Textos sobre Partidos

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Textos de partidos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Os Interesses na Actividade Política

Os jornais feitos com os políticos criam nos seus meios restritos um estado de sobreexcitação doentia que cada qual julga partilhado por todos os outros, e daí vem que dum canto da capital, por definição a cabeça do país, o mais reduzido grupo partidário convictamente julga falar em nome da Nação. Mas há interesses mais directos e palpáveis em jogo na actividade política, e o que é pior é que à medida que o poder se corrompe e que o interesse colectivo é sacrificado a interesses individuais, ao mundo político que espera e provoca as mutações governativas, junta-se o outro mundo ávido dos negócios. Na alta finança, nos bancos, no comércio de especulação nos grandes empreiteiros, entre os grandes fornecedores, mesmo no campo da produção propriamente dita, em ramos cuja vida depende em grande parte de actos governativos, existem já numerosos indivíduos a interessar-se activamente pela política dos partidos. A influência corrosiva da sua acção traz mais duma dificuldade grave à governação pública.

Dói-me a Vida aos Poucos

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo,

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O Valor do que Se Ama

O homem que ama apaixonadamente, não cura de saber o valor que os outros dão à mulher que ama. (…) Se o amor, por qualquer condescendência, declina, o amante, cego ontem, abre hoje um olho, e duvida se ela efectivamente é aquillo que lhe parecia ontem. Na dúvida, pergunta aos outros: «Que vos parece aquela mulher?» Se a delicadeza, ou boa fé responde: «é uma excelente mulher», a cristalização continua. Se a má fé, ou a grosseria responde: «não presta», o amador indeciso odeia a indiscreta resposta, e persiste na dúvida, que é sempre de pior partido para a mulher, sujeita á alta e baixa do mercado.

Valem Mais as Vidas do que os Livros

Defende Cleantes a opinião de que em nada nos interessam as ideias dos homens e que acima de tudo devemos pôr o seu carácter, a honestidade e a firmeza, a independência e a lisura do seu procedimento. Se de política tratamos, Cleantes, que, por definição, é honesto, sentir-se-á muito bem representado ou muito bem governado não por aquele que, incluindo nos seus programas de eleição ou nas suas declarações ideias que perfeitamente se harmonizam com as dele, depois aparece apenas como um membro de toda a raça infinita dos que sobem por fora, mas por aquele que, tendo-o porventua irritado com a sua maneira de pensar, em seguida vem habitar a ilha minúscula dos que sobem por dentro. Se de dois candidatos que se apresentam, um está no partido contrário ao nosso mas é um honesto, seguro cidadão, e o outro se proclama correligionário, mas nos deixa dúvidas sobre a integridade moral, diz Cleantes que ninguém deve hesitar: o nosso voto deve ir para o que dá garantias de uma fiscalização séria dos negócios e não deixará que se maltrate a Justiça. Sobretudo se formos moralistas, isto é, se acreditarmos que o mundo se salvará pela moral; e, como cumpre a moralistas,

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A Vontade de Escrever

Quando conscientemente, aos treze anos de idade, tomei posse da vontade de escrever – eu escrevia quando era criança, mas não tomara posse de um destino – quando tomei posse da vontade de escrever, vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar. Eu tinha que eu mesma me erguer de um nada, tinha eu mesma que me entender, eu mesma inventar por assim dizer a minha verdade. Comecei, e nem sequer era pelo começo. Os papéis se juntavam um ao outro – o sentido se contradizia, o desespero de não poder era um obstáculo a mais para realmente não poder: a história interminável que então comecei a escrever (com muita influência de O Lobo das Estepes de Hermann Hesse), que pena eu não ter conservado: rasguei, desprezando todo um esforço quase sobre-humano de aprendizagem, de autoconhecimento. E tudo era feito em tal segredo. Eu não contava a ninguém, vivia aquela dor sozinha. Uma coisa eu já adivinhava: era preciso tentar escrever sempre, não esperar um momento melhor porque este simplesmente não vinha. Escrever sempre me foi difícil, embora tivesse partido do que se chama vocação. Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento,

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Os Comunistas

… Passaram bastantes anos desde que ingressei no Partido… Estou contente… Os comunistas constituem uma boa família… Têm a pele curtida e o coração valoroso… Por todo o lado recebem pauladas… Pauladas exclusivamente para eles… Vivam os espiritistas, os monárquicos, os aberrantes, os criminosos de vários graus… Viva a filosofia com fumo mas sem esqueletos… Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva toda a gente menos os comunistas… Vivam os cintos de castidade, vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos… Vivam os piolhos das populações miseráveis, viva a força comum gratuita, viva o anarco-capitalismo, viva Rilke, viva André Gide com o seu coribantismo, viva qualquer misticismo… Tudo está bem… Todos são heróicos… Todos os jornais devem publicar-se… Todos devem publicar-se, menos os comunistas… Todos os políticos devem entrar em São Domingos sem algemas… Todos devem festejar a morte do sanguinário Trujillo, menos os que mais duramente o combateram… Viva o Carnaval, os derradeiros dias do Carnaval… Há disfarces para todos… Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema-esquerda, disfarces de damas beneficentes e de matronas caritativas… Mas, cuidado, não deixem entrar os comunistas…

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Próxima Estação

Querida amiga,

Já terás partido para longe quando estiveres a ler estas linhas… permite-me que partilhe contigo o que sinto a respeito desta tua grande mudança…

Nunca é bom colocarmos qualquer tipo de âncora na saudade ou nos sonhos. A nossa casa, o nosso país, é o lugar onde nós estamos. É aí que temos de ser quem somos. É aí que temos de descobrir a felicidade de cada dia. Tudo o resto é estrangeiro.

Cada homem pertence tanto ao sítio de onde vem como àquele para onde vai. A ideia de que as nossas raízes nos prendem e condenam segue na linha errada da outra, também comum, de que os sonhos nos fazem perder… não, a vida é esta forma de ir sendo sempre mais, o que se foi, tanto quanto o que ainda não se é… uma viagem, não uma estação.
Sei que partes com dor porque temes perder quem aqui fica e não ter ninguém por lá, onde chegarás… sabes, em pouco tempo, terás de aceitar que muitos dos que agora lamentam muito a tua partida, se preocuparão tão pouco em saber como estás…

Já fizeste muita gente feliz aqui…

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A Fraqueza Crónica de um Sistema Democrático de Governo

A fraqueza crónica de um sistema democrático de governo, em oposição à ocasional, parece ser proporcional ao grau da sua democratização. Os mais poderosos e estáveis estados democráticos são aqueles onde os princípios da democracia foram menos lógica e consistentemente aplicados. Assim, um parlamento eleito segundo um sistema de representação proporcional é um parlamento verdadeiramente democrático. Mas é também, na mairoria dos casos, um instrumento não de governo mas de anarquia. A representação proporcional garante que todos os sectores da opinião estarão representados na assembleia. É o ideal da democracia cumprido. Infelizmente, a multiplicação de pequenos grupos dentro do parlamento torna impossível a formação de um governo estável e forte.
Nas assembleias proporcionalmente eleitas os governos têm geralmente de confiar numa maioria compósita. Têm de comprar o apoio de pequenos grupos com uma distribuição de favores mais ou menos corrupta, e como nunca conseguem dar o suficiente ficam sujeitos a ser derrotados em qualquer altura. A representação proporcional em itália conduziu ao fascismo através da anarquia. Causou grandes dificuldades práticas na Bélgica, e agora ameaça fazer o mesmo na Irlanda. Encontram-se governos democráticos estáveis em países onde as minorias, por muito grandes que sejam, não estão representadas, e onde nenhum candidato que não pertença a um dos grandes partidos terá a mais leve possibilidade de ser eleito.

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A Felicidade na Perseverança

Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade. Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti. Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
Em que consiste o verdadeiro bem – quereis saber – e qual é a fonte de onde emana?

Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as rectas acções, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho. Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo,

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A Esquerda Deixou de Ser Esquerda

A direita nunca deixou de ser direita, mas a esquerda deixou de ser esquerda. A explicação pode parecer simplista, mas é a única que contempla todos os aspectos da questão. Para serem participantes mais ou menos tolerados nos jogos do poder, os partidos de esquerda correram todos para o centro, onde, infalivelmente, se encontraram com uma direita política e económica já instalada que não tinha necessidade de se camuflar de centro. Entrou-se, então, na farsa carnavalesca de denominações caricaturais com as de centro-esquerda ou centro-direita. Assim está Portugal, a Itália, a Europa.

O Espírito de Partido

O homem odeia tudo aquilo que não lhe parece ter sido feito por ele. É por isso que o espírito de partido é tão zeloso. Qualquer tolo está convencido de que atingiu o que há de melhor e de que o mundo, que sem ele nada era, passou a ser alguma coisa.

A Doutrina Perfeita

Muitas vezes as pessoas dirigem-se a mim, dizendo: «você, que é independente». Não sou assim; continuamente devo ceder a pequenas fórmulas sofisticadas que corrompem, que dão um sentido inverso à nossa orientação, que fazem com que a transparência do coração se turve. Continuamente a nossa insegurança, o egoísmo, o espírito legalista, a mesquinhez, a vaidade, toda a espécie de circunstâncias que tomam o partido da vida como desfrute à sensação se sobrepõem à luz interior. Só a fé é independente. Só ela está para além do bem e do mal.

Estar para além do bem e do mal aplica-se a Cristo. «Perdoa ao teu inimigo, oferece a outra face» – disse Ele. Não é um conselho para humilhados, não é um preceito para mártires. Nisso aparece Cristo mal interpretado, a ponto de o cristianismo ter sido considerado uma religião de escravos. Mas esquecemos que Cristo, como Homem, teve a experiência-limite, uma visão do inconsciente absoluto, o que quer dizer que a sua consciência foi saturada, para além do bem e do mal. Esse homem que perdoa ao seu inimigo não o faz por contrariedade do seu instinto, por reparação dos seus pecados; mas porque não pode proceder de outra maneira.

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A Futilidade da Imprensa

Só quando se passa alguns meses sem ler os jornais e depois se lêem todos em conjunto é que nos damos conta do tempo que perdemos com essa papelada. O mundo andou sempre dividido em partidos – hoje mais que nunca – e o jornalista, sempre que se prolonga uma situação indefinida, trata de seduzir este ou aquele partido, alimenta dia após dia a sua inclinação ou a sua repulsa por cada uma das facções, até que chega finalmente o momento em que os factos se decidem. E o acontecimento passa então a ser admirado como se fosse coisa divina.

O Jugo da Maquinaria Política

Os interesses comuns do género humano são enumeráveis e ponderáveis, porém a maquinaria política existente obscurece-os por causa da luta em torno do poder entre diferentes nações e partidos. Máquina diferente, que não exigisse modificações legislativas ou constitucionais e que não fosse muito difícil de criar, minaria a fortaleza da paixão nacional e partidária e focalizaria a atenção sobre medidas benfazejas a todos, em vez de concentrá-la em prejudicar o inimigo. No meu entender, é por esta directriz, e não pelo governo nacionalmente partidário, que se encontrará a saída dos perigos que actualmente ameaçam a civilização. O saber existe, e a boa vontade; ambos porém continuarão impotentes enquanto não possuirem orgãos próprios para se fazerem ouvir.

O Mal só nos Afecta na Medida em que o Deixarmos

Os homens (diz uma antiga máxima grega) são atormentados pelas ideias que têm das coisas, e não pelas próprias coisas. Haveria um grande ponto ganho para o alívio da nossa miserável condição humana se pudéssemos estabelecer essa asserção como totalmente verdadeira. Pois, se os males só entraram em nós pelo nosso julgamento, parece que está em nosso poder desprezá-los ou transformá-los em bem. Se as coisas se entregam à nossa mercê, por que não dispomos delas ou não as moldarmos para vantagem nossa? Se o que denominamos mal e tormento não é nem mal nem tormento por si mesmo, mas somente porque a nossa imaginação lhe dá essa qualidade, está em nós mudá-la. E, tendo essa escolha, se nada nos força, somos extraordinariamente loucos de bandear para o partido que nos é o mais penoso e dar às doenças, à indigência e ao desvalor um gosto acre e mau, se lhes podemos dar um gosto bom e se, a fortuna fornecendo simplesmente a matéria, cabe a nós dar-lhe a forma.
Porém vejamos se é possível sustentar que aquilo que denominamos por mal não o é em si mesmo, ou pelo menos que, seja ele qual for, depende de nós dar-lhe outro sabor e outro aspecto,

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As Fraquezas dos Sistemas Partidários

Com os que se intitulam democracias parlamentares ou partidárias, quem quer, examinando o funcionamento efectivo das instituições, podo constituir três grupos. O primeiro é daqueles muito raros Estados em que os partidos pouco numerosos permitem a formação de maiorias homogéneas, que se sucedem no poder, sem impedir de agir, quando na oposição, o governo quo governa. O segundo é o daqueles em que a vida partidária é tão intensa e intolerante que as mutações governamentais se fazem frequentemente por meio de revoluções ou golpes de Estado, no fundo a negação do mesmo princípio em que pretendem apoiar-se. Há um terceiro grupo em que a parcelação partidária e a exigência constitucional da maioria parlamentar se conjugam para ter em permanente risco os ministérios, precipitar as demissões, alongar as crises, paralisar os governos, condenados à inacção e às fórmulas de compromisso que nem sempre serão as mais convenientes ao interesse nacional. Assim, uns esperam as eleições; outros, a revolução; os últimos, as crises, como possibilidades de governo.

Do Contraditório como Terapêutica de Libertação

Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação.

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Nao há Virtude sem Agitação Desordenada

Os choques e abalos que a nossa alma recebe pelas paixões corporais muito podem sobre ela; porém podem mais ainda as suas próprias, pelas quais está tão fortemente dominada que talvez possamos afirmar que não tem nenhuma outra velocidade e movimento que não os do sopro dos seus ventos, e que, sem a agitação destes, ela permaneceria sem acção, como um navio em pleno mar e que os ventos deixassem sem ajuda. E quem sustentasse isso, seguindo o partido dos peripatéticos, não nos causaria muito dano, pois é sabido que a maior parte das mais belas acções da alma procedem desse impulso das paixões e necessitam dele. A valentia, diz-se, não se pode cumprir sem a assistência da cólera.

Ajax sempre foi valente, mas nunca o foi tanto como na sua loucura (Cícero)

Nem investimos contra os maus e os inimigos com tanto vigor se não estivermos encolerizados; e pretende-se que o advogado inspire a cólera nos juízes para deles obter justiça. As paixões excitaram Temístocles, excitaram Demóstenes e impeliram os filósofos para trabalhos, vigílias e peregrinações; conduzem-nos à honra, à ciência, à saúde – fins úteis. E essa falta de vigor da alma para suportar o sofrimento e os desgostos serve para alimentar na consciência a penitência e o arrependimento,

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Sobre a Diferença dos Espíritos

Apesar de todas as qualidades do espírito se poderem encontrar num grande espírito, algumas há, no entanto, que lhe são próprias e específicas: as suas luzes não têm limites, actua sempre de igual modo e com a mesma actividade, distingue os objectos afastados como se estivessem presentes, compreende e imagina as coisas mais grandiosas, vê e conhece as mais pequenas; os seus pensamentos são elevados, extensos, justos e intelegíveis; nada escapa à sua perspicácia, que o leva sempre a descobrir a verdade, através das obscuridades que a escondem dos outros. Mas, todas estas grandes qualidades não impedem por vezes que o espírito pareça pequeno e fraco, quando o humor o domina.
Um belo espírito pensa sempre nobremente; produz com facilidade coisas claras, agradáveis e naturais; torna visíveis os seus aspectos mais favoráveis, e enfeita-os com os ornamentos que melhor lhes convêm; compreende o gosto dos outros e suprime dos seus pensamentos tudo o que é inútil ou lhe possa desagradar. Um espírito recto, fácil e insinuante sabe evitar e ultrapassar as dificuldades; adapta-se facilmente a tudo o que quer; sabe conhecer e acompanhar o espirito e o humor daqueles com quem priva e ao preocupar-se com os interesses dos amigos,

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O Campo da Experiência Nunca nos Satisfaz

Sendo todos os princípios do nosso entendimento apenas aplicáveis a objectos da experiência possível, toma-se evidente que todo raciocínio racional, que se aplica às coisas situadas fora das condições da experiência, ao invés de alcançar a verdade, apenas deve necessariamente chegar a uma aparência e a uma ilusão.
Mas o que caracteriza tal ilusão é que ela é inevitável (…) a tal ponto que, mesmo quando já nos apercebemos da sua falsidade, nos não podemos libertar dela. (…) De facto, o campo da experiência nunca nos satisfaz. (…) A nossa razão, para se satisfazer, deve, pois, necessariamente, tentar ultrapassar os limites da experiência e, por consequência, persuadir-se infalivelmente de que por esse caminho alcançará a extensão e a integralidade dos seus conhecimentos, coisa que ela não pode encontrar no campo dos fenómenos. Mas esta persuasão é uma ilusão completa: estando totalmente para além dos limites da nossa experiência sensível todos os conceitos e princípios do entendimento, e não podendo então ser aplicados a qualquer objecto, a razão ilude-se a si mesma quando atribui um valor objectivo a máximas completamente subjectivas, que, na realidade, apenas admite para sua própria satisfação.
(…) Todos os nossos raciocínios que pretendem sair do campo da experiência são ilusórios e infundamentados.

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