Textos Longos de José Luís Peixoto

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Cada Dia Ă© Sempre Diferente dos Outros

Cada dia é sempre diferente dos outros, mesmo quando se faz aquilo que já se fez. Porque nós somos sempre diferentes todos os dias, estamos sempre a crescer e a saber cada vez mais, mesmo quando percebemos que aquilo em que acreditávamos não era certo e nos parece que voltámos atrás. Nunca voltamos atrás. Não se pode voltar atrás, não se pode deixar de crescer sempre, não se pode não aprender. Somos obrigados a isso todos os dias. Mesmo que, às vezes, esqueçamos muito daquilo que aprendemos antes. Mas, ainda assim, quando percebemos que esquecemos, lembramo-nos e, por isso, nunca é exactamente igual.
— Porquê, pai?
— Porque a memória não deixa que seja igual, mesmo que seja uma memória muito vaga, mesmo que seja só assim uma espécie de sensação muito vaga. É que a memória não é sempre aquilo que gostaríamos que fosse. Grande parte dos nossos problemas estão na memória volúvel que possuímos. Aquilo que é hoje uma verdade absoluta, amanhã pode não ter nenhum valor. Porque nos esquecemos, filho. Esquecemos muito daquilo que aprendemos. E cansamo-nos. E quando estamos cansados, deixamos de aprender. Queremos não aprender por vontade. Essa é a nossa maneira de resistir,

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Uma Mentira

Uma mentira, fina como um cabelo, perturba para sempre a ordem do mundo. Aquilo que sabemos tem muita importância. Tomamos decisões, vamos por aqui ou por ali, consoante aquilo que sabemos. E tudo o que virá a seguir, o futuro até ao fim dos tempos, será diferente se formos por um lado em vez de irmos por outro. Nascem pessoas devido a insignificâncias, morrem pessoas pelo mesmo motivo. Uma pessoa é uma máquina de coisas a acontecer, possibilidades multiplicadas por possibilidades em todos os instantes do seu tempo. Uma mentira, mesmo que transparente, perturba o entendimento que os outros têm da realidade, leva-os a acreditar que é aquilo que não é. Essa poluição vai turvar-lhes a lógica do mundo. As conclusões a que forem capazes de chegar serão calculadas a partir de um dado falso e, desse ponto em diante, todas as contas serão multiplicações de erros. Uma mentira baralha tudo aquilo em que toca, desequilibra o mundo. É por isso que uma mentira precisa sempre de mentiras novas para se suster. O mundo não lhe dá cobertura. Para alcançar coerência, cada mentira requer a criação apressada de um mundo de mentira que a suporte. É assim que a mentira vai avançando pela verdade adentro,

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