Aprender a Ler
Tive muita dificuldade em aprender a ler. NĂŁo me parecia lĂłgico que a letra «m» se chamasse «éme» e, no entanto, com a vogal seguinte nĂŁo se dissesse «éme» e sim «ma». Era-me impossĂvel ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori, a professora nĂŁo me ensinou os nomes mas sim os sons das consoantes. Assim pude ler o primeiro livro que encontrei numa arca poeirenta da arrecadação da casa. Estava descosido e incompleto, mas absorveu-me de uma forma tĂŁo intensa que o namorado da Sara, ao passar, deixou cair uma premonição aterradora: «Caramba!, este menino vai ser escritor».
Dito por ele, que vivia de escrever, causou-me uma grande impressĂŁo. Passaram vários anos antes de saber que o livro era «As Mil e Uma Noites». O conto de que mais gostei – um dos mais curtos e o mais simples que li — continuou a parecer-me o melhor para o resto da minha vida, embora agora nĂŁo esteja seguro de que fosse lá que o li nem ninguĂ©m me tenha podido esclarecer. O conto Ă© este: um pescador prometeu a uma vizinha oferecer-lhe o primeiro peixe que pescasse se ela lhe emprestasse um chumbo para a sua rede e,
Textos sobre NinguĂ©m de Gabriel GarcĂa Márquez
2 resultadosO VĂcio de Ler
O vĂcio de ler tudo o que me caĂsse nas mĂŁos ocupava o meu tempo livre e quase todo o das aulas. Podia recitar poemas completos do repertĂłrio popular que nessa altura eram de uso corrente na ColĂ´mbia, e os mais belos do SĂ©culo de Ouro e do romantismo espanhĂłis, muitos deles aprendidos nos prĂłprios textos do colĂ©gio. Estes conhecimentos extemporâneos na minha idade exasperavam os professores, pois cada vez que me faziam na aula qualquer pergunta difĂcil, respondia-lhes com uma citação literária ou com alguma ideia livresca que eles nĂŁo estavam em condições de avaliar. O padre Mejia disse: «É um garoto afectado», para nĂŁo dizer insuportável. Nunca tive que forçar a memĂłria, pois os poemas e alguns trechos de boa prosa clássica ficavam-me gravados em trĂŞs ou quatro releituras. Ganhei do padre prefeito a primeira caneta de tinta permanente que tive porque lhe recitei sem erros as cinquenta e sete dĂ©cimas de «A vertigem», de Gaspar NĂşnez de Arce.
Lia nas aulas, com o livro aberto em cima dos joelhos e com tal descaramento que a minha impunidade sĂł parecia possĂvel devido Ă cumplicidade dos professores. A Ăşnica coisa que nĂŁo consegui com as minhas astĂşcias bem rimadas foi que me perdoassem a missa diária Ă s sete da manhĂŁ.