Textos Longos

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Textos longos sobre diversos assuntos para ler e compartilhar. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Vida é uma Eternidade

Sabemos que vamos morrer e que estaremos mortos tanto tempo como não estivemos à espera para nascer. É banal dizer-se que a vida é um intervalo ou uma passagem ou um instante. Não é. A vida é uma excepção generosamente comprida à regra nem triste nem alegre da inexistência.
A vida está para o nada como o planeta Terra está para o sistema solar a que pertence. Sim, pode haver vida noutros planetas. Mas será uma vida que vale a pena viver? Ou que apenas vale a pena estudar?

Sabemos que temos muito tempo de vida: muito mais do que precisamos. O direito à preguiça e à procrastinação está consagrado na nossa vida e faz logo, à partida, parte dela.
Sabemos que somos obrigados a pensar, errada e repetidamente, que o tempo em que estamos vivos é importante. E que as nossas noções de declínio (“dantes é que era bom; os jovens de hoje não sabem o que perdem”) são lugares-comuns de todas as gerações antes de nós.

Sabemos que não há ninguém que não envelheça, desde o bebé que nasceu neste segundo até ao velho que, por ter morrido agora mesmo, deixou de envelhecer.

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Saber Lidar com as Injúrias

Se o próprio Epicuro, que tanto cedeu ao corpo, se insurgiu contra as injúrias, porque hão-de nos parecer estas coisas incríveis ou sobre-humanas? Epicuro disse que, para o sábio, as injúrias são toleráveis; nós dizemos que, para o sábio, não há injúrias. E não digas que isto é estar em desacordo com a natureza: não negamos que seja desagradável ser fustigado, agredido ou ficar privado de um membro, mas negamos que estas coisas sejam injúrias; não contestamos o carácter doloroso, mas sim o nome de «injúria», o qual não podemos aceitar sem faltar à virtude. Veremos qual das duas doutrinas é mais verdadeira; mas, de qualquer forma, ambas desprezam a injúria.
Queres saber qual a diferença entre elas? É a mesma que existe entre dois gladiadores intrépidos: um que comprime a ferida e mantém-se em posição, o outro, virando-se para o público clamoroso, faz sinal de que nada se passou e pede para que não se pare o combate. Não julgues que aquilo em que discordamos é importante: no que diz respeito ao ponto principal, que é aquele que nos interessa, as duas doutrinas encorajam a desprezar as injúrias e o que eu chamaria sombras das injúrias e suspeições,

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Caminho da Manhã

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes.

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Liberdade

Antes que a ideia de Deus esmagasse os homens, antes dos autos de fé, das perseguições religiosas da Inquisição e do fundamentalismo islâmico, o Mediterrâneo inventou a arte de viver. Os homens viviam livres dos castigos de Deus e das ameaças dos Profetas: na barca da morte até à outra vida, como acreditavam os egípcios. E os deuses eram, em vida dos homens, apenas a celebração de cada coisa: a caça, a pesca, o vinho, a agricultura, o amor. Os deuses encarnavam a festa e a alegria da vida e não o terror da morte.

Antes da queda de Granada, antes das fogueiras da Inquisição, antes dos massacres da Argélia, o Mediterrâneo ergueu uma civilização fundada na celebração da vida, na beleza de todas as coisas e na tolerância dos que sabem que, seja qual for o Deus que reclame a nossa vida morta, o resto é nosso e pertence-nos – por uma única, breve e intensa passagem. É a isso que chamamos liberdade – a grande herança do mundo do Mediterrâneo.

(…) Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos;

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Psicanálise e Arte

As criações, obras de arte, são imaginárias satisfações de desejos inconscientes, do mesmo modo que os sonhos, e, tanto como eles, são, no fundo, compromissos, dado que se vêem forçadas a evitar um conflito aberto com as forças de repressão. Todavia, diferem dos conteúdos narcisistas, associais, dos sonhos, na medida em que são destinadas a despertar o inteesse noutras pessoas e são capazes de evocar e satisfazer os mesmos desejos que nelas se encontram inconscientes. À parte isto, fazem uso do prazer perceptivo da beleza formal, aquilo a que chamei um prémio-estímulo. Aquilo que a psicanálise foi capaz de fazer consistiu em captar as relações entre as impressões da vida do artista, as suas experiências causais e as suas obras e, a partir delas, reconstruir a sua constituição e os impulsos que se movem dentro dele. Não se deve julgar que o salaz que procura uma obra de arte se anule pelo conhecimento obtido pela análise. A este respeito é possível que o profano espere acaso demasiado da análise, mas deve advertir-se que ela não esclarece os dois problemas que são, provavelmente, os mais interessantes para ele: não esclarece quanto à natureza dos dotes do artista, nem pode explicar os meios de que o artista se serve para trabalhar a técnica artística.

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Pensar Portugal

Pensar Portugal é pensá-lo no que ele é e não iludirmo-nos sobre o que ele é. Ora o que ele é é a inconsciência, um infantilismo orgânico, o repentismo, o desequilíbrio emotivo que vai da abjecção e lágrima fácil aos actos grandiosos e heróicos, a credulidade, o embasbacamento, a difícil assumpção da própria liberdade e a paralela e cómoda entrega do próprio destino às mãos dos outros, o mesquinho espírito de intriga, o entendimento e valorização de tudo numa dimensão curta, a zanga fácil e a reconciliação fácil como se tudo fossem rixas de família, a tendência para fazermos sempre da nossa vida um teatro, o berro, o espalhafato, a desinibição tumultuosa, o despudor com que exibimos facilmente o que devia ficar de portas adentro, a grosseria de um novo-rico sem riqueza, o egoísmo feroz e indiscreto balanceado com o altruísmo, se houver gente a ver ou a saber, a inautenticidade visível se queremos subir além de nós, a superficialidade vistosa, a improvisação de expediente, o arrivismo, a trafulhice e o gozo e a vaidade de intrujar com a nossa «esperteza saloia», o fatalismo, a crendice milagreira, a parolice. Decerto, temos também as nossas virtudes. Mas, na sua maioria, elas têm a sua raiz nestas misérias.

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Bem e Corrupção

Vi claramente que todas as coisas que se corrompem são boas: não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, nem se poderiam corromper se não fossem boas. Com efeito, se fossem absolutamente boas, seriam incorruptíveis, e se não tivessem nenhum bem, nada haveria nelas que se corrompesse. De facto, a corrupção é nociva, e se não diminuísse o bem, não seria nociva. Portanto, ou a corrupção nada prejudica – o que não é aceitável – ou todas as coisas que se corrompem são privadas de algum bem. Isto não admite dúvida. Se, porém, fossem privadas de todo o bem, deixariam inteiramente de existir. Se existissem e já não pudessem ser alteradas, seriam melhores porque permaneciam incorruptíveis. Que maior monstruosidade do que afirmar que as coisas se tornariam melhores com perder todo o bem?
Por isso, se são privadas de todo o bem, deixarão totalmente de existir. Logo, enquanto existem são boas. Assim sendo, todas as coisas que existem são boas e aquele mal que eu procurava não é uma substância, pois se fosse substância seria um bem. Na verdade, ou seria substância incorruptível, e então era certamente um grande bem, ou seria substância corruptível, e nesse caso, se não fosse boa,

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O Eterno é a Própria Vida

Segundo a expressão de Lavelle, a morte dá «a todos os acontecimentos que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam se não viessem a interromper-se». O absoluto habita em cada uma das nossas empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e não será nunca recomeçada. Entra na nossa vida através da sua própria temporalidade. Assim o eterno torna-se fluido e reflui do fim ao coração da vida. A morte já não é a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento em que a nossa essência será alterada. O que há sempre de incoactivo, de incompleto e de constrangedor no presente não é já um sinal de menor realidade.
Mas então a verdade de um ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua essência, mas o seu devir activo ou a sua existência. E se, como Lavelle dizia em tempos, nos julgamos mais perto dos mortos que amámos do que dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida e daqui para o futuro podemos sonhá-los a nosso gosto. Esta piedade é quase ímpia. A única recordação que lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios e do seu mundo,

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Concebemos apenas Átomos em Comparação com a Realidade das Coisas

A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio, é o seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e a fixá-la dentro dos seus justos limites, precisa de a comparar a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Que não se atenha, pois, a olhar para os objetos que o cercam, simplesmente, mas a contemplar a natureza inteira na sua alta e plena majestosidade. Considere esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insignificante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que a nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar . Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projectemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas.

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Os Grandes Forjam-se na Adversidade

Todo o ambiente é favorável ao forte; de um modo ou de outro ele o ajuda a cumprir a missão que se impôs e a conseguir ir porventura mais além das barreiras marcadas. A derrota deve mais atribuir-se à invalidez do impulso interior do que aos obstáculos que lhe ponham diante, mais à alma incapaz de se bater com vigor e tenazmente do que às resistências, às invejas e às dificuldades que o mundo possa levantar perante Hércules que luta.
O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso; o querer se apura, a visão do futuro nos surge mais intensa a cada golpe novo; o contentamente e a mansa quietude são estufa para homens; por aí se habituaram a ser escravos de outros homens, ou da cega Natureza; e eu quero a terra povoada de rijos corações que seguem os calmos pensamentos e a mais nada se curvam.
Mais custa quebrar rochar do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar,

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A Vantagem do Conhecimento Alargado

No que se refere ao espírito dotado de capacidades elevadas – o único que pode ousar a solução dos grandes e difíceis problemas concernentes ao universal e geral das coisas -, ele fará bem em estender o máximo possível o seu horizonte, mas sempre com equanimidade, para todos os lados, sem se perder muito numa dessas regiões bem específicas e conhecidas apenas por poucos. Ou seja, sem penetrar demasiado profundamente nas especialidades de alguma ciência isolada, muito menos envolver-se com a micrologia. Pois não tem necessidade de se dedicar a objectos de difícil acesso para livrar-se da multidão de concorrentes; pelo contrário, justamente aquilo que está ao alcance de todos é o que fornecerá a matéria para combinações novas, importantes e verdadeiras. Desse modo, o seu mérito poderá ser apreciado por todos os que conhecem os dados, portanto, por uma boa parte do género humano. Nisso reside a imensa diferença entre a glória que os poetas e os filósofos alcançam e aquela acessível a físicos, químicos, anatomistas, mineralogistas, zoólogos, filólogos, historiadores, etc.

Pensamos de Mais e Sentimos de Menos

Queremos todos ajudar-nos uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver a felicidade dos outros e não a sua infelicidade. Não queremos odiar nem desprezar ninguém. Neste mundo há lugar para toda a gente. E a boa terra é rica e pode prover às necessidades de todos.
O caminho da vida pode ser livre e belo, mas desviámo-nos do caminho. A cupidez envenenou a alma humana, ergueu no mundo barreiras de ódio, fez-nos marchar a passo de ganso para a desgraça e a carnificina. Descobrimos a velocidade, mas prendemo-nos demasiado a ela. A máquina que produz a abundância empobreceu-nos. A nossa ciência tornou-nos cínicos; a nossa inteligência, cruéis e impiedosos. Pensamos de mais e sentimos de menos. Precisamos mais de humanidade que de máquinas. Se temos necessidade de inteligência, temos ainda mais necessidade de bondade e doçura. Sem estas qualidades, a vida será violenta e tudo estará perdido.
O avião e a rádio aproximaram-nos. A própria natureza destes inventos é um apelo à fraternidade universal, à união de todos. Neste momento, a minha voz alcança milhões de pessoas através do mundo, milhões de homens sem esperança, de mulheres, de crianças, vítimas dum sistema que leva os homens a torturar e a prender pessoas inocentes.

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A Profundidade do Ser

E de vez em quando descer à gravidade de mim, à profundidade do meu ser. E verificar então que tudo se transfigura. Que é que significa este garatujar quase gratuito, este riso superficial, todo este modo de ser menor? A melancolia profunda, tão de dentro que ela se iguala à alegria sem medida. Espaço rarefeito de nós, é o lugar da grandeza do homem, do que é nele fundamental, o lugar do aparecimento de Deus. Mas Deus não me aparece – aparece apenas a inundação que me vem da infinita beatitude, da grandeza e do assombro. Nós vivemos habitualmente à superfície de nós, ligados ao que é da vida imediata, enredados nas mil futilidades com que se nos enchem os dias. Mas de vez em quando, o abismo da natureza, um livro ou uma música que dos abismos vem, abre-nos aos pés um precipício hiante e tudo se dilui num sentir que está antes e abaixo e mais longe que esse tudo. Há uma harmonia que em nós espera por um som, um acorde, uma palavra, para imediatamente se organizar e envolver-nos. E aí somos verdade para a infinidade dos séculos.

A Arte de Escutar

Quando escutares outra pessoa, não escutes apenas com a tua mente, escuta com o teu corpo todo. Sente o campo de energia do teu corpo interior enquanto escutas. Isso afastará a tua atenção do pensar e criará um espaço de quietação que te permitirá escutares verdadeiramente sem que a tua mente interfira. Estarás a dar espaço à outra pessoa – espaço para ser. É a prenda mais valiosa que podes oferecer. A grande maioria das pessoas não sabe escutar porque a maior parte da sua atenção é tomada pelo pensar. Prestam-lhe mais atenção do que àquilo que a outra pessoa está a dizer, e absolutamente nenhuma ao que realmente interessa: o Ser da outra pessoa por baixo das palavras e da mente. É evidente que tu não podes sentir o Ser de alguém excepto através do teu próprio Ser. Isto é o princípio da compreensão da unicidade, que é amor. Ao nível mais profundo do Ser, tu és uno com tudo o que é.

A maioria dos relacionamentos humanos consiste principalmente em mentes a interagir umas com as outras, e não de seres humanos a comunicar, a entrar em comunhão. Nenhum relacionamento pode florescer dessa maneira, e é por isso que existem entre eles tantos conflitos.

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O Amor Nunca Salva, mas alguém Tem uma Ideia Melhor?

Descobri, um pouco tarde, que afinal todos os meus livros são histórias de amor. Só que as daninhas estavam tão bem disfarçadas que eu próprio não tinha reparado. Às vezes, amo entre duas pessoas, outras de amor entre uma pessoa e uma ideia. Idalina enamora-se por «uma dança sem música». Sam Espinosa apaixona-se por uma mulher uns anitos mais velha (duzentos, coisa pouca), Greg quase é salvo da perdição por uma sósia de Angelina Jolie. O amor está no ar e também, como diria um poeta, o amor está no mar. O amor não salva, nunca salva, mas alguém tem uma ideia melhor?
Tão sensacional descoberta levou-me a cogitar no seguinte: e qual será a melhor forma de amar? Carente de modelos reais na vida humana, decidi procurá-los na natureza. Com a ajuda da televisão, claro, Canal Odisseia, National Geographic, Canal Panda, essas coisas. Pode-se lá chegar à natureza, nos dias que correm, senão pela televisão! Três rolos modelos logo me saltaram à vista: o Amor do Louva-a-deus; o Amor do Cisne; o Amor do Urso Polar.
Após alguma esmiuçação, concluí que qualquer um me parece bem, e tem as suas vantagens e desvantagens.
No romance do louva-a-deus,

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O Homem não Foge da Dor

Não é verdade que o homem procure o prazer e fuja da dor. São de tomar em conta os preconceitos contra os quais invisto. O prazer e a dor são consequências, fenómenos concomitantes. O que o homem quer, o que a menor partícula de um organismo vivo quer, é o aumento de poder: é em consequência do esforço em consegui-lo que o prazer e a dor se efectivam; é por causa dessa mesma vontade que a resistência a ela é procurada, o que indica a busca de alguma coisa que manifeste oposição.
A dor, sendo entrave à vontade de poder do homem, é portanto um acontecimento normal – a componente normal de qualquer fenómeno orgânico. E o homem não procura evitá-la, pois tem necessidade dela, já que qualquer vitória implica uma resistência vencida.
Tome-se como exemplo o mais simples dos casos, o da nutrição de um organismo primário; quando o protoplasma estende os pseudópodes para encontrar resistências, não é impulsionado pela fome, mas pela vontade de poder; acima de tudo, ele intenta vencer, apropriar-se do vencido, incorporá-lo a si. O que se designa por nutrição é pois um fenómeno consecutivo, uma aplicação da vontade original de devir mais forte.

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A Inquietação Moderna

Em direcção a oeste, a movimentação moderna torna-se cada vez maior, de modo que, para os Americanos, os habitantes da Europa na sua totalidade se apresentam como seres que gostam do sossego e dele usufruem, quando estes mesmos, no entanto, voam em confusão como abelhas e vespas. Esta movimentação torna-se tão grande que a cultura superior já não pode madurar os seus frutos; é como se as estações do ano se seguissem umas às outras demasiado depressa. Por falta de sossego, a nossa civilização vai dar a uma nova barbárie. Em nenhuma época, os activos, ou seja, os irrequietos, foram tão considerados. Reforçar em grande medida o elemento contemplativo faz parte, por conseguinte, das necessárias correcções que se tem de efectuar no carácter da humanidade. No entanto, desde já, cada indivíduo, que seja calmo e constante de coração e de cabeça, tem o direito de crer que possui não só um bom temperamento, mas também uma virtude de utilidade geral e que, ao conservar essa atitude, até cumpre uma missão superior.

Nós Queimaremos o Mundo, Querida

Diz a Madame de Stael que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como o teu são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão recta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias (…). Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir, e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: «levanta-te, crê e ama: aqui está uma alma que te compreende e te ama também».
A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar este agradável encargo. Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?
Obrigado pela flor que mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse a ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume,

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Retrato de Mónica

Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível.

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A Vulgaridade Intelectual

Hoje, (…) o homem médio tem as «ideias» mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para quê ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo as suas «opiniões».
Mas não é isto uma vantagem? Não representa um progresso enorme que as massas tenham «ideias», quer dizer, que sejam cultas? De maneira alguma. As «ideias» deste homem médio não são autenticamente ideias, nem a sua posse é cultura. A ideia é um xeque-mate à verdade. Quem queira ter ideias necessita antes de dispor-se a querer a verdade, e aceitar as regras do jogo que ela imponha. Não vale falar de ideias ou opiniões onde não se admite uma instância que as regula, uma série de normas às quais na discussão cabe apelar. Estas normas são os princípios da cultura. Não me importa quais são. O que digo é que não há cultura onde não há normas. A que os nossos próximos possam recorrer.
Não há cultura onde não há princípios de legalidade civil a que apelar.

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