Não se Ama Alguém Senão pelas Qualidades Aparentes
Um homem que se põe Ă janela para ver quem passa, se eu passar, poderei dizer que ele se pĂ´s lá para me ver? NĂŁo, pois ele nĂŁo pensa em mim em particular. Mas aquele que ama alguĂ©m por causa da sua beleza, ama-o? NĂŁo; porque a varĂola, que matará a beleza sem matar a pessoa, fará com que ele deixe de a amar.
E se me adiam pelo meu juĂzo, pela minha memĂłria, amam-me, a mim? NĂŁo; porque eu posso perder estas qualidades sem me perder a mim mesmo. Onde está pois este eu, se nĂŁo está nem no corpo nem na alma? E como amar o corpo ou a alma, senĂŁo por essas qualidades que nĂŁo sĂŁo o que faz o eu, visto que podem perecer? Pois, amar-se-á a substância da alma de uma pessoa abstractamente e as qualidades que lá estiverem? Isso nĂŁo pode ser e seria injusto. Logo nĂŁo se ama nunca a pessoa, mas somente as qualidades. Portanto, que nĂŁo se riam mais daqueles que se fazem honrar pelos cargos e ofĂcios, pois nĂŁo se ama ninguĂ©m senĂŁo pelas qualidades aparentes.
Textos sobre OfĂcio de Blaise Pascal
2 resultadosO Costume Constrange a Natureza
A coisa mais importante de toda a vida Ă© a escolha do ofĂcio: o acaso prepara-a. O costume faz os pedreiros, soldados, empalhadores. «E um excelente empalhado», diz-se; e, falando dos soldados: «Eles sĂŁo loucos», diz-se; e outros pelo contrário: «NĂŁo há nada maior do que a guerra; o resto dos homens sĂŁo uns cobardes». Ă€ força de ouvir louvar na infância estes ofĂcios e desprezar todos os outros, escolhe-se; pois naturalmente ama-se a virtude, e detesta-se a loucura; estas palavras emocionam-nos: sĂł se peca na aplicação. É tĂŁo grande a força do costume que, daqueles que a natureza fez apenas homens, se fazem todas as condições dos homens; pois há regiões onde sĂŁo todos pedreiros, noutras todos soldados, etc. Certamente que a natureza nĂŁo Ă© tĂŁo uniforme. É portanto o costume que faz isto, porque constrange a natureza; e algumas vezes a natureza supera-o, e conserva o homem no seu instinto, apesar do costume, bom ou mau.