O Lucro de Um é Prejuízo de Outro
O ateniense Dêmades condenou um homem da sua cidade que tinha por ofício vender as coisas necessárias para os enterros, sob a alegação de que exigia um lucro excessivo e esse lucro não lhe podia vir sem a morte de muitas pessoas. Tal julgamento parece estar mal pronunciado, na medida em que não se obtém benefício algum a não ser com prejuízo de outrem, e que dessa maneira seria preciso condenar toda a espécie de ganho.
O mercador só faz bem os seus negócios por causa da devassidão dos jovens; o lavrador, pela carestia dos cereais; o arquitecto, pela ruína das casas; os oficiais de justiça, pelos processos e contendas dos homens; mesmo as honras e a actividade dos ministros da religião provêm da nossa morte e dos nossos vícios. Nenhum médico se alegra com a saúde mesmo dos seus amigos, diz o antigo cómico grego, nem o soldado com a paz da sua cidade; e assim sucessivamente. E o que é pior: cada um sonde dentro de si mesmo, e descobrirá que a maioria dos nossos desejos íntimos nascem e alimentam-se às expensas de outrem.
Considerando isso, veio-me à mente que nisso a natureza não contradiz a sua organização geral,
Textos sobre Mudos de Michel de Montaigne
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A Força de Toda a Decisão Reside no Tempo
A força de toda a decisão reside no tempo; as situações e as matérias rolam e mudam sem cessar. Na minha vida incorri em alguns erros graves e importantes, não por falta de tino mas por falta de sorte. Há nos objectos que manejamos partes secretas e imprevisíveis, principalmente na natureza dos homens; características mudas, não aparentes, às vezes desconhecidas do próprio possuidor, que se manifestam e despertam em circunstâncias imprevistas. Se a minha prudência não as pôde penetrar e profetizar, não a recrimino por isso; a sua tarefa atém-se aos seus limites; o desfecho derrota-me; e se ele favorecer o partido que rejeitei, não há remédio; não me culpo a mim; acuso a minha fortuna, não a minha obra; isso não se chama arrependimento.