exaurem. Uma amiga perguntou-me, entĂŁo, se nĂŁo seria esse choro como o de uma criança com a angĂşstia da fome. Era. Quando se está perto desse tipo de choro, Ă© melhor procurar conter–se: nĂŁo vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar. É difĂcil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue a ponto de empalidecer.
Mas nem sempre Ă© necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. EntĂŁo, sĂŁo lágrimas suaves, de uma tristeza legĂtima Ă qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, lĂmpido, produto de nossa dor mais profunda.
Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.
Textos sobre Lágrimas de Clarice Lispector
2 resultadosHá Muito Já não Sou Gente
O que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as teclas secas na úmida e escura madrugada. Há muito já não sou gente. Quiseram que eu fosse um objeto. Sou um objeto. Objeto sujo de sangue. Sou um objeto que cria outros objetos e a máquina cria a nós todos. Ela exige. O mecanicismo exige e exige a minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto, que seja um objeto que grita. Há uma coisa dentro de mim que dói. Ah como dói e como grita pedindo socorro. Mas faltam lágrimas na máquina que sou. Sou um objeto sem destino. Sou um objeto nas mãos de quem? tal é o meu destino humano. O que me salva é grito. Eu protesto em nome do que está dentro do objeto atrás do atrás do pensamento-sentimento. Sou um objeto urgente.