Textos sobre Mundo

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Textos de mundo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Âmago da Virtude

Haverá filósofos que pretendem induzir-nos a dar grande valor à prudência, a praticarmos a virtude da coragem, a nos aplicarmos à justiça — se for possível — com maior empenho ainda do que às restantes virtudes. Pois bem: de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é a virtude, se ela é una ou múltipla, se as virtudes são individualizadas ou interdependentes, se quem possui uma virtude possui também as restantes ou não, qual a diferença que existe entre elas. Um operário não precisa de investigar qual a origem ou a utilidade do seu trabalho, tal como o bailarino o não tem que fazer quanto à arte da dança: os conhecimentos relativos a todas estas artes estão circunscritos a elas mesmas, porquanto elas não têm incidência sobre a totalidade da vida. A virtude, porém, implica tanto o conhecimento dela própria como o de tudo o mais; para aprendermos a virtude temos de começar por aprender o que ela é. Uma acção não pode ser correcta se não for correcta a vontade, pois é desta que provém a acção. Também a vontade nunca será correcta se não for correcto o carácter, porquanto é deste que provém a vontade. Finalmente,

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Deveres Virtuosos

Os nossos hábitos tornam-se virtudes graças a uma transposição livre no domínio do dever, pelo facto de trazermos a inviolabilidade nos conceitos; os nossos hábitos tornam-se virtudes pelo facto de acharmos menos importante o bem particular que a sua inviolabilidade – por consequência pelo sacrifício do indivíduo ou pelo menos pela possibilidade entrevista de um tal sacrifício. – Quando o indivíduo se considera pouco importante começa o domínio das virtudes e das artes – o nosso mundo metafísico. O dever seria particularmente puro se na essência das coisas nada correspondesse ao facto moral.

Em Louvor das Crianças

Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso.
A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue.
O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que,

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Faz Acontecer

Mais vale uma única ação rumo ao que desejas do que dez palavras ditas, cem frases escritas ou mil pensamentos iguais.

As coisas não acontecem pelo número de vezes que as dizes, escreves ou pensas nelas; as coisas acontecem por aquilo que tu fazes para elas acontecerem.

Nada acontece porque, e por exemplo, afirmas que amanhã é que vais começar a perder peso ou porque desabafas sistematicamente para o papel todas as tuas tristezas ou porque não paras de pensar naquilo que te faria bem. Nada. Rigorosamente nada. O que dizes é zero se não deres forma às tuas palavras. O que escreves é nulo se não existir compromisso para além das palavras. E o que pensas não vale nada se não deres vida aos pensamentos.

As palavras faladas ou escritas têm uma força poderosíssima, é indesmentível, assim como tudo aquilo que pensamos. No entanto, sem ação, sem criação em movimento, de nada valem. O sumo de todas as conversas que tens, de todos os livros que lês ou de todos os diários que escreves e todas as ideias que te pincelam a cabeça, resume-se a nada se daí não se originar mudança.

E não há mudança sem saíres do conforto.

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A Monotonia

Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público. Depois as epopeias duram pouco; todas as forças se podem concentrar, faz-se um apelo supremo à suprema energia; em seguida permite-se o descanso, a mediocridade que apazigua e repousa; nada mais vulgar do que um herói fora do seu teatro.
Não é, pois, necessário que te prepares para as crises; são horas em que sempre – se não és totalmente apagado – te encontrarás acima de ti próprio; mil elementos te farão pedestal; tão alto subirás que só te será difícil, passada a exaltação, não te admirares do que fizeste; vês-te incapaz de repetir o golpe; e para a fama do herói certamente contribui este espanto que o toma de se não ter sempre igual, de em determinada conjuntura ter passado sobre ele o apelo dos deuses.
É para todos os dias que precisas de educar e afinar a alma; é para te sentires o mesmo em todos os minutos que deves dominar os impulsos e ser obstinadamente calmo ante as dificuldades e os perigos,

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O Lema «Conhece-te a ti mesmo» não Leva a Nada de Proveitoso

Conhece-te a ti mesmo! — De que me há de servir? Se a mim me conhecesse, desatava a fugir. […] Com isto confesso que a grande tarefa — Conhece-te a ti mesmo! —, que soa tão importante, sempre me pareceu suspeita, como um ardil de padres secretamente coligados que quisessem perturbar o homem por meio de exigências inatingíveis e desviá-lo da actividade no mundo externo para uma falsa contemplação interior. [… ] Cada novo objecto, bem observado, abre em nós um novo órgão. Do máximo proveito nesse sentido são, porém, os nossos semelhantes, que têm a vantagem de nos compararem com o mundo a partir de seu próprio ponto de vista, e por isso atingem um melhor conhecimento de nós que nós mesmos podemos alcançar.

A Ambição Superada

Certo dia uma rica senhora viu, num antiquário, uma cadeira que era uma beleza. Negra, feita de mogno e cedro, custava uma fortuna. Era, porém, tão bela, que a mulher não titubeou – entrou, pagou, levou para casa.
A cadeira era tão bonita que os outros móveis, antes tão lindos, começaram a parecer insuportáveis à simpática senhora. (Era simpática).
Ela então resolveu vender todos os móveis e comprar outros que pudessem se equiparar à maravilhosa cadeira. E vendeu-os e comprou outros.
Mas, então a casa que antes parecia tão bonita, ficou tão bem mobilada que se estabeleceu uma desarmonia flagrante entre casa e móveis. E a senhora começou a achar a casa horrível.
E vendeu a casa e comprou uma outra maravilhosa.
Mas dentro daquela casa magnífica, mobilada de maneira esplendorosa, a mulher começou, pouco a pouco, a achar seu marido mesquinho. E trocou de marido.
Mas mesmo assim não conseguia ser feliz. Pois naquela casa magnífica, com aqueles móveis admiráveis e aquele marido fabuloso, todo mundo começou a achá-la extremamente vulgar.

Escrever com Intuição e Instinto

Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade. Além do que leio pouco: só li muito, e li avidamente o que me caísse nas mãos, entre os treze e os quinze anos de idade. Depois passei a ler esporadicamente, sem ter a orientação de ninguém. Isto sem confessar que – dessa vez digo-o com alguma vergonha – durante anos eu só lia romance policial. Hoje em dia, apesar de ter muitas vezes preguiça de escrever, chego de vez em quando a ter mais preguiça de ler do que de escrever.
Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros uma profissão, nem uma carreira. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis.

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Regressar à Inocência

Seja como as crianças, mantenha os olhos abertos, sem preconceitos escondidos atrás da vista. Se olhar com clareza, pequenas flores, ou pedaços de relva, ou borboletas, ou um pôr do Sol proporcionar-lhe-ão tanta felicidade quanto a que Gautama Buda encontrou na sua iluminação. Isto não depende das coisas, mas sim da sua abertura. O conhecimento fecha-o; transforma-se numa cerca, numa prisão. Mas a inocência abre todas as portas e todas as janelas.
O sol entra e uma brisa fresca flui.
De repente, o perfume das flores faz-lhe uma visita.
E de vez em quando um pássaro virá cantar uma canção e entrar por outra janela.
A inocência é a única religiosidade que existe.
A religiosidade não depende das escrituras sagradas nem do que se sabe sobre o mundo. Só depende de se estar preparado para ser como um espelho límpido, que nada reflecte.
Um total silêncio, inocência, pureza… e toda a existência é transformada para si. Cada momento passa a ser de êxtase. As pequenas coisas, como beber uma chávena de chá, tornam-se orações tão poderosas que nenhuma outra oração se lhes pode comparar. Basta observar uma nuvem a mover-se livremente no céu, e da inocência surge uma sincronicidade.

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As multiplicidades e divergências nasceram com a criação do mundo e nenhuma criatura tem possibilidade de ser perfeita.

O Que Liga os Homens na Vida

O que mais estreitamente liga os homens na vida não são forças puras e generosas. Se assim fosse, não se teria queimado nem ofendido tanta gente superior que andou no mundo. O óptimo moral e intelectual da humanidade é um compromisso entre o bom e o mau, entre o limpo e o sujo, entre a Quaresma e o Carnaval. Por isso, quem traz uma chama limpa a alumiá-lo, e teima em segui-la, não pode ser entendido nem tolerado por aqueles que ou não precisam de luz, como as toupeiras, ou se remedeiam com um simples morrão de candeia.
É certo que os calendários civis e religiosos apenas perpetuam heróis e santos. Mas, olhando bem, vê-se que é sempre a mesma história. Queima-se ou crucifica-se primeiro o herói ou o santo, joga-se aos dados a sua túnica, e, quando dele não resta nem a sombra das cinzas, aparece um centurião qualquer a dizer: «Verdadeiramente este homem era filho de Deus».

Aborrecido de Estudar

Enfastiavam-me as aulas, salvo as de literatura — que aprendia de cor — e tinha nelas um protagonismo único. Aborrecido de estudar, deixava tudo à mercê da boa sorte. Tinha um instinto próprio para pressentir os pontos álgidos de cada matéria e quase adivinhar os que mais interessavam aos professores para não estudar o resto. A realidade é que não entendia por que devia sacrificar engenho e tempo em matérias que não me interessavam e, pela mesma razão, não me iam servir para nada numa vida que não era minha.

Atrevi-me a pensar que a maioria dos meus professores me classificava mais pela minha maneira de ser do que pelos meus exames. Salvavam-me as minhas respostas imprevistas, as minhãs ideias dementes, as minhas invenções irracionais. No entanto, quando acabei o quinto ano, com sobressaltos académicos que não me sentia capaz de superar, tomei consciência dos meus limites. O bacharelato tinha sido até então um caminho empedrado de milagres, mas avisava-me o coração que no final do quinto me esperava uma muralha intransponível. A verdade sem adornos era que me faltava já a vontade, a vocação, a ordem, o dinheiro e a ortografia para embarcar numa carreira académica. Melhor dizendo: os anos voavam e não fazia a mínima ideia do que ia fazer da minha vida,

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Muitos Meios e Saber de pouco Servem

Vivemos num tempo que se sente fabulosamente capaz de realizar, porém não sabe o que realizar. Domina todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido na sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnica do que nunca, afinal de contas o mundo actual vai como o mais infeliz que tenha havido: puramente à deriva.

Ouvir a Voz Interior

Não preste atenção ao que os outros dizem, ao que eles lhe dizem para ser. Escute sempre a sua voz interior, aquilo que gostaria de ser; de outro modo desperdiçará toda a sua vida. A sua mãe quer que seja engenheiro, o seu pai quer que seja médico e você quer ser poeta. Que fazer? É evidente que a mãe tem razão, porque ser engenheiro é mais interessante do ponto de vista económico e financeiro. O pai também tem razão; ser médico é uma boa mercadoria, tem um valor de mercado. Um poeta? Enlouqueceste? És doido? Os poetas são uma raça maldita. Ninguém os quer. Não há necessidade nenhuma deles; o mundo pode existir sem poesia — não haverá qualquer problema lá por não haver poesia. O mundo não pode existir sem engenheiros; o mundo precisa de engenheiros. Quando se é necessário, tem-se um valor. Quando não se é necessário, não se tem qualquer valor.

Mas se você quiser ser poeta, seja poeta. Poderá ser um pedinte – óptimo. Poderá não vir a ser muito rico, mas não se preocupe – porque de outro modo poderá vir a ser um grande engenheiro e poderá ganhar muito dinheiro, mas nunca se sentirá realizado.

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Elementos de Vitória

Estão cheias as livrarias de todo o mundo de livros que ensinam a vencer. Muitos deles contêm indicações interessantes, por vezes aproveitáveis. Quase todos se reportam particularmente ao êxito material, o que é explicável, pois é esse o que supremamente interessa a grande maioria dos homens.
A ciência de vencer é, contudo, facílima de expor; em aplicá-la, ou não, é que está o segredo do êxito ou a explicação da falta dele. Para vencer – material ou imaterialmente – três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.
Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até o fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.
Aproveitar oportunidades quer dizer não só não as perder, mas também achá-las. Criar relações tem dois sentidos – um para a vida material, outro para a vida mental. Na vida material a expressão tem o seu sentido directo. Na vida mental significa criar cultura.

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Vim para os Teus Braços Chicoteada pela Vida

Então tu pensas que há muitos casais como nós por esse mundo? Os nossos mimos, a nossa intimidade, as nossas carícias são só nossas; no nosso amor não há cansaços, não há fastios, meu pequenito adorado! Como o meu desequilibrado e inconstante coração d’artista se prendeu a ti! Como um raminho de hera que criou raízes e que se agarra cada vez mais. Vim para os teus braços chicoteada pela vida e quando às vezes deito a cabeça no teu peito, passa nos meus olhos, como uma visão de horror, a minha solidão tamanha no meio de tanta gente! A minha imensa solidão de dantes que me pôs frio na alma. Eu era um pequenino inverno que tremia sempre; era como essa roseira que temos na varanda do Castelo que está quase sempre cheia de botões mas que nunca dá rosas! Na vida, agora há só tu e eu, mais ninguém. De mim não sei que mais te dizer: como bem mas durmo mal; falta-me todas as manhãs o primeiro olhar duns lindos olhos claros que são todo o meu bem.

Moralidade e Felicidade

A felicidade é o estado em que se encontra no mundo um ser racional para quem, em toda a sua existência, tudo decorre conforme o seu desejo e a sua vontade; pressupõe, por consequência, o acordo da natureza com todo o conjunto dos fins deste ser, e simultaneamente com o fundamento essencial de determinação da sua vontade. Ora a lei moral, como lei da liberdade, obriga por meio de fundamentos de determinação, que devem ser inteiramente independentes da natureza e do acordo dela com a nossa faculdade de desejar (como motor). Porém, o ser agente racional que actua no mundo não é simultaneamente causa do mundo e da própria natureza. Assim, pois, na lei moral não há o menor fundamento para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade, com ela proporcionada, num ser que, fazendo parte do mundo, dele depende; este ser, precisamente por isso, não pode ser voluntariamente a causa desta natureza nem, no que à felicidade respeita, fazer com que, pelas suas próprias forças, coincida perfeitamente com os seus próprios princípios práticos.
E, todavia, no problema prático que a razão pura nos prescreve, isto é, na prossecução do soberano bem, tal acordo é postulado como necessário: devemos procurar realizar o soberano bem,

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A Maravilha da Vida é Tudo Nela Ter Justificação

Desabafo dum amigo, que não encontra justificação para o seu pecado mortal, que é viver. Viver ao sol, gratuitamente, como um lagarto. Respondi-lhe que a maravilha da vida é tudo nela ter justificação. É, da mais rasteira erva ao mais nojento bicho, não haver presença no mundo que não seja necessária e insubstituível. Que, do contrário, era faltar na terra esta admirável plurivalência, que faz de uma tarde de sol, de trigo e de cigarras o mais assombroso espectáculo que se pode ver. O medir depois a distância que vai da formiga ao leão, da urtiga ao castanheiro, de Nero a S. Francisco de Assis, é uma casuística que não tem nada que ver com a torrente de seiva que inunda o mundo de pólo a pólo.
Foi-se, e à tarde apareceu-me com um belo poema.

Gosto das Belas Coisas Claras e Simples

Para quê alcançar os astros?! Para quê?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz! Vê-los, vê-os toda a gente. De que serve então ser poeta se se é igual à outra gente toda, ao rebanho?… Eu não peço à Vida nada que ela me não tivesse prometido, e detesto-a e desdenho-a porque não soube cumprir nem uma das suas promessas em que, ingenuamente, acreditei, porque me mentiu, porque me traiu sempre. Mas não choro, não, como os portugueses chorões, não tenho nada de Jere­mias, pareço-me antes com Job, revoltado, gritando impreca­ções no seu monte de estrume. Não gosto de lágrimas, de fados nem de guitarras, gosto das belas coisas claras e sim­ples, das grandes ternuras perfeitas, das doces compreensões silenciosas, gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de Beleza e de Verdade, de tudo menos do bípede humano, em geral, é claro, porque há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me reflectir, almas de sinceri­dade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.

Os Melhores Momentos do Amor

Nos transportes do amor, na conversa com a amada, nos favores que recebes dela, até nos mais extremos, vais mais em busca da felicidade do que à tentação de provar isso de que o teu coração agitado sente uma grande falta, um não-sei-quê de menos do que ele esperava, um desejo de algo, mesmo de muito mais. Os melhores momentos do amor são aqueles de uma tranquila e doce melancolia em que choras e não sabes porquê, e te resignas quase na quietude a um infortúnio que desconheces. Nessa quietude, a tua alma está quase cumulada, e quase sente o gosto da felicidade. Assim como no amor, que é o estado da alma mais rico de prazeres e ilusões, a melhor parte, a via mais correcta para o prazer e para uma sombra de felicidade é a dor.
(…) Quando um homem concebe o amor, o mundo inteiro se dissipa aos seus olhos, ele não vê nada além do ser amado, está no meio da multidão, das conversas, em plena solidão, abstraído, fazendo os gestos que lhe inspira esse pensamento sempre imóvel e muito poderoso, sem se preocupar com a surpresa nem com o desprezo alheios, ele se esquece de tudo e tudo lhe parece tedioso sem esse único pensamento,

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