Tudo Deve Ser Contado pelo Menos uma Vez
Tudo o que nos acontece, tudo o que falamos ou nos Ă© narrado, tudo quanto vemos com os nossos prĂłprios olhos ou sai da nossa lĂngua ou entra pelos nossos ouvidos, tudo aquilo a que assistimos (e por que, portanto, somos de certo modo responsáveis), há-de ter um destinatário fora de nĂłs, e esse destinatário vai sendo seleccionado por nĂłs em função do que acontece ou nos dizem ou entĂŁo dizemos nĂłs. Cada coisa deverá ser contada a alguĂ©m – nem sempre a mesma pessoa, nĂŁo necessariamente -, e cada coisa vai-se colocando de parte como quem folheia e aparta e vai destinando prendas futuras numa tarde de compras.
Tudo deve ser contado pelo menos uma vez, ainda que, como havia determinado Rylands com a sua autoridade literária, deva ser contado segundo os tempos. Ou, o que vem a dar no mesmo, no momento justo e Ă s vezes nunca mais se nĂŁo se soube reconhecer ou se deixou passar deliberadamente esse momento preciso. Esse momento apresenta-se Ă s vezes (a maioria das vezes) de maneira imediata, inequĂvoca e compulsiva, mas muitas outras vezes apresenta-se apenas confusamente e ao fim de lustros ou dĂ©cadas, como acontece com os grandes segredos. Mas nenhum segredo pode ou deve ser guardado para sempre do conhecimento de toda a gente,
Textos sobre LĂngua de Javier MarĂas
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