A Subfelicidade
O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.
O que mais dĂłi Ă© a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que nĂŁo se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade nĂŁo magoa – vai magoando; a subfelicidade nĂŁo martiriza – vai martirizando. NĂŁo Ă© intensa – mas Ă© imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silĂŞncio, em surdina, em anonimato. Como se nĂŁo fosse. Mas Ă©: a subfelicidade Ă©. A subfelicidade faz-te ficar refĂ©m do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que nĂŁo tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre Ă mĂŁo de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade Ă© o piso -1 da felicidade. E nĂŁo há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daĂ.
Textos sobre Longe de Pedro Chagas Freitas
3 resultadosO Problema em Amar
O problema em amar quem te ama é o de quem te ama te amar como tu amas quem te ama. E depois o encadeamento é simples: quem te ama quer-te presente por dentro dele a toda a hora, por todo o lado do teu lado; e tu queres quem te ama presente em ti a toda a hora, por todo o lado do teu lado. Mas os corpos – por mais que a alma não seja palpável também ela tem um corpo – têm um limite de dilatação. A partir de uma certa altura: pára. E já não alarga mais. E tu queres enfiar o espaço que quem ama ocupa em ti mesmo ao lado do espaço do que te amas. E não dá. Não dá para te amares como amas quem amas. E depois quem te ama como tu amas quem te ama vai querer fazer o mesmo contigo. E não dá. Os corpos – repito – têm um limite de dilatação. E chega uma altura em que uma parte de ti não cabe na parte toda de quem amas; e chega uma altura em que uma parte de quem amas não cabe na parte toda de ti.
Tudo o que Somos é Ficção
Há que entender que tudo o que somos é ficção.
Pessoas atrás de pessoas pedem-me conselhos. Acreditam que o que escrevo me torna em alguĂ©m especial, capaz de lhes entender o que fazem, o que sentem, atĂ© o que escrevem. Fico perdido, sem saber o que fazer, sem saber o que dizer. E Ă© por isso que escrevo. Escrever Ă© estar perdido e procurar, a cada frase, um caminho. Ou um simples sinal de que pode haver um caminho, de que pode haver uma esperança. Escrever Ă© procurar a esperança, todos os dias, no que nĂŁo existe, no que se escreve para ver se existe. NĂŁo sou escritor, nunca fui escritor, nĂŁo quero ser escritor. Sou apenas o gajo que escreve porque tem de escrever, porque os dias exigem que escreva, porque uma urgĂŞncia qualquer o obriga a escrever. Escrevo como necessidade biolĂłgica, e Ă s vezes custa tanto ter de escrever. NĂŁo dĂłi mas custa, Ă© uma dor de fora para dentro, como se as letras saĂssem da pele, do por dentro dos ossos. E a literatura. O que raios Ă© a literatura? Estou-me nas tintas para a literatura. NĂŁo quero escrever literatura, nĂŁo quero os intelectuais do meu lado.