MiserĂĄveis Macabros
Ă que nĂŁo foram tĂŁo poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. NĂłs, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os coraçÔes, para sĂł ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais nĂŁo faço do que negar essa piedade Ă s feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como tambĂ©m a nego aos moribundos, e alĂ©m disso aos mortos. E sei bem porquĂȘ.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas Ășlceras. AtĂ© chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bĂĄlsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longĂnqua unguentos derivados do ouro, que tĂȘm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim atĂ© descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportĂĄvel fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pĂșstulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de pĂșrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridĂŁo e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si prĂłprio ao sumo sacerdote que expĂ”e o Ădolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu mĂ©dico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilĂȘncia e pelas proporçÔes.
Textos sobre Lugares de Antoine de Saint-Exupéry
3 resultadosAs Ănicas Verdades que se Demonstram SĂŁo as do Passado
Aqueles que se apoiam em razÔes coerentes e não na riqueza do coração, que discutem para agir segundo a razão, nem sequer chegarão a agir porque aos silogismos deles alguém mais håbil oporå argumentos melhores, aos quais eles, depois de terem reflectido, oporão argumentos ainda melhores. E assim, de advogado håbil em advogado mais håbil, por toda a eternidade.
As Ășnicas verdades que se demonstram sĂŁo as do passado, evidentes em primeiro lugar porque sĂŁo. Se quiseres explicar pela razĂŁo o motivo por que determinada obra Ă© grande, consegui-lo-ĂĄs sem dĂșvida. Porque conheces de antemĂŁo o que desejas demonstrar. Mas a criação nĂŁo pertence a esse domĂnio. Experimenta dar pedras ao teu contabilista e ele nĂŁo construirĂĄ templo algum.
Escolher Para Desfrutar
A angĂșstia invade quer o inquieto, exclusivamente deslumbrado por aquilo que arde com uma luz vaga, quer o poeta cheio de amor pelos poemas que nunca escreveu o seu, quer a mulher apaixonada pelo amor, mas incapaz de devir por nĂŁo saber escolher. Eles bem sabem que eu os curaria da angĂșstia se lhes permitisse esse dom que exige sacrifĂcios e escolha e esquecimento do universo. Porque determinada flor Ă©, em primeiro lugar, uma renĂșncia a todas as outras flores. E, no entanto, sĂł com esta condição Ă© bela. Ă o que acontece com o objecto da troca. E o insensato, que vem censurar a esta velha o seu bordado, sob o pretexto de que ela poderia ter tecido outra coisa, demonstra com isso que prefere o nada Ă criação.