Não há Felicidade Solitária
É a fraqueza do homem que o torna sociável; são as nossas misérias comuns que levam os nossos corações a interessar-se pela humanidade: não lhe deveríamos nada, se não fôssemos homens. Todos os afectos são indícios de insuficiência: se cada um de nós não tivesse necessidade dos outros, nunca pensaria em unir-se a eles. Assim, da nossa própria enfermidade, nasce a nossa frágil felicidade. Um ser verdadeiramente feliz é um ser solitário; só Deus goza de uma felicidade absoluta; mas qual de nós faz uma ideia do que isso seja? Se algum ser imperfeito se pudesse bastar a si mesmo, de que desfrutaria ele, na nossa opinião? Estaria só, seria miserável. Não posso acreditar que aquele que não precisa de nada possa amar alguma coisa: não acredito que aquele que não ama nada se possa sentir feliz.
Textos sobre Necessidades de Jean-Jacques Rousseau
5 resultadosAs Infelizes Necessidades do Homem Civilizado
Um autor célebre, calculando os bens e os males da vida humana, e comparando as duas somas, achou que a última ultrapassa muito a primeira, e que tomando o conjunto, a vida era para o homem um péssimo presente. Não fiquei surpreendido com a conclusão; ele tirou todos os seus raciocínios da constituição do homem civilizado. Se subisse até ao homem natural, pode-se julgar que encontraria resultados muito diferentes; porque perceberia que o homem só tem os males que se criou para si mesmo, o que à natureza se faria justiça. Não foi fácil chegarmos a ser tão desgraçados. Quando, de um lado, consideramos o imenso trabalho dos homens, tantas ciências profundas, tantas artes inventadas, tantas forças empregadas, abismos entulhados, montanhas arrasadas, rochedos quebrados, rios tornados navegáveis, terras arroteadas, lagos cavados, pantanais dissecados, construções enormes elevadas sobre a terra, o mar coberto de navios e marinheiros, e quando, olhando do outro lado, procuramos, meditando um pouco as verdadeiras vantagens que resultaram de tudo isso para a felicidade da espécie humana, só nos podemos impressionar com a espantosa desproporção que reina entre essas coisas, e deplorar a cegueira do homem, que, para nutrir o seu orgulho louco, não sei que vã admiração de si mesmo,
Entendimento Apaixonado
Mau grado o que dizem os moralistas, o entendimento humano deve muito às paixões, que, de comum acordo, também lhe devem muito: é pela sua actividade que a nossa razão se aperfeiçoa; só procuramos conhecer porque desejamos gozar; e não é possível conceber porque aquele que não tivesse desejos nem temores se desse ao trabalho de raciocinar. As paixões, por sua vez, originam-se a partir das nossas necessidades, e o seu progresso dos nossos conhecimentos; porque só podemos desejar ou temer coisas segundo as ideias que temos delas, ou pelo simples impulso da natureza; e o homem selvagem, privado de toda a sorte de luzes, só experimenta as paixões dessa última espécie; os únicos bens que conhece no universo são a sua nutrição, uma fêmea e o repouso; os únicos males que teme são a dor e a fome. Digo a dor, e não a morte; porque jamais o animal saberá o que é morrer; e o conhecimento da morte e dos seus terrores foi uma das primeiras aquisições que o homem fez afastando-se da condição animal.
O Limite Saudável do Amor por Nós Próprios
O amor por nós mesmos, que só a nós diz respeito, sente-se satisfeito quando as nossas verdadeiras necessidades ficam satisfeitas; mas o amor-próprio – que se pretende comparar com ele – nunca se sente satisfeito nem o poderia estar, porque esse sentimento, que nos leva a preferirmo-nos aos outros, também exige que os outros nos prefiram a eles próprios; ora isso é impossível. Eis como as paixões suaves e afectuosas têm origem no amor por si próprio, e como as paixões de ódio e de ira provêm do amor-próprio. Assim, o que torna o homem essencialmente bom é o facto de ter poucas necessidades e de pouco se comparar com os outros; o que o torna essencialmente mau é ter muitas necessidades e preocupar-se muito com a opinião. Sobre este princípio, é fácil ver como se podem dirigir – para o bem ou para o mal – todas as paixões das crianças e dos homens. É verdade que, como não podem viver sempre sós, dificilmente poderão viver sempre bons: e esta dificuldade aumentará, necessariamente, com o alargamento das suas relações; e é nisso, sobretudo, que os perigos da sociedade nos tornam a arte e os cuidados mais indispensáveis para prevenir –
Amor e Amizade Afectam Sempre Terceiros
Pretende-se sempre obter a mesma preferência que se concede; o amor deve ser recíproco. Para se conseguir ser amado, é preciso ser-se amável; para se ser preferido, é preciso ser-se mais amável que outro, mais amável que todos os outros, pelo menos aos olhos do objecto amado. Daí, os primeiros olhares sobre os nossos semelhantes; daí, as primeiras comparações com eles, daí a emulação, as rivalidades, o ciúme. Um coração penetrado de um sentimento que transborda gosta de se expandir: da necessidade de uma amada, em breve nasce a de um amigo. Aquele que experimenta a doçura de ser amado quereria sê-Io por todos, e todos não poderiam pretender ser preferidos, sem que houvesse muitos descontentes. Com o amor e a amizade, nascem as desavenças, a antipatia, o ódio. Do seio de tantas paixões diferentes, vejo a opinião que, para si mesma, erige um trono firme, e os estúpidos mortais, sujeitos ao seu domínio, basearam a sua existência nos juízos de outrém.