O Significado do Amor
Eu pensava que conhecia o significado do amor. O amor Ă© o sangue do sol dentro do sol. A inocĂȘncia repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o cĂ©u compreenda. Levantam-se tempestades frĂĄgeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor Ă© a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda.
O amor Ă© o sentido de todas as palavras impossĂveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor Ă© a paz fresca e a combustĂŁo de um incĂȘndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhĂŁ, o cĂ©u a deslizar como um rio. A tarde, o sol como uma certeza. O amor Ă© feito de claridade e da seiva das rochas. O amor Ă© feito de mar, de ondas na distĂąncia do oceano e de areia eterna. O amor Ă© feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etĂ©reos, a salvação Ă© uma brisa que cai sobre o rosto suavemente.
Eu acreditava mesmo que o amor Ă© o sangue do sol dentro do sol.
Textos sobre Mil de JosĂ© LuĂs Peixoto
3 resultadosTive um Cavalo de CartĂŁo
Mulher. A tua pele branca foi um verão que quis viver e me foi negado. Um caminho que não me enganou. Enganou-me a luz e os olhos foscos das manhãs revividas. Enganou-me um sonho de poder ser o filho que fui, a correr pelos campos todo o dia, a medir as searas pelo tamanho dos braços abertos; enganou-me um sonho de poder ser o filho que fui no teu homem e no teu rosto, no teu filho, nosso. Não hå manhãs para reviver, sei-o hoje. Não se podem construir dias novos sobre manhãs que se recordam. Inventei-te talvez, partindo de uma estrela como todas estas. Quis ter uma estrela e dar-lhe as manhãs de julho. As grandes manhãs de julho diante de casa e a minha mãe a acabar o almoço bom e o meu pai a chegar e a ralhar, sem ser a sério, por o almoço não estar pronto e eu sentado na terra, talvez a fazer um barroco, talvez a brincar com o cavalo de cartão. Tive um cavalo de cartão. Nunca te contei, pouco te contei, mas tive um cavalo de cartão. Brincava com ele e era bonito. Gostava muito dele. Tanto. Tanto. Tanto. Quando o meu pai mo trouxe,
NĂŁo Podemos Ter a Certeza de Nada
Somos todos iguais na fragilidade com que percebemos que temos um corpo e ilusĂ”es. As ambiçÔes que demorĂĄmos anos a acreditar que alcançåvamos, a pouco e pouco, a pouco e pouco, nĂŁo sĂŁo nada quando vistas de uma perspectiva apenas ligeiramente diferente. Daqui, de onde estou, tudo me parece muito diferente da maneira como esse tudo Ă© visto daĂ, de onde estĂĄs. Depois, hĂĄ os olhos que estĂŁo ainda mais longe dos teus e dos meus. Para esses olhos, esse tudo Ă© nada. Ou esse tudo Ă© ainda mais tudo. Ou esse tudo Ă© mil coisas vezes mil coisas que nos sĂŁo impossĂveis de compreender, apreender, porque sĂł temos uma Ășnica vida.
â PorquĂȘ, pai?
â NĂŁo sei. Mas creio que Ă© assim. SĂł temos uma Ășnica vida. E foi-nos dado um corpo sem respostas. E, para nos defendermos dessa indefinição, transformĂĄmos as certezas que construĂmos na nossa prĂłpria biologia. Fomos e somos capazes de acreditar que a nossa existĂȘncia dependia delas e que nĂŁo serĂamos capazes de continuar sem elas. Aquilo em que queremos acreditar corre no nosso sangue, Ă© o nosso sangue. Mas, em consciĂȘncia absoluta, nĂŁo podemos ter a certeza de nada. Nem de nada de nada,