Textos sobre Mågoa de José Luís Peixoto

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Textos de mågoa de José Luís Peixoto. Leia este e outros textos de José Luís Peixoto em Poetris.

Na Tua Voz, IrmĂŁo

Estavam sentados e não falavam. Cada um olhava para um lado que não via. Atrås dos rostos tristes, cismavam. Pensando, Moisés dizia palavras ao irmão, esperançado de que ele as ouvisse; no pensamento, dizia serå um instante e trarå a solidão. Pela primeira vez, gritaremos o nome um do outro. Jå reparaste?, nunca precisåmos de nos chamar. Não sei como é o meu nome na tua voz. Na tua voz, irmão, irmão. Não sei como é o teu nome na minha voz. Pela primeira vez, gritaremos o nome um do outro, e o desespero serå a antecùmara de uma dor triste a que nos habituaremos, como se habitua um homem sem coração ao espaço negro no peito. Viveste sempre na minha vida, e eu estive sempre contigo quando sorriste. Hoje, a solidão. Desapareceremos um do outro, deixaremos de ser nós para sermos só tu e só eu. Mas não esqueceremos. E lembrarmo-nos serå o maior sofrimento, recordarmos o que fomos onde estivermos e não podermos ser mais nada nesse dia. Lembrarmo-nos de quando acordåvamos e olhåvamos um para o outro, pois tínhamos acordado ao mesmo tempo e tínhamos ao mesmo tempo pensado em ver-nos. Lembrarmo-nos de falar na nossa maneira de falar,

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Pai

Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O cĂ©u desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. TranslĂșcida, adormece um sono cĂĄlido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as ĂĄrvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cĂĄ ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mĂĄgoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto Ă© agora pouco para te conter. Agora, Ă©s o rio e as margens e a nascente; Ă©s o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; Ă©s o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as ĂĄrvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.

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