O Amor entre o Trigo
Cheguei ao acampamento dos Hernández antes do meio-dia, fresco e alegre. A minha cavalgada solitária pelos caminhos desertos, o repouso do sono, tudo isso refulgia na minha taciturna juventude.
A debulha do trigo, da aveia, da cevada, fazia-se ainda com Ă©guas. Nada no mundo Ă© mais alegre que ver rodopiar as Ă©guas, trotando Ă volta do calcadouro do cereal, sob o grito espicaçante dos cavaleiros. Brilhava um sol esplĂŞndido e o ar era um diamante silvestre que fazia brilhar as montanhas. A debulha Ă© uma festa de ouro. A palha amarela acumula-se em montanhas douradas. Tudo Ă© actividade e bulĂcio, sacos que correm e se enchem, mulheres que cozinham, cavalos que tomam o freio nos dentes, cĂŁes que ladram, crianças que a cada momento Ă© preciso livrar, como se fossem frutos da palha, das patas dos cavalos.Oe Hernández eram uma tribo singular. Os homens, despenteados e por barbear, em mangas de camisa e com revĂłlver Ă cinta, andavam quase sempre besuntados de Ăłleo, de poeiras, de lama, ou molhados atĂ© aos ossos pela chuva. Pais, filhos, sobrinhos, primos, eram todos da mesma catadura. Estavam horas inteiras ocupados debaixo de um motor, em cima de um tecto,
Textos sobre Ouro de Pablo Neruda
2 resultadosA Palavra
…Tudo o que vocĂŞ quiser, sim senhor, mas sĂŁo as palavras que cantam, que sobem e descem… Prosterno-me diante delas… Amo–as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as… Amo tanto as palavras… As inesperadas… As que glutonamente se amontoam, se espreitam, atĂ© que de sĂşbito caem… Vocábulos amados… Brilham como pedras de cores, saltam como irisados peixes, sĂŁo espuma, fio, metal, orvalho… Persigo algumas palavras… SĂŁo tĂŁo belas que quero pĂ´-las a todas no meu poema… Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descasco-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebĂşrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas… E entĂŁo revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as, liberto-as… Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvĂŁo, como restos de naufrágio, presentes das ondas… Tudo está na palavra… Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar, ou porque outra se sentou como um reizinho dentro de uma frase que nĂŁo a esperava, nas que lhe obedeceu… Elas tĂŞm sombra, transparĂŞncia, peso, penas, pĂŞlos, tĂŞm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raĂzes… SĂŁo antiquĂssimas e recentĂssimas… Vivem no fĂ©retro escondido e na flor que desponta…