A Cobardia como Pilar da Civilização
Costuma-se jogar na cara dos marxistas, com a sua concepção materialista da História, que eles subestimam certas qualidades espirituais do homem que não dependem de quanto ele ganhe ou deixe de ganhar. O argumento é o de que essas qualidades colorem as aspirações e actividades do homem civilizado tanto quanto são coloridas pela sua condição material, tornando assim impossível simplesmente
reduzir o homem a uma máquina económica. Como exemplos, os antimarxistas citam o patriotismo, a piedade, o senso estético e a vontade de conhecer Deus. Infelizmente, os exemplos são mal escolhidos. Milhões de homens não ligam para o patriotismo, a piedade ou o senso estético, não têm o menor interesse activo em conhecer Deus. Por que é que os antimarxistas não citam uma qualidade espiritual que seja verdadeiramente universal? Pois aqui vai uma. Refiro-me à cobardia. De uma forma ou de outra, ela é visível em todo o ser humano; serve também para separar o homem de todos os outros animais superiores. A cobardia, acredito, está na base de todo o sistema de castas e na formação de todas as sociedades organizadas, inclusive as mais democráticas. Para escapar de ir à guerra ele próprio, o camponês deva de mão beijada certos privilégios aos guerreiros – e destes privilégios brotou toda a estrutura da civilização.
Textos sobre Menor
119 resultadosNecessidade de Ocupar a Vida
Aqueles que não têm necessidade de prover às suas próprias necessidades, e por isso deixam essa preocupação para os outros, não são geralmente capazes de prover, ou de maneira nenhuma ou então só com enorme dificuldade e de modo menos satisfatório que os outros, a uma necessidade importantíssima, que seja como for têm. Refiro-me à necessidade de ocupar a vida: a qual é muito maior do que todas as necessidades específicas, às quais, ocupando-a, se provê; e é também maior do que a necessidade de viver. Aliás, viver, em si mesmo, não é uma necessidade, porque desacompanhado da felicidade não é um bem. Pelo que, sendo-nos dada a vida, a maior e primeira necessidade é conduzi-la com a menor infelicidade possível. Ora, por um lado, a vida desocupada ou vazia é infelicíssima. Por outro lado, o modo de ocupação com o qual a vida se torna menos infeliz do que com qualquer outro é o que consiste em prover às próprias necessidades.
Estenderei a minha mão sobre os habitantes da terra
Estenderei a minha mão sobre os habitantes da terra. Porque desde o menor até o maior, todos eles são gananciosos.
A Culpa é Sentirmo-nos Culpados
A culpa é sentirmo-nos culpados, e não um resultado dos crimes cometidos; o ser inocente é alegre, feliz, e não deixa, seja em que caso for, que os acontecimentos perturbem a sua calma e a sua paz. É por isso que considero que a justiça erra quando executa os menos em vez dos mais culpados, quer dizer quando executa os criminosos e não aqueles que sentem que têm no coração a culpa do mundo. Isso equivale a executar crianças por acções que cometeram no escuro quando ignoravam tudo acerca do escuro e das reacções que provoca no funcionamento dos corpos. Uma vez que são culpados apenas os que se sentem culpados, seria necessário suprimir a justiça distribuitiva de castigos e substituí-la por uma justiça executora, porque ao fim de algum tempo aquele que a culpa mortifica já só aspira a morrer, a morrer pelas faltas do mundo como pelas suas próprias faltas, e pode sem a mínima hesitação, sim, sem a menor angústia de morte, uma vez que nada tem a esperar agora que tocou finalmente o fundo do mundo, pedir à justiça a sua pena de morte – e nunca outra cabeça se curvará mais graciosamente do que a sua por baixo da guilhotina,
Quantas Loucuras há num Homem!
Há tantos amores na vida de um homem! Aos quatro anos, ama-se os cavalos, o sol, as flores, as armas que brilham, os uniformes de soldado; aos dez, ama-se a menina que brinca connosco.; aos treze, ama-se uma mulher de colo túrgido, porque me lembro de que o que os adolescentes amam loucamente é um colo de mulher, branco e mate, e como diz Marot:
Tetin refaict plus blanc qu’un oeuf
Tetin de satin blanc tout neuf.Quase me senti mal quando vi pela primeira vez os seis desnudados de uma mulher. Por fim, aos catorze ou quinze anos, ama-se uma jovem que vem a nossa casa, e que é um pouco mais que uma irmã, menos que uma amante; depois, aos dezasseis anos, ama-se uma outra mulher, até aos vinte e cinco; depois, talvez se ame a mulher com quem casamos. Cinco anos mais tarde, ama-se a dançarina que faz saltar o seu vestido sobre as suas coxas carnudas; por fim, aos trinta e seis, ama-se a deputação, a especulação, as honrarias; aos cinquenta, ama-se o jantar do ministro ou do presidente da câmara; aos sessenta, ama-se a prostituta que nos chama através dos vidros e a quem se lança um olhar de impotência,
Os Empreendimentos Comuns
As comunidades costumam ter menor sentido de responsabilidade e menos escrúpulos de consciência que os indivíduos. Quanto sofrimento não causa este facto à Humanidade, quantas guerras e opressões de toda a espécie que enchem a terra de dor, gemidos e amargura!
E, no entanto, as obras verdadeiramente preciosas só podem nascer graças à colaboração impessoal de muitos indivíduos. Por isso, nada há que maior alegria possa trazer a quem ama a Humanidade do que ver surgir, à custa de grandes sacrifícios, um empreendimento comum, cuja única finalidade consiste em favorecer a vida e a cultura.
Quantos São os que Sabem Ser Donos de Si Próprios?
Apenas julgamos comprar aquilo que nos custa dinheiro, enquanto consideramos gratuito o que pagamos com a nossa própria pessoa. Coisas que não quereríamos comprar se em troca devêssemos dar a nossa casa, ou uma quinta de recreio, ou de rendimento, estamos inteiramente dispostos a obtê-las a troco de ansiedades e de perigos, para tal sacrificando a honra, a liberdade, o tempo. A tal ponto é verdade que a nada damos menos valor do que a nós próprios! Façamos, portanto, em todas as nossas decisões e actos, o mesmo que fazemos ao abordar qualquer vendedor: perguntemos o preço da mercadoria que desejamos.
Frequentemente pagamos ao mais alto preço algo por que nada deveríamos dar. Posso indicar-te muitos bens cuja aquisição, mesmo por oferta, nos custa a liberdade: seríamos donos de nós próprios se não fôssemos possuidores de tais bens.
Deves meditar no que te digo, quer se trate de lucros quer de despesas. «Este objecto vai estragar-se». Ora, é uma coisa exterior; tão facilmente passarás sem ela como passaste antes de a ter. Se tiveste esse objecto bastante tempo, perde-lo depois de saciado; se pouco tempo, perde-lo antes de te habituares a ele. «Ganharás menos dinheiro». E menos preocupações,
O Mal da Cidade
O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –
Os Sentimentos não Evoluem
Sei que tenho conhecimentos que os antigos não possuíam. Somos melhores filósofos sob muitos aspectos; mas no que diz respeito aos sentimentos, confesso que não conheço nenhum povo antigo que nos seja inferior. É desse lado, creio, que se pode mesmo dizer que é difícil para os homens elevarem-se acima do instinto da natureza. Ela fez as nossas almas tão grandes quanto elas se podem tornar, e a elevação que elas encontram na reflexão é em geral tanto mais falsa quanto mais guindada. Tudo aquilo que só depende da alma não recebe nenhum acréscimo pelas luzes do espírito e, porque o gosto se prende a ela, vejo que em vão se aperfeiçoam os nossos conhecimentos: instrui-se o nosso juízo, não se eleva o nosso gosto.
Represente-se Pourceaugnac no Teatro da Comédia, ou outra farsa com alguma comicidade, ela não atrairá público menor do que Andrómaca: as gargalhadas da platéia encantada serão ouvidas até na rua. Apresentem-se pantominas suportáveis na Feira, elas deixarão deserto o Teatro de Comédia; vi os nossos almofadinhas e os nossos filósofos subirem nos bancos para verem espancar dois garotos. Não se perde um gesto de Arlequim, e Pierrot faz rir este século sábio que se pavaneia de tanta polidez.
A Avaliação de uma Civilização
Quando já se viveu por muito tempo numa civilização específica e com frequência se tentou descobrir quais foram as suas origens e ao longo de que caminho ela se desenvolveu, fica-se às vezes tentado a voltar o olhar para outra direção e indagar qual o destino que a espera e quais as transformações que está fadada a experimentar. Logo, porém, se descobre que, desde o início, o valor de uma indagação desse tipo é diminuído por diversos fatores, sobretudo pelo facto de apenas poucas pessoas poderem abranger a actividade humana em toda a sua amplitude. A maioria das pessoas foi obrigada a restringir-se a somente um ou a alguns dos seus campos. Entretanto, quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se o seu juízo sobre o futuro. E há ainda uma outra dificuldade: a de que precisamente num juízo desse tipo as expectativas subjectivas do indivíduo desempenham um papel difícil de avaliar, mostrando ser dependentes de factores puramente pessoais de sua própria experiência, do maior ou menor optimismo da sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada pelo seu temperamento ou pelo seu sucesso ou fracasso. Finalmente, faz-se sentir o facto curioso de que,
A Evolução da Criatividade
A experiência humana é apenas ponto de partida, núcleo sólido e permanente onde assenta a experiência posterior da criação. Considero a criação o encaminhamento, até às consequências extremas, de uma experiência em si mesma não organizada. A descoberta do mundo não possui, por ela própria, finalidade ou coerência, nem constitui a salvação desse mundo. Desde que seja possível criar um corpo orgânico em que a experiência, devidamente articulada, se baste, surge uma harmonia entre o sujeito e a sua experiência, quero dizer, o sujeito participa do cosmos. Este esforço da superação do caos exprime-se pela busca de uma linguagem. È aliás na linguagem que a experiência se vai tornando real. Se nela não há, em sentido rigoroso, experiência do mundo. A esta conclusão vem chegando uma moderna filosofia da arte. A formação da linguagem é um paciente, extenso, doloroso e, muitas vezes, desesperante caminho. O erro aparece como uma constante, mas existe a possibilidade de ser sempre menor. Entre um grau máximo e um grau mínimo de erro, situa-se a evolução. Progresso de linguagem, de adequação às finalidades, superação da experiência, purificação do tema – eis onde se pode situar o sentido da evolução.
Desigualdade Natural e Desigualdade Institucional
É fácil de ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são unicamente a obra do hábito e dos diversos géneros de vida adoptados pelos homens na sociedade. Assim, num temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem, vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece a diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura; com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa uma nova vantagem para o gigante. Ora, se se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exactamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição.
De que é que Depende a Felicidade?
Ser feliz. De vez em quando, discretamente, pudicamente, ergue-se em ti ainda esta velha aspiração. Mas já não são horas de o seres, seriam só de o teres sido. De que é que depende a felicidade? O que falhou avulta quando enfrentamos a pergunta. Mas só se não tivéssemos falhado saberíamos se foi isso que falhou. Sei o que falhou mas não sei se o que falhou foi isso. A felicidade ou infelicidade têm a sua escala de grandeza. Tenho os meus motivos grandes mas os pequenos absorvem-nos. Problemas do destino, da verdade, do absoluto que desse a pacificação interior. Mas eles apagam-se ou esquecem com uma simples dor de dentes. Assim eles me avultam apenas quando essa dor se apazigua. Que dores menores me pontuaram a vida toda? Do balanço geral há o que somos para os outros e o que somos para nós. Ser feliz. Possivelmente o problema está num dente cariado. Sei o que falhou.
Não sei o que falharia ainda, se o mais não tivesse falhado. Que falsificação de nós inventamos para os outros que no-la inventaram? Ter grandeza no que se sofre para ao menos nos admirarem o sofrimento. O que sofri entremeado ao público sofrimento não tem grandeza nenhuma.
O Efeito do Ciúme
Quanto mais se fala do próprio ciúme, mais os lugares que desagradaram aparecem de todos os lados; as menores circunstâncias os mudam, e fazem sempre descobrir algo de novo. Essas novidades fazem rever sob outros aspectos o que se acreditava ter visto e pesado o suficiente; tenta-se apegar a uma opinião e não se apega a nada; tudo o que é mais oposto e está mais apagado apresenta-se a um só tempo; quer-se odiar e quer-se amar, mas ama-se ainda quando se odeia, e odeia-se ainda quando se ama; acredita-se em tudo, e duvida-se de tudo; tem-se vergonha e despeito por ter acreditado e duvidado; trabalha-se incessantemente para deter a própria opinião, e nunca ela é conduzida para um lugar fixo. (…) Não se é feliz o bastante para ousar crer no que se deseja, nem mesmo feliz o bastante também para ter a certeza do que se teme mais. Fica-se sujeito a uma incerteza eterna, que nos apresenta sucessivamente bens e males que nos escapam sempre.
O Verdadeiro e o Falso Ciúme
O ciúme é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito dignas de consideração.
E como devemos empenhar-nos mais em conservar os bens que são muito grandes do que os que são menores, em algumas ocasiões essa paixão pode ser justa e honesta. Assim, por exemplo, um chefe de exército que defende uma praça de grande importãncia tem o direito de ser zeloso dela, isto é, de suspeitar de todos os meios pelos quais ela poderia ser assaltada de surpresa; e uma mulher honesta não é censurada por ser zelosa de sua honra, isto é, por não apenas abster-se de agir mal como também evitar até os menores motivos de maledicência.
Mas zombamos de um avarento quando ele é ciumento do seu tesouro, isto é, quando o devora com os olhos e nunca quer afastar-se dele, com medo que ele lhe seja furtado; pois o dinheiro não vale o trabalho de ser guardado com tanto cuidado.
Escrever é Triste
Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira.
Besta Célere
Há quem lhe chame, por brincadeira, besta célere para caracterizar a qualidade mediana (tomada por média) desse produto cultural (agora é tudo cultural!) e, ao mesmo tempo, a rapidez com que ele se esgota em sucessivas edições. O best-seller é um produto perfeita (ou eficazmente) projectado em termos de «marketing» editorial e livreiro. É para se vender – muito e depressa – que o best-seller é construído com os olhos postos num leitor-tipo que vai encontrar nele aquilo que exactamente esperava. Nem mais, nem menos. Os exemplos, abundantíssimos, nem vale a pena enumerá-los. Convém não confundir, pelo menos em todos os casos, best-seller com «topes» de venda. Embora seja cabeça de lista, o best-seller tem, em relação aos livros «normais», uma característica que logo o diferencia: foi feito propositadamente para ser um campeão de vendas. A sua razão de ser é essa e só essa. E aqui poderia dizer-se, recuperando o lugar-comum para um sentido sério, que «o resto é literatura».
Estou a pensar em bestas céleres como Love Story ou O Aeroporto. Não estou a pensar em «topes» de venda como O Nome da Rosa ou Memórias de Adriano. estes últimos são boa, excelente literatura que, por razões pontuais e,
Somos Pó
Esta nossa chamada vida, não é mais do que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo: De utero translatus ad tumulum: Mas ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo; como é círculo de pó a pó sempre e em qualquer parte da vida somos pó. Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele, tanto mais se chega para ele: e quem, quanto mais se aparta, mais se chega, não se aparta. O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.
A Importância da Mulher no Progresso da Civilização
Se na história não procurarmos só uma data ou um facto descarnado, mas tentarmos nela descobrir alguma coisa mais, um princípio harmónico e as leis que governam esses factos, ainda nas suas menores evoluções, veremos que a história da civilização da mulher, do seu desenvolvimento e da sua moralidade, anda sempre ligada aos factos do desenvolvimento da civilização e da moralidade dos povos: veremos que aonde a sua condição se amesquinha, onde desce em dignidade, onde a mulher em vez do triplo e sagrado carácter de amante, esposa e mãe passa a ser escrava sem liberdade nem vontade, só destinada a saciar as paixões brutais dum senhor devasso, aí também veremos descer o nível da civilização e moralidade: à doçura dos costumes suceder a fereza e a brutalidade; e em vez do amor, essa flor do sentimento pura e recatada, só apareceram a paixão instintiva e brutal, necessidade puramente física do animal que obedece à lei da reprodução, à devassidão e à poligamia!
Génio, Talento e Celebridade
Pode-se supor que a presença no mesmo homem de mais de um elemento intelectual facilitaria a sua imediata celebridade. Até certo limite é assim, mas o é até um limite menor do que se poderia conjecturar na ociosidade da hipótese. Um homem dotado ao mesmo tempo de grande génio e de grande inteligência (como Shakespeare), ou de grande génio e grande talento (como Milton), não acumula na sua época ou na seguinte os resultados do génio e os resultados de outra qualidade. É que estes diferentes elementos intelectuais estão misturados por coexistirem no homem, e derrama-se na substância da inteligência ou do talento o sagrado veneno do génio; a bebida é amarga, embora retenha algo do seu gosto comum. Os antigos misturavam mel com vinho e achavam isso gostoso; mas o néctar não pode fazer qualquer vinho gostoso ao paladar da gente comum.
Um homem que pudesse ter em si próprio, em certo grau, génio, talento e inteligência, estaria preparado para produzir impacto no seu tempo pela sua inteligência, na sua época pelo seu talento e na generalidade dos futuros tempos e épocas pelo seu génio. Mas como o seu génio afectaria o seu talento e o seu talento e o seu génio a sua inteligência –