A Dificuldade de Estabelecer e Firmar Relações
A dificuldade de estabelecer e firmar relações. Há uma tĂ©cnica para isso, conheço-a. Nunca pude meter-me nela. Ser «simpático». É realmente fácil: prestabilidade, autodomĂnio. Mas. Ser sociável exige um esforço enorme — fĂsico. Quem se habituou, já se nĂŁo cansa. Tudo se passa Ă superfĂcie do esforço. Ter «personalidade»: nĂŁo descer um milĂmetro no trato, mesmo quando por delicadeza se finge. Assumirmos a importância de nĂłs sem o mostrar. Darmo-nos valor sem o exibir. Irresistivelmente, agacho-me. E logo: a pata dos outros em cima. Bem feito. Pois se me pus a jeito. E entĂŁo reponto. O fim. Ser prestável, colaborar nas tarefas que os outros nos inventam. ColĂłquios, conferĂŞncias, organizações de. Ah, ser-se um «inĂştil» (um «parasita»…). Razões profundas — um complexo duplo que vem da juventude: incompreensĂŁo do irmĂŁo corpo e da bolsa paterna. O segundo remediou-se. Tenho desprezo pelo dinheiro. Ligo tĂŁo pouco ao dinheiro que nem o gasto… Mas «gastar» faz parte da «personalidade». SaĂşde — mais difĂcil. Este ar apeurĂ© que vem logo ao de cima. A Ăşnica defesa, obviamente, Ă© o resguardo, o isolamento, a medida.
É fácil ser «simpático», difĂcil Ă© perseverar, assumir o artifĂcio da facilidade. Conservar os amigos. «NĂŁo Ă©s capaz de dar nada»,
Textos sobre Oportunidades de VergĂlio Ferreira
3 resultadosNĂłs Trazemos na Alma uma Bomba
A causa depois do efeito. A minha tese Ă© esta, minha querida – nĂłs trazemos na alma uma bomba e o problema está em alguĂ©m fazer lume para a rebentar. NĂłs escolhemos ser santos ou herĂłis ou traidores ou cobardes e assim. O problema está em vir a haver ou nĂŁo uma oportunidade para isso se manifestar. NĂłs fizemos uma escolha na eternidade. Mas quantos sabem o que escolheram? Alguns tĂŞm a sorte ou a desgraça de alguĂ©m fazer lume para rebentarem o que sĂŁo, ver-se o que estava por baixo do que estava por cima. Mas outros vĂŁo para a cova na ignorância. Ă€s vezes fazem ensaios porque a pressĂŁo interior Ă© muito forte. Ou passam a vida Ă espera de um sinal, um indĂcio elucidativo. Ou passam-na sem saberem que trazem a bomba na alma que Ă s vezes ainda rebenta, mesmo já no cemitĂ©rio. Ou quem diz bomba diz por exemplo uma flor para pormos num sorriso. Ou um penso para pormos num lanho. Mas nĂŁo sabem.
A Dádiva da Evidência de Si
Que havia, pois, mais para a vida, para responder ao seu desafio de milagre e de vazio, do que vivê-la no imediato, na execução absoluta do seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia-a-dia os restos de ontem. Ser só abertura para amanhã. A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até ao esgotamento. Este «eu» solitário que achamos nos instantes de solidão final, se ninguém o pode conhecer, como pode alguém julgá-lo? E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à prisão? Sabê-lo é afirmá-lo! Reconhecê-lo é dar-lhe razão. Que ignore isso o que ignora que é. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal. Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional? Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos.