CrĂłnica de Natal
Todos os anos, por esta altura, quando me pedem que escreva alguma coisa sobre o Natal, reajo de mau modo. «Outra vez, uma histĂłria de Natal! Que chatice!» â digo. As pessoas ficam muito chocadas quando eu falo assim. Acham que abuso dos direitos que me sĂŁo conferidos. Os meus direitos sĂŁo falar bem, assim como para outros nĂŁo falar mal. Uma vez, em Paris, um chauffeur de tĂĄxi, desses que se fazem castiços e dizem palavrĂ”es para corresponder Ă fama que tĂȘm, aborreceu-me tanto que lhe respondi com palavrĂ”es. Ditos em francĂȘs, a mim nĂŁo me impressionavam, mas ele levou muito a mal e ficou amuado. Como se eu pisasse um terreno que nĂŁo era o meu e cometesse um abuso. Ele era malcriado mas eu – eu era injusta. Cada situação tem a sua justiça prĂłpria, Ă© isto Ă© duma complexidade que o cĂłdigo civil nĂŁo alcança.
Mas dizia eu: «Outra vez o Natal, e toda essa boa vontade de encomenda!» Ponho-me a percorrer as imagens que sĂŁo de praxe, anjos trombeteiros, pastores com capotes de burel e meninos pobres do tempo da Revolução Industrial inglesa. Pobres e explorados, mas, entretanto, nĂŁo excluĂdos do trato social atravĂ©s dos seus conflitos prĂłprios,
Textos sobre Pedras de Agustina Bessa-LuĂs
2 resultadosCom os Costumes andam os Aforismos
Com os costumes andam os aforismos. Assim, eis que eles tomam um carĂĄcter mais criticador e vibrante, isto na linguagem de Karl Kraus, homem sagaz e ventrĂloquo de certas causas que a sociedade nĂŁo confia Ă voz pĂșblica.
Ele diz, por exemplo: «As mulheres, no Oriente, tĂȘm maior liberdade. Podem ser amadas». Ou entĂŁo: «A vida de famĂlia Ă© um ataque Ă vida privada». Ou ainda: «A democracia divide os homens em trabalhadores e preguiçosos. NĂŁo estĂĄ destinada para aqueles que nĂŁo tĂȘm tempo para trabalhar». Tudo isto, como axioma, lembra Bernard Shaw, esse inglĂȘs azedo e endiabrado cujo Manual do RevolucionĂĄrio fez o encanto da nossa adolescĂȘncia.
Todavia, o aforimo do homem de letras, se impressiona, quase nunca comove ninguĂ©m. O autĂȘntico aforismo nĂŁo Ă© uma arte – Ă© uma espĂ©cie de pastorĂcia cultural. NĂŁo estĂĄ destinado a divertir nem a chocar as pessoas, mas, acima de tudo, propĂ”e-se transmitir uma orientação. Ă uma lição, e nĂŁo o pretexto para uma pirueta.
Os aforismos e paradoxos de Karl Kraus tĂȘm esse sabor irreverente que se diferencia da sabedoria, porque hĂĄ algo de precipitado na sua confissĂŁo. Precisam de ser situados num estado de espĂrito, para serem aceites e compreendidos;