A Actualidade Absorve o Romance

O espĂ­rito do romance Ă© o espĂ­rito da complexidade. Cada romance diz ao leitor: «As coisas sĂŁo mais complicadas do que tu pensas». É a verdade eterna do romance mas que cada vez se faz menos ouvir na algazarra das respostas simples e rĂĄpidas que precedem a pergunta e a excluem. Para o espĂ­rito do nosso tempo Ă© ou Anna ou entĂŁo Karenine quem tem razĂŁo, e a velha sabedoria de Cervantes, que nos fala da dificuldade de saber e da inacessĂ­vel verdade, parece incĂłmoda e inĂștil.
O espĂ­rito do romance Ă© o espĂ­rito de continuidade: cada obra Ă© a resposta Ă s obras precedentes, cada obra contĂ©m toda a experiĂȘncia anterior do romance. Mas o espĂ­rito do nosso tempo estĂĄ fixado sobre a actualidade que Ă© tĂŁo expansiva, tĂŁo ampla, que empurra o passado do nosso horizonte e reduz o tempo ao Ășnico segundo presente. IncluĂ­do neste sistema, o romance jĂĄ nĂŁo Ă© obra (coisa destinada a durar, a ligar o passado ao futuro) mas acontecimento da actualidade como outros acontecimentos, um gesto sem amanhĂŁ.