O Pressuposto Indispensável para se Ser um Grande-Escritor
O pressuposto indispensável para se ser um grande-escritor Ă©, entĂŁo, o de escrever livros e peças de teatro que sirvam para todos os nĂveis, do mais alto ao mais baixo. Antes de produzir algum bom efeito, Ă© preciso primeiro produzir efeito: este princĂpio Ă© a base de toda a existĂŞncia como grande-escritor. É um princĂpio miraculoso, eficaz contra todas as tentações da solidĂŁo, por excelĂŞncia o princĂpio goethiano do sucesso: se nos movermos apenas num mundo que nos Ă© propĂcio, tudo o resto virá por si. Pois quando um escritor começa a ter sucesso dá-se logo uma transformação significativa na sua vida. O seu editor pára de se lamentar e de dizer que um comerciante que se torna editor se parece com um idealista trágico, porque faria muito mais dinheiro negociando com tecidos ou papel virgem. A crĂtica descobre nele um objecto digno da sua actividade, porque os crĂticos muitas vezes atĂ© nem sĂŁo más pessoas, mas, dadas as circunstâncias epocais pouco propĂcias, ex-poetas que precisam de um apoio do coração para poderem pĂ´r cá fora os seus sentimentos;sĂŁo poetas do amor ou da guerra, consoante o capital interior que tĂŞm de aplicar com proveito, e por isso Ă© perfeitamente compreensĂvel que escolham o livro de um grande-escritor e nĂŁo o de um comum escritor.
Textos sobre Objeto de Robert Musil
3 resultadosA Superficialidade dos Grandes EspĂritos
NĂŁo há nada de mais perigoso para o espĂrito do que a sua relação com as grandes coisas. AlguĂ©m deambula por uma floresta, sobe a um monte e vĂŞ o mundo estendido a seus pĂ©s, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele prĂłprio certamente pensa que sĂŁo muitas coisas, profundas e importantes; mas nĂŁo tem presença de espĂrito suficiente para, por assim dizer, as tomar Ă letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espĂ©cie de gaiola magnĂ©tica, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aĂ uma espĂ©cie de grande «O», redondo e vazio. Este estado Ă© o sintoma clássico do contacto com tudo o que Ă© eterno e grande,
Ode à Criança
A criança é criativa porque é crescimento e se cria a si própria. É como um rei, porque impõe ao mundo as suas ideias, os seus sentimentos e as suas fantasias. Ignora o mundo do acaso, pré-elaborado, e constrói o seu próprio mundo de ideais. Tem uma sexualidade própria. Os adultos cometem um pecado bárbaro ao destruir a criatividade da criança pelo roubo do seu mundo, sufocando-a com um saber artificial e morto, e orientando-a no sentido de finalidades que lhe são estranhas. A criança é sem finalidade, cria brincando e crescendo suavemente; se não for perturbada pela violência, não aceita nada que não possa verdadeiramente assimilar; todo o objecto em que toca vive, a criança é cosmos, mundo, vê as últimas coisas, o absoluto, ainda que não saiba dar-lhes expressão: mas mata-se a criança ensinando-a a ater-se a finalidades e agrilhoando-a a uma rotina vulgar a que, hipocritamente, se chama realidade.