A Ordem pela Ordem Ă© Caricatura da Vida
A ordem é o sinal e não a causa da existência. Da mesma maneira que o plano do poema é sinal de que ele está acabado e marca da sua perfeição. Não é em nome de um plano que tu trabalhas, tu trabalhas para obter um plano. Mas aquelas criaturas dizem dos alunos: «Olhem para esta grande obra e reparem na ordem que revela. Fabriquem-me, primeiro que tudo, uma ordem, e a vossa obra será grande». Uma obra dessas não passará de esqueleto sem vida e detrito de museu.
Não tropeces na tua linguagem. Se impuseres a vida, fundarás a ordem; se impuseres a ordem, imporás a morte. A ordem pela ordem é caricatura da vida.
Textos sobre Nomes de Antoine de Saint-Exupéry
3 resultadosMiseráveis Macabros
É que não foram tão poucas como isso as vezes que vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os corações, para só ao objecto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. Mais não faço do que negar essa piedade às feridas de exibição que comovem o coração das mulheres. Assim como também a nego aos moribundos, e além disso aos mortos. E sei bem porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas Ăşlceras. AtĂ© chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longĂnqua unguentos derivados do ouro, que tĂŞm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim atĂ© descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pĂşstulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de pĂşrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridĂŁo e gabavam-se das esmolas recebidas.
Aquele que mais ganhara comparava-se a si prĂłprio ao sumo sacerdote que expõe o Ădolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu mĂ©dico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilĂŞncia e pelas proporções.
Não Transformes as Tuas Convicções em Pedras
Quando as verdades sĂŁo evidentes e absolutamente contraditĂłrias, o que tens a fazer Ă© mudar de linguagem. A lĂłgica nĂŁo serve para te ajudar a passares de um andar para o outro. Tu nĂŁo prevĂŞs o recolhimento a partir das pedras. E, se falares do recolhimento com a linguagem das pedras, vais-te abaixo. Precisas de inventar essa palavra nova para dares conta de uma certa arquitectura das tuas pedras. Porque nasceu um ser novo, nĂŁo divisĂvel, nem explicável; porque explicar Ă© demonstrar. E tu baptiza-lo entĂŁo com um nome.
Como Ă© que tu havias de raciocinar sobre o recolhimento? Como Ă© que havias de raciocinar sobre o amor? Como Ă© que havias de raciocinar sobre a propriedade? NĂŁo se trata de objectos, mas de deuses.