Felicidade Aparente
Ao reflectir sobre a frescura das recordações, sobre a cor encantada de que elas se revestem num passado longĂnquo, nĂŁo pude deixar de admirar esse trabalho involuntário da alma que separa e suprime na recordação desses momentos agradáveis tudo o que poderia diminuir o encanto do momento entĂŁo vivido.
(…) Poderá uma pessoa afirmar ter sido feliz num determinado momento da sua vida, que lhe parece encantador retrospectivamente? O prĂłprio facto de o recordar ao dar-se conta da felicidade que entĂŁo deve ter sentido deve satisfazĂŞ-lo. Mas ter-se-ia sentido efectivamente feliz nesse instante de pretensa felicidade?
Pode-se compara essa pessoa com um indivĂduo que possuĂsse uma parcela de terra em que estivesse escondido um tesouro, do qual ele, contudo, nĂŁo teria conhecimento. Poder-se-Ă considerar «rico» esse homem? Do mesmo modo nĂŁo considero feliz aquele que o Ă© sem se aperceber disso, ou sem saber a que ponto monta a sua felicidade.
Textos sobre Passado de Eugène Delacroix
4 resultadosO Constante Desejo de Mudança Cega o Progresso
Penso, baseando-me em todos os dados que de há um ano para cá nos saltam aos olhos, que se pode afirmar que qualquer progresso deve acarretar necessariamente nĂŁo um avanço ainda maior mas, ao fim e ao cabo, a negação do progresso e o retorno ao ponto de partida. A histĂłria do gĂ©nero humano prova-o. No entanto, a confiança cega desta geração, e da que a precedeu, nas ideias modernas, no advento de nĂŁo sei que era da humanidade que deveria marcar uma profunda transformação – mas que, no meu entender, para influenciar o destino de cada um deveria antes de mais afectá-lo na prĂłpria natureza do homem -, esta confiança no futuro, que nada nos sĂ©culos que nos precederam justifica, constitui seguramente a Ăşnica garantia desses bens futuros, dessas revoluções tĂŁo desejadas pela vontade dos homens.
NĂŁo será evidente que o progresso, ou seja a marcha progressiva das coisas – tanto para o bem como para o mal -, acabou, hoje, por conduzir a sociedade Ă beira de um abismo, onde ela poderá facilmente vir a cair para dar lugar Ă mais completa barbárie? E a razĂŁo disso, a Ăşnica razĂŁo para que isso suceda, nĂŁo residirá nessa lei que neste mundo impõe a todas as outras: isto Ă©,
O EquilĂbrio na Maturidade
Recordo-me que outrora, quando tinha essa idade que se diz ser a idade do entusiasmo e da força da imaginação, como me faltava a experiĂŞncia para tornar mais fortes essas belas qualidades, interrompia frequentemente o meu trabalho, que muitas vezes me desagradava. Apoisção em que a idade nos coloca Ă© uma ironia da natureza. Quando chegamos Ă total maturidade, temos uma imaginação mais fesca e viva do que nunca e sobretudo sossegaram as loucas e impetuosas paixões que a idade arrasta consigo, mas faltam-nos já as forças e temos os sentidos gastos – estes pedem mais o descanso do que a agitação. E, no entanto, apesar de todas estas agruras, como Ă© grande a consolação que nos Ă© comunicada pelo trabalho! Como me sinto feliz por nĂŁo ter de ser feliz como tanto o desejava no passado! De que selvática tirania afinal nĂŁo me acabou por libertar o enfraquecimento do corpo?!
Então, a pintura era o que menos me preocupava. Temos de nos adaptar às nossas forças: se a partir de certa altura a natureza se recusa a trabalhar, não a devemos violentar mas contentarmo-nos com o que ela nos dá; não nos deixarmos dominar pela sede de elogios,
Sensibilidade e Maturidade
Uma certa vivacidade de impressões, mais directamente dependentes da sensibilidade fĂsica, decresce com a idade. Ao chegar aqui, e sobretudo depois de ter aqui passado alguns dias, nĂŁo senti, desta vez, essas vagas de tristeza ou de entusiasmo que este local me costumava comunicar, e cuja recordação, depois, me era tĂŁo doce.
Deixá-lo-ei, se calhar, sem a pena que outrora sentia. O meu espĂrito, por seu turno, tem hoje uma segurança muito maior, uma maior capacidade de fazer associações e de se exprimir; a inteligĂŞncia cresceu, mas a alma perdeu parte da sua elasticidade e irritabilidade. E porque Ă© que, ao fim e ao cabo, nĂŁo partilhará o homem o destino comum de todos os outros seres?
Ao pegarmos num fruto delicioso, será justo pretender respirar ao mesmo tempo o perfume da flor? Foi preciso passar pela subtil delicadeza da nossa sensibilidade juvenil para chegar a esta segurança e maturidade do espĂrito. Talvez os grandes homens – Ă© o que eu penso – sejam aqueles que, numa idade em que a inteligĂŞncia possui já a sua plena força, ainda conservam parte dessa impetuosidade das impressões, que Ă© prĂłpria da juventude.