As Pernas Pesadas
Hoje, temos as pernas pesadas com o nosso peso. Andamos a ver onde pomos os pĂ©s, a acautelarmo-nos para nĂŁo cair, porque se partĂssemos uma perna era a nossa morte. Sentimos uma tremura invisĂvel nas pernas, e hoje avançou essa tremura para o dobro, e jĂĄ se nota ao olhar. Os ossos nĂŁo se dobram da mesma maneira. AtĂ© o respirar Ă© muito diferente do que jĂĄ foi. Dantes, era corrido, era uma coisa em que nĂŁo reparĂĄvamos. Hoje, Ă© precisa mais força para sorver o ar e, quando o sopramos, soltamos um ruĂdo de asma, como se tivĂ©ssemos o pescoço meio entupido ou tivĂ©ssemos engolido uma gaita enferrujada.
Textos sobre Pescoço de JosĂ© LuĂs Peixoto
2 resultadosA Mulher de Negro
Os sons da floresta, as ĂĄrvores, a bicicleta e, ao longe, o silĂȘncio imĂłvel de um vulto negro. Aproximei-me e era uma mulher vestida de negro. Um xaile negro sobre os ombros. Um lenço negro sobre a cabeça. O som dos pneus da bicicleta a pararem, o som de amassarem folhas hĂșmidas e de fazerem estalar ramos. Os meus pĂ©s a pousarem no chĂŁo. Os olhos da mulher entre o negro. Os olhos pequenos da mulher. O seu rosto branco. Vimo-nos como se nos encontrĂĄssemos, como se nos tivĂ©ssemos perdido havia muito tempo e nos encontrĂĄssemos. O tempo deixou de existir. O silĂȘncio deixou de existir. Pousei a bicicleta no chĂŁo para caminhar na direcção da mulher. Era atraĂdo por segredos. Durante os meus passos, a mulher estendeu-me a mĂŁo. A sua mĂŁo era muito velha. A palma da sua mĂŁo tinha linhas que eram o mapa de uma vida inteira, uma vida com todos os seus enganos, com todos os seus erros, com todas as suas tentativas. Os seus olhos de pedra. Senti os ossos da sua mĂŁo a envolverem os meus dedos. NĂŁo me puxou, mas eu aproximei o meu corpo do seu. Senti a sua respiração no meu pescoço.