A Verdadeira Religião é Individual e não Social
É possível que a religião da solidão seja de certa maneira superior à religião social e formalizada. O que é certo é que ela apareceu mais tarde no decurso da evolução. Além disso, os fundadores das religiões e seitas históricamente mais importantes têm sido todos, com excepção de Confúcio, solitários. Talvez seja verdade dizer-se que, quanto mais poderosa e original for uma mente, mais ela se inclinará para a religião da solidão, e menos ela será atraída no sentido da religião social ou impressionada pelas suas práticas. Pela sua própria superioridade a religião da solidão está condenada a ser a religião das minorias. Para a grande maioria dos homens e das mulheres a religião ainda significa, o que sempre significou, religião social formalizada, um assunto de rituais, observâncias mecânicas, emoção das massas. Perguntem a qualquer dessas pessoas o que é a verdadeira essência da religião, e eles responderão que ela consiste na devida observância de certas formalidades, na repetição de certas frases, na reunião em certos tempos e em certos lugares, da realização por meios apropriados de emoções comunais.
Textos sobre Mulheres de Aldous Huxley
4 resultadosEm Todas as Sociedades Existe um Impulso Para a Conformidade
A imposição de padrões pelas sociedades aos seus extremamente diversificados indivíduos tem variado muito em diferentes períodos históricos e diferentes níveis de cultura. Nas culturas mais primitivas, onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, a pressão para o conformismo era naturalmente muito intensa. Quem ler literatura de antropologia ficará espantado com a natureza fantástica de algumas das tradições às quais os homens tiveram de se adaptar. A vantagem de uma sociedade grande e complexa como a nossa é permitir à variedade de seres humanos expressar-se de muitas maneiras; não precisa de haver uma adaptação intensa, como a que encontramos em pequenas sociedades primitivas. Mesmo assim, em toda a sociedade há sempre um impulso para a conformidade, imposto de fora pela lei e pela tradição, e que os indivíduos impõem sobre si mesmos, tentando imitar o que a sociedade considera o tipo ideal.
A esse respeito, recomendo um livro muito importante do filósofo francês Jules de Gaultier, publicado há cerca de cinquenta anos, chamado “Bovarismo”. O nome vem da heroína do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, no qual essa jovem mulher infeliz sempre tentava ser o que não era. Gaultier generaliza isso e diz que todos temos tendência a tentar ser o que não somos,
Queremos Homens Completos ou Meros Cidadãos?
A educação actual e as actuais conveniências sociais premeiam o cidadão e imolam o homem. Nas condições modernas, os seres humanos vêm a ser identificados com as suas capacidades socialmente valiosas. A existência do resto da personalidade ou é ignorada ou, se admitida, é admitida somente para ser deplorada, reprimida ou, se a repressão falhar, sub-repticiamente rebuscada. Sobre todas as tendências humanas que não conduzem à boa cidadania, a moralidade e a tradição social pronunciam uma sentença de banimento. Três quartas partes do Homem são proscritas. O proscrito vive revoltado e comete vinganças estranhas. Quando os homens são criados para serem cidadãos e nada mais, tornam-se, primeiro, em homens imperfeitos e depois em homens indesejáveis.
A insistência nas qualidades socialmente valiosas da personalidade, com exclusão de todas as outras, derrota finalmente os seus próprios fins. O actual desassossego, descontentamento e incerteza de propósitos testemunham a veracidade disto. Tentámos fazer homens bons cidadãos de estados industriais altamente organizados: só conseguimos produzir uma colheita de especialistas, cujo descontentamento em não serem autorizados a ser homens completos faz deles cidadãos extremamente maus. Há toda a razão para supor que o mundo se tornará ainda mais completamente tecnicizado, ainda mais complicadamente arregimentado do que é presentemente;
A Arma Diabólica do Ritual
A ânsia pelo ritual e pelas cerimónias é forte e generalizada. Quanto é forte e está largamente espalhada vê-se pelo ardor com que homens e mulheres que não têm nenhuma religião ou têm uma religião puritana sem ritual se agarram a qualquer oportunidade para participarem em cerimónias, sejam elas de que espécie forem. A Ku Klu Klan nunca teria conseguido o seu êxito do pós-guerra se se aferrasse aos trajes civis e às reuniões de comissões. Os Srs. Simmons e Clark, os ressuscitadores daquela notável organização, compreendiam o seu público. Insistiram em estranhas cerimónias nocturnas nas quais os trajes de fantasia não eram facultativos mas sim obrigatórios. O número de sócios subiu aos saltos e baldões. O Klan tinha um objectivo: o seu ritual simbolizava alguma coisa. Mas para uma multidão ritofaminta a significação é aparentemente supérflua. A popularidade dos cânticos em comunidade mostram que o rito, como tal, é o que o público quer. Desde que seja impressivo e provoque uma emoção, o rito é bom em si próprio. Não interessa nada o que ele possa significar. À cerimónia dos cânticos em comunidade falta todo o significado filosófico, não tem nenhuma ligação com qualquer sistema de ideias. É simplesmente ela própria e mais nada.