CrĂłnica de Natal
Todos os anos, por esta altura, quando me pedem que escreva alguma coisa sobre o Natal, reajo de mau modo. «Outra vez, uma história de Natal! Que chatice!» — digo. As pessoas ficam muito chocadas quando eu falo assim. Acham que abuso dos direitos que me são conferidos. Os meus direitos são falar bem, assim como para outros não falar mal. Uma vez, em Paris, um chauffeur de táxi, desses que se fazem castiços e dizem palavrões para corresponder à fama que têm, aborreceu-me tanto que lhe respondi com palavrões. Ditos em francês, a mim não me impressionavam, mas ele levou muito a mal e ficou amuado. Como se eu pisasse um terreno que não era o meu e cometesse um abuso. Ele era malcriado mas eu – eu era injusta. Cada situação tem a sua justiça própria, é isto é duma complexidade que o código civil não alcança.
Mas dizia eu: «Outra vez o Natal, e toda essa boa vontade de encomenda!» Ponho-me a percorrer as imagens que sĂŁo de praxe, anjos trombeteiros, pastores com capotes de burel e meninos pobres do tempo da Revolução Industrial inglesa. Pobres e explorados, mas, entretanto, nĂŁo excluĂdos do trato social atravĂ©s dos seus conflitos prĂłprios,
Textos sobre LĂłgica de Agustina Bessa-LuĂs
2 resultadosA Cultura nĂŁo se Enquadra na Totalidade PolĂtica
A cultura nunca poderá ser um factor estratĂ©gico de mudança. Se Ă© estratĂ©gia, nĂŁo Ă© cultura. Faz-se apelo Ă cultura como estratĂ©gia de mudança, tentando resolver a condição perturbadora do homem culto, munido de culpabilidade inconsciente, ou simplesmente isento da culpabilidade pelo sofrimento. Isso nĂŁo Ă© possĂvel. A cultura nĂŁo se enquadra na totalidade polĂtica. Há um grave mal-entendido quanto a isso. A cultura nĂŁo significa o conforto da neutralidade, a irĂłnica graduação da expectativa, a ginástica do nĂŁo-compomisso. Significa um enraizamento em si mesmo, que conserva no homem a faculdade de julgar. NĂŁo Ă© contrária Ă acção, mas Ă© condição necessária para que a acção seja serena e Ăştil, e nĂŁo impaciente e desordenada. NĂŁo se trata de racismo espiritual; nĂŁo se trata da pretensĂŁo de existir Ă parte da histĂłria polĂtica do mundo. É a intenção absolutamente necessária de ser livre, face aos acontecimentos, qualquer que seja a lĂłgica que os liga. A cultura Ă© o que identifica um povo com a sua finalidade.