A Segunda Juventude
Nos anos da juventude venera-se ou despreza-se ainda sem aquela arte da nuance que é o melhor partido da vida e paga-se, com justiça, muito caro o ter assaltado deste modo as coisas e as pessoas com sim e não. Tudo se predispõe de modo que o pior de todos os gostos, o gosto do absoluto, seja cruelmente achicalhado e abusado, até que o homem aprenda a pôr um pouco de arte nos seus sentimentos e prefira ousar fazer uma tentativa com o artificial: tal como o fazem os verdadeiros artistas da vida. A tendência para a cólera e o instinto da veneração, próprios da juventude, parecem não descansar enquanto não tiverem falseado homens e coisas para os poder dominar: – a juventude, já de si, é algo que engana e falseia.
Mais tarde, quando a alma jovem, martirizada por mil desilusões, se volta por fim, desconfiada, contra si mesma, ardente e selvagem ainda, mesmo nas suas suspeitas e remorsos: como se encoleriza consigo mesmo, como se dilacera com impaciência, como se vinga da sua longa cegueira, como se ela tivesse sido voluntária! Neste período de transição autocastiga-se pela desconfiança para com os seus próprios sentimentos; martiriza-se o entusiasmo pela dúvida;
Textos sobre Pior de Friedrich Nietzsche
7 resultadosDignidade Perdida
A meditação perdeu toda a sua dignidade exterior; ridicularizou-se o cerimonial e a atitude solene daquele que reflecte; já não se poderia continuar a suportar um sages da velha escola. Pensamos demasiado depressa, e pelo caminho, em plena marcha, no meio de negócios de toda a espécie, mesmo quando se trate das coisas mais graves; temos apenas necessidade de pouca preparação, e até de pouco silêncio: tudo se passa como se tivéssemos na cabeça uma máquina que girasse incessantemente e que prosseguisse o seu trabalho, mesmo nas piores circunstâncias. Outrora, quando alguém se queria pôr a pensar – era uma coisa excepcional! – era coisa que se notava imediatamente ; notava-se que queria tornar-se mais sábio e que se preparava para uma ideia: o seu rosto ganhava uma expressão como em oração; o homem detinha-se na sua marcha; ficava até imóvel durante horas na rua, apoiado numa perna ou nas duas, quando a ideia lhe «surgia». A coisa «valia» então «esse trabalho».
Aos Pregadores de Moral
Não quero fazer moral, mas dou o seguinte conselho àqueles que a fazem: se quereis tirar às melhores coisas todo o prestígio e todo o valor, continuai a falar delas como o fazeis. Fazei disso o centro da vossa moral, repeti de manhã à noite a felicidade da virtude, a tranquilidade da alma, a equidade e a justiça imanente; pelo caminho por onde ides, essas excelentes coisas acabarão por ganhar o coração do povo; a voz do povo estará do seu lado; mas, passando de mão em mão, perderão toda a sua duradoura; pior: o seu ouro transformar-se-á em chumbo. Ah! Como sois peritos nessas contra-alquimias! Como sabeis desvalorizar as substâncias mais preciosas! Tentai, portanto, uma vez, a título de experiência, uma receita diferente, se não quereis, como até agora, conseguir o contrário daquilo que procurais: negai essas excelentes coisas, retirai-lhes o aplauso da multidão, entravai a sua circulação, voltai a fazê-las outra vez o objecto de secreto pudor da alma solitária, dizei que a moral é um fruto proibido! Talvez ganheis então para a vossa causa a única espécie de homens que interessa, quero dizer, a raça dos heróis.
O Bom Senso como Suporte da Humanidade
Se não tivesse havido em todos os tempos uma maioria de homens para fazer depender o seu orgulho, o seu dever, a sua virtude da disciplina do seu espírito, da sua «razão», dos amigos do «bom senso», para se sentirem feridos e humilhados pela menor fantasia, o menor excesso da imaginação, a humanidade já teria naufragado há muito tempo.
A loucura, o seu pior perigo, não deixou nunca, com efeito, de planar por cima dela, a loucura prestes a estalar… quer dizer a irrupção da lei do bom prazer em matéria de sentimento de sensações visuais ou auditivas, o direito de gozar com o jorro do espírito e de considerar como um prazer a irrisão humana. Não são a verdade, a certeza que estão nos antípodas do mundo dos insensatos; é a crença obrigatória e geral, é a exclusão do bom prazer no ajuizar. O maior trabalho dos homens foi até agora concordar sobre uma quantidade de coisas, e fazer uma lei desse acordo,… quer essas coisas fossem verdadeiras ou falsas. Foi a disciplina do espírito que preservou a humanidade,… mas os instintos que a combatem são ainda tão poderosos que em suma só se pode falar com pouca confiança no futuro da humanidade.
Moral para Psicólogos
Não cultivar uma psicologia de bisbilhoteiro! Nunca observar só por observar! Isso provoca uma óptica falsa, uma perspectiva vesga, algo que resulta forçado e que exagera as coisas. O ter experiências, quando é um querer-ter-experiências, — não resulta bem. Na experiência não é lícito olhar para si mesmo, todo o olhar se converte então num «mau-olhado». Um psicólogo nato guarda-se, por instinto, de ver por ver; o mesmo se pode dizer do pintor nato. Este não trabalha jamais «segundo a natureza», encomenda ao seu instinto, à sua câmara escura o crivar e exprimir o «caso», a «natureza», o «vivido»… Até à sua consciência chega só o universal, a conclusão, o resultado: não conhece esse arbitrário abstrair do caso individual. — Que é que resulta quando se procede de outro modo? Quando se cultiva, por exemplo, uma psicologia de bisbilhoteiro, à maneira dos romanciers parisienses, grandes e pequenos? Essa gente anda, por assim dizê-lo, à espreita da realidade, essa gente leva para casa cada noite um punhado de curiosidades… Porém veja-se o que acaba por sair daí — um montão de borrões, um mosaico no melhor dos casos, e de qualquer forma algo que é o resultado da soma de várias coisas,
Querer Vingar-se e Vingar-se
Ter um pensamento de vingança e realizá-lo significa apanhar um forte acesso de febre, mas que passa; ter, porém, um pensamento de vingança, sem força nem coragem para o realizar, significa trazer consigo um padecimento crónico, um envenenamento do corpo e da alma. A moral, que só olha para as intenções, avalia de igual maneira ambos os casos; em geral, considera-se o primeiro caso como pior (por causa das más consequências que o acto de vingança talvez traga consigo). Ambas as avaliações são de vistas curtas.
A Grandeza de Carácter
Obedecer aos próprios sentimentos? Arriscar a vida ao ceder a um sentimento generoso ou a um impulso de momento… Isso não caracteriza um homem: todos são capazes de fazê-lo; neste ponto, um criminoso, um bandido, um corso certamente superam um homem honesto. O grau de superioridade é vencer em si esse elã e realizar o acto heróico, não por um impulso, mas friamente, razoavelmente, sem a expansão de prazer que o acompanha. Outro tanto acontece com a piedade: ela há-de ser habitualmente filtrada pela razão; caso contrário, é tão perigosa como qualquer outra emoção. A docilidade cega perante uma emoção – tanto importa que seja generosa ou piedosa como odienta – é causa dos piores males. A grandeza de carácter não consiste em não experimentar emoções; pelo contrário, estas são de ter no mais alto grau; a questão é controlá-las e, ainda assim, havendo prazer em modelá-las, em função de algo mais.