CrĂłnica de Natal
Todos os anos, por esta altura, quando me pedem que escreva alguma coisa sobre o Natal, reajo de mau modo. «Outra vez, uma história de Natal! Que chatice!» — digo. As pessoas ficam muito chocadas quando eu falo assim. Acham que abuso dos direitos que me são conferidos. Os meus direitos são falar bem, assim como para outros não falar mal. Uma vez, em Paris, um chauffeur de táxi, desses que se fazem castiços e dizem palavrões para corresponder à fama que têm, aborreceu-me tanto que lhe respondi com palavrões. Ditos em francês, a mim não me impressionavam, mas ele levou muito a mal e ficou amuado. Como se eu pisasse um terreno que não era o meu e cometesse um abuso. Ele era malcriado mas eu – eu era injusta. Cada situação tem a sua justiça própria, é isto é duma complexidade que o código civil não alcança.
Mas dizia eu: «Outra vez o Natal, e toda essa boa vontade de encomenda!» Ponho-me a percorrer as imagens que sĂŁo de praxe, anjos trombeteiros, pastores com capotes de burel e meninos pobres do tempo da Revolução Industrial inglesa. Pobres e explorados, mas, entretanto, nĂŁo excluĂdos do trato social atravĂ©s dos seus conflitos prĂłprios,
Textos sobre Normalidade de Agustina Bessa-LuĂs
2 resultadosO Desejo do Homem é Contrário à Sua Unidade
Houve tempo em que o homem inventou o amor cortĂŞs para nĂŁo perder a intimidade das mulheres. Elas estavam a ser atraĂdas pela formidável influĂŞncia da Igreja que as recebia permitindo-lhes uma personalidade estável. As mulheres amam essa personalidade estável que Freud soube preservar nas suas relações com Marta, a mulher de toda a sua vida. Ler a correspondĂŞncia de Freud com Marta Ă© muito salutar neste mundo a abarrotar de esgotamentos nervosos e falsas ou reais confidĂŞncias. Um dos seus clientes (Schonberg) causava-lhe grande preocupação. Um dia, a cunhada, vendo o doente cumprimentar uma senhora, disse: «O facto de ele ser outra vez bem educado com as mulheres Ă© tambĂ©m um Ăndice de melhoria». Freud nĂŁo deixa de referir isto, que corresponde a uma personalidade venerável. As mulheres acham que Ă© sinal de normalidade serem tratadas com cortesia. O desejo nĂŁo lhes diz nada, comparado com uma palavra doce e conveniente. Isto nĂŁo Ă© uma sĂntese do comportamento dos homens e das mulheres. Mas sim uma certeza – o que nĂŁo proĂbe toda a espĂ©cie de averbamentos necessários Ă verdade.
Nietzsche, imoralista por definição, disse que não há nada mais contrário ao gosto do que o homem que deseja.