Dificuldade de Prever o Comportamento de qualquer Pessoa, o Nosso Inclusivamente
Sendo variável o nosso “eu”, que Ă© dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, nĂŁo variando as circunstâncias, o procedimento do indivĂduo observado nĂŁo mudará. O chefe de escritĂłrio que já redige há vinte anos relatĂłrios honestos, continuará sem dĂşvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre nĂŁo o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixĂŁo forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herĂłi.
As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
As possĂveis variações da personalidade, que impedem de conhecermos a fundo os nossos semelhantes, tambĂ©m obstam a que cada qual se conheça a si prĂłprio. O adágio “Nosce te ipsum” dos antigos filĂłsofos constitui um conselho irrealizável. O “eu” exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de emprĂ©stimo, mentirosa. Assim Ă©, nĂŁo sĂł porque atribuĂmos a nĂłs mesmos muitas qualidades e nĂŁo reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como tambĂ©m porque o nosso “eu” contĂ©m uma pequena porção de elementos conscientes, conhecĂveis em rigor, e, em grande parte,
Textos sobre PaixĂŁo de Gustave Le Bon
4 resultadosA Alma Popular Ă© Totalmente Dominada por Elementos Afectivos e MĂsticos
A acção cada vez mais considerável das multidões na vida polĂtica imprime especial importância ao estudo das opiniões populares. Interpretadas por uma legiĂŁo de advogados e professores, que as transpõem e lhe dissimulam a mobilidade, a incoerĂŞncia e o simplismo, elas permanecem pouco conhecidas. Hoje, o povo soberano Ă© tĂŁo adulado quanto foram, outrora, os piores dĂ©spotas. As suas paixões baixas, os seus ruidosos apetites, as suas ininteligentes aspirações suscitam admiradores. Para os polĂticos, servidores da plebe, os factos nĂŁo existem, as realidades nĂŁo tĂŞm nenhum valor, a natureza deve-se submeter a todas as fantasias do nĂşmero.
A alma popular (…) tem, como principal caracterĂstica, a circunstância de ser inteiramente dominada por elementos afectivos e mĂsticos. NĂŁo podendo nenhum argumento racional refrear nela as impulsões criadas por esses elementos, ela obedece-lhes imediatamente.
O lado mĂstico da alma das multidões Ă©, muitas vezes, mais desenvolvido ainda do que o seu lado afectivo. DaĂ resulta uma intensa necessidade de adorar alguma coisa: deus, feitiço, personagem ou doutrina.
(…) O ponto mais essencial, talvez, da psicologia das multidões Ă© a nula influĂŞncia que a razĂŁo exerceu nelas. As ideias susceptĂveis de influenciar as multidões nĂŁo sĂŁo ideias racionais, porĂ©m sentimentos expressos sob forma de ideias.
Opiniões Influenciadas pelo Interesse
A maior parte das coisas pode ser considerada sob pontos de vista muito diferentes: interesse geral ou interesse particular, principalmente. A nossa atenção, naturalmente concentrada sob o aspecto que nos Ă© proveitoso, impede que vejamos os outros. O interesse possui, como a paixĂŁo, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe Ă© Ăştil acreditar. Ele Ă©, pois, freqĂĽentemente, mais Ăştil do que a razĂŁo, mesmo em questões em que esta deveria ser, aparentemente, o guia Ăşnico. Em economia polĂtica, por exemplo, as convicções sĂŁo de tal modo inspiradas pelo interesse pessoal que se pode, em geral, saber prĂ©viamente, conforme a profissĂŁo de um indivĂduo, se ele Ă© partidário ou nĂŁo do livre câmbio.
As variações de opiniĂŁo obedecem, naturalmente, Ă s variações do interesse. Em matĂ©ria polĂtica, o interesse pessoal constitui o principal factor. Um indivĂduo que, em certo momento, energicamente combateu o imposto sobre a renda, com a mesma energia o defenderá mais, se conta ser ministro. Os socialistas enriquecidos acabam, em geral, conservadores, e os descontentes de um partido qualquer se transformam facilmente em socialistas.
O interesse, sob todas as suas formas, não é somente gerador de opiniões. Aguçado por necessidades muito intensas, ele enfraquece logo a moralidade.
A Maldade como Poderoso Elemento do Progresso Humano
Os sentimentos fixos e de forma constante qualificados de paixões constituem, tambĂ©m, possantes factores de opiniões, de crenças e, por conseguinte, de conduta. Certas paixões contagiosas tornam-se, por esse motivo, facilmente colectivas. A sua acção Ă©, entĂŁo, irresistĂvel. Elas precipitaram muitos povos uns contra os outros nas diversas fases da histĂłria. As paixões podem excitar a nossa actividade, porĂ©m, alteram, as mais das vezes, a justeza das opiniões, impedindo de ver as coisas como realmente sĂŁo e de compreender a sua gĂ©nese. Se nos livros de histĂłria sĂŁo abundantes os erros, Ă© porque, na maior parte dos casos, as paixões ditam a sua narrativa. NĂŁo se citaria, penso eu, um historiador que haja relatado imparcialmente a Revolução.
O papel das paixões Ă©, como vemos, muito considerável nas nossas opiniões e, por conseguinte, na gĂ©nese dos acontecimentos. NĂŁo sĂŁo, infelizmente, as mais recomendáveis que tĂŞm exercido maior acção. Kant reconheceu a grande força social das piores paixões. A maldade Ă©, no seu juĂzo, um poderoso elemento do progresso humano. Parece, infelizmente, muito certo que, se os homens tivessem seguido o preceito do Evangelho “Amai-vos uns aos outros”, ao invĂ©s de obedecerem ao da Natureza, que os incita a se destruĂrem mutuamente,