Ninguém se pode Encarar a si Próprio até ao Fundo
Ninguém pode com isto, ninguém pode encarar-se a si próprio e ver-se até ao fundo. A tua meticulosidade é de ferro, a tua meticulosidade está de tal maneira entranhada no teu ser que sem ela não existes. Pois até a tua meticulosidade se há-de dissolver! E tu sem o hábito não existes, nem tu sem o dever, nem tu sem a consciência. Sem estas palavras a vida não existe para ti, e sem escrúpulos que te resta? O que aí está é temeroso, seres estranhos, seres que, se dão mais um passo, nem eu nem tu podemos encarar com eles. Andam aqui interesses – e outra coisa. Com mil palavras diversas e ignóbeis, mil bocas que te empurram para a infâmia – outra coisa. Tens de confessá-lo. Não é a consciência – não é o remorso – não é o medo. É uma coisa inexplicável e imensa, profunda e imensa, que assiste a este espectáculo sem dizer palavra – e espera… És imundo, és a vida.
Textos sobre Mil de Raul Brandão
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