Amor e ódio estão diante do homem, e o homem não sabe escolher
Amor e ódio estão diante do homem, e o homem não sabe escolher.
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4483 resultadosImaginação ou Sensibilidade?
Não é certo que para a criação de uma obra literária a imaginação e a sensibilidade sejam qualidades equivalentes, e que a segunda possa sem grande inconveniente substituir a primeira, do mesmo modo que há pessoas cujo estômago é incapaz de digerir e que encarregam os intestinos dessa função. Um homem que nasceu sensível e que não tenha imaginação poderá apesar disso escrever romances admiráveis. O sofrimento que os outros lhe causarão, os esforços para o evitar, os conflitos que esse sofrimento e a outra pessoa cruel irão criar, tudo isso, interpretado pela inteligência, poderá constituir matéria para um livro não apenas tão belo como se tivesse sido imaginado, inventado, mas também tão exterior aos sonhos, do autor, se este, feliz, se tivesse deixado arrastar por si mesmo, tão surpreendente para ele próprio, tão acidental como um capricho fortuito da imaginação.
A Glorificação das Aparências
Não sei o que acontecerá quando formos todos funcionários aureolados pela organização de aparências que acentua a satisfação dos privilégios. A aparência vai tomando conta até da vida privada das pessoas. Não importa ter uma existência nula, desde que se tenha uma aparência de apropriação dos bens de consumo mais altamente valorizados. Há de facto um novo proletariado preparado para passar por emancipação e conquistas do século. As bestas de carga carregam agora com a verdade corrente que é o humanismo em foco — a caricatura do humano e do seu significado.
A Racionalidade como Solução de Todos os Males do Mundo
A racionalidade pode ser definida como o hábito de considerar todos os nossos desejos relevantes, e não apenas aquele que sucede ser o mais forte no momento. (…) A racionalidade completa é, sem dúvida, ideal inatingível; porém, enquanto continuarmos a classificar alguns homens como lunáticos, é claro que achamos uns mais racionais que outros. Acredito que todo o progresso sólido no mundo consiste de um aumento de racionalidade, tanto prática como teórica. Pregar uma moralidade altruística parece-me um tanto inútil, porque só falará aos que já têm desejos altruísticos. Mas pregar racionalidade é um tanto diferente, porque ela nos ajuda, de modo geral, a satisfazer os nossos próprios desejos, quaisquer que sejam. O homem é racional na proporção em que a sua inteligência orienta e controla os seus desejos.
Acredito que o controle dos nossos actos pela inteligência é, afinal, o que mais importa e a única coisa capaz de preservar a possibilidade de vida social, enquanto a ciência expande os meios de que dispomos para nos ferir e destruir. O ensino, a imprensa, a política, a religião – numa palavra, todas as grandes forças do mundo – estão actualmente do lado da irracionalidade; estão nas mãos dos homens que lisonjeiam Populus Rex com o fito de desencaminhá-lo.
Invenção de Respostas Fáceis
As coisas familiares, tão redutíveis e manuseáveis, imediatamente regressam ao indizível e insondável, se as mantivermos sob o fogo do «porquê». É um porquê inocente e por isso as crianças o conhecem. É uma interrogação elementar e por isso ela é a primeira. E o que responde a esse questionar não é a resposta – que a não há – mas as múltiplas formas da tranquilidade que identificamos com a sensatez. Essa a nossa virtude de adultos e que as crianças aprendem na aprendizagem de adultos. E uma das formas da sensatez é a integração no mundo da positividade do mundo que se lhe furta. À interrogação a que se não responde inventamos uma resposta, condensando a interrogação em pergunta.
Dissimular as Paixões
As paixões são as seteiras do espírito. O mais prático consiste em dissimular. Corre o risco de perder quem joga jogo aberto. Que a detença do recatado compita com a atenção do advertido; a linces da palavra, sibas de interioridade. Que não lhe conheçam o gosto, para que não se previnam, uns para a contradição, outros para a lisonja.
Crítica e Auto-Crítica
Assim como o homem carrega o peso do próprio corpo sem o sentir, mas sente o de qualquer outro corpo que quer mover, também não nota os próprios defeitos e vícios, mas só os dos outros. Entretanto, cada um tem no seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo o tipo. Porém, na maioria da vezes, faz como o cão, que ladra diante do espelho por não saber que se vê a si mesmo, crendo ver outro cão.
Quem critica os outros trabalha em prol da sua própria melhoria. Portanto, quem tem a inclinação e o hábito de submeter secretamente a conduta dos outros, e em geral também as suas acções e omissões, a uma atenta e severa crítica, trabalha na verdade em prol da própria melhoria e do próprio aperfeiçoamento, pois possui o suficiente de justiça, ou de orgulho e vaidade, para evitar o que amiúde censura com tanto rigor.
A Fragilidade dos Valores
Todas as coisas «boas» foram noutro tempo más; todo o pecado original veio a ser virtude original. O casamento, por exemplo, era tido como um atentado contra a sociedade e pagava-se uma multa, por ter tido a imprudência de se apropriar de uma mulher (ainda hoje no Cambodja o sacerdote, guarda dos velhos costumes, conserva o jus primae noctis). Os sentimentos doces, benévolos, conciliadores, compassivos, mais tarde vieram a ser os «valores por excelência»; por muito tempo se atraiu o desprezo e se envergonhava cada qual da brandura, como agora da dureza.
A submissão ao direito: oh! que revolução de consciência em todas as raças aristocráticas quando tiveram de renunciar à vingança para se submeterem ao direito! O «direito» foi por muito tempo um vetitum, uma inovação, um crime; foi instituído com violência e opróbio.
Cada passo que o homem deu sobre a Terra custou-lhe muitos suplícios intelectuais e corporais; tudo passou adiante e atrasou todo o movimento, em troca teve inumeráveis mártires; por estranho que isto hoje nos pareça, já o demonstrei na Aurora, aforismo 18: «Nada custou mais caro do que esta migalha de razão e de liberdade, que hoje nos envaidece». Esta mesma vaidade nos impede de considerar os períodos imensos da «moralização dos costumes» que precederam a história capital e foram a verdadeira história,
Que cada um desempenhe a sua parte em tudo que encontre para fazer, porém sem escravizar a alma.
A Sabedoria é a Nossa Salvação
A nossa cultura é hoje muito superficial, e os nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em mecânica contrasta com a pobreza de propósitos. O equilíbrio de espírito que hauríamos outrora na fé ardente, já se foi: depois que a ciência destruiu as bases sobrenaturais da moralidade o mundo inteiro parece consumir-se num desordenado individualismo, reflector da caótica fragmentação do nosso carácter.
Novamente somos defrontados pelo problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem? Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e estabelece a hierarquia dos desejos, malbaratamos a nossa herança social em corrupção cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num momento o nosso idealismo pacífico para mergulharmos nos suicídos em massa da guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre a terra com velocidades nunca antes alcançadas mas não sabemos oara onde vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade.
Os nossos conhecimentos destroem-nos. Embebedem-nos com o poder que nos dão. A única salvação está na sabedoria.
A ira começa com desatino e acaba com arrependimento.
A Mente Universal
A mente universal manifesta-se na arte como intuição e imaginação; na religião manifesta-se como sentimento e pensamento representativo; e na filosofia ocorre como liberdade pura de pensamento. Na história mundial a mente universal manifesta-se como actualidade da mente, na sua integridade de internalidade e de externalidade. A história do mundo é um tribunal porque, na sua absoluta universalidade, o particular, isto é, as formas de culto, sociedade e espíritos nacionais em todas as suas diferentes actualidades, está presente apenas como ideal, e aqui o movimento da mente é a manifestação disto mesmo…
A história do mundo não é o veredicto da força, isto é, de um destino cego realizando-se a si mesmo numa inevitabilidade abstracta e não-racional. Pelo contrário, porque a mente é razão implícita e explicitamente, e porque a razão é explícita para si mesma, na mente, enquanto conhecimento, a história do mundo é o desenvolvimento necessário, decorrente da liberdade da mente, dos momentos da razão e, deste modo, da autoconsciência e da liberdade da mente.
A história da mente é a sua acção. A mente é apenas o que faz, e a sua acção faz dela o objecto da sua própria consciência. Através da história, a sua acção ganha consciência de si mesma como mente,
O Empregado Modelo
Um excelente trabalhador pode ser um grande poltrão? Alvaro é a prova evidente que sim. Matas-te a trabalhar por pura burrice, por comodidade ou abulia, para não teres de procurar um emprego mais instrutivo, mais estimulante, com mais perspetivas de carreira e até melhor salário. Eram os chamados trabalhadores fiéis de antigamente, os empregados modelo; quando se reformavam, davam-lhes uma medalha de ouro alemão: cinquenta anos na mesma empresa, fita ao pescoço e medalha ao peito. Grande mérito, não haja dúvida. Um pobre tolo que passou cinco decénios de cu sentado na mesma cadeira e cotovelos apoiados na mesma mesa. Hoje em dia, pelo contrário, premeia-se a mobilidade. A fidelidade é entendida como apatia e falta de ambição; és encorajado a atraiçoar os teus sucessivos chefes, e espera-se que cada uma dessas traições te granjeie vantagens económicas e promoções.
Como Vemos os Outros
Nós temos em toda a vida, especialmente na esfera da comunicação espiritual, o hábito errado de emprestarmos às outras pessoas muito daquilo que nos é próprio, como se tivesse de ser mesmo assim. Mas como elas, além disso, nos mostram também o que têm de si próprias, daí resultam, dado que nós procuramos criar uma unidade com as duas partes, autênticos monstros, semelhantes àqueles que, numa casa com muitos cantos, a luz de uma lanterna produz com uma parte de sombras e uma parte de objectos reais. Não há nenhuma operação mais útil mas, ao mesmo tempo, mais difícil que deduzir da imagem do outro aquilo que inconscientemente lhe foi emprestado. No entanto, só assim fazemos dos outros verdadeiras pessoas – ou, dito de uma forma mais breve: o homem julga compreender os homens quando acrescenta a uma suposta e ilimitada analogia com o seu próprio eu ainda alguma coisa que é contrária a esse eu. É a experiência que leva cada um a poder lidar com pessoas que tem de imaginar, na sua essência, diferentes de si mesmo.
A Máscara do Esquecimento e do Equívoco
Sob a máscara do esquecimento e do equívoco, invocando como justificação a ausência de más intenções, os homens expressam sentimentos e paixões cuja realidade seria bem melhor, tanto para eles próprios como para os outros, que confessassem a partir do momento em que não estão à altura de os dominar.
A Importância da Arte
A arte é, provavelmente, uma experiência inútil; como a «paixão inútil» em que cristaliza o homem. Mas inútil apenas como tragédia de que a humanidade beneficie; porque a arte é a menos trágica das ocupações, porque isso não envolve uma moral objectiva. Mas se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário. Acreditem que os teares paravam, também, e as fábricas; as gares ficavam estranhamente vazias, as mulheres emudeciam. A arte é, no entanto, uma coisa explosiva. Houve, e há decerto em qualquer lugar da terra, pessoas que se dedicam à experiência inútil que é a arte, pessoas como Virgílio, por exemplo, e que sabem que o seu silêncio pode ser mortal. Se os poetas se calassem subitamente e só ficasse no ar o ruído dos motores, porque até o vento se calava no fundo dos vales, penso que até as guerras se iam extinguindo, sem derrota e sem vitória, com a mansidão das coisas estéreis. O laço da ficção, que gera a expectativa, é mais forte do que todas as realidades acumuláveis. Se ele se quebra, o equilíbrio entre os seres sofre grave prejuízo.
No ciúme conjugam-se a inveja e o ódio, causando devastações na vida social
No ciúme conjugam-se a inveja e o ódio, causando devastações na vida social.
Não lutes com um grande para não caíres em suas mãos
Não lutes com um grande para não caíres em suas mãos.
O Mais Infalível Veneno é o Tempo
Tabaco, café, álcool, ácido prússico, estricnina — todos não passam de poções diluídas: o mais infalível veneno é o tempo. Essa taça, que a natureza nos põe nos lábios, possui uma propriedade maravilhosa que supera qualquer outra bebida. Ela abre os sentidos, adiciona poder e povoa-nos de sonhos exaltados, a que chamamos esperança, amor, ambição, ciência. Em particular, ela desperta o desejo por maiores doses de si. Mas aqueles que tomam as maiores doses ficam embriagados, perdem estatura, força, beleza e sentidos, e terminam em fantasia e delírio. Nós adiamos o nosso trabalho literário até que tenhamos maturidade e técnica para escrever, mas um dia descobrimos que o nosso talento literário não passava de uma efervescência juvenil que perdemos.
A Tirania do Sofrimento
O homem, quando sofre, faz uma ideia muito ideia muito especial do bem e do mal, ou seja, do bem que os outros lhe deveriam fazer e que ele pretende como se do seu sofrimento derivasse um qualquer direito a ser compensado, e do mal que pode fazer aos outros como se igualmente o seu sofrimento o autorizasse a praticá-lo. E se os outros não lhe fazem o bem quase por dever, ele acusa-os; e de todo o mal que ele faz, quase por direito, facilmente se desculpa.