Somos uma Turba e Ninguém
Somos uma turba e ninguĂ©m: um ninguĂ©m que vive, porque Ă© sangue e carne, e existe porque Ă© esqueleto ou pedra; e uma turba da espectros que nos acompanha desde a Origem, e Ă© a nossa mesma pessoa multiplicada em mil tendĂŞncias incoerentes, forças contraditĂłrias, em vários sentidos ignotos… E lá vamos, a tactear as trevas, ladeando, avançando, recuando, como pobres jumentos aflitos e Ă s escuras, sob as esporas que o espicaçam para a frente e as rĂ©deas que o puxam para trás.
Pobres jumentos aflitos e às escuras! Escouceiam, orneiam, levantam a garupa. De que serve? As patas ferem o ar e aquela voz de soluços, que faz rir, não chega ao céu.
(…) Deus, criando as almas, condenou-as Ă suprema solidĂŁo. Algumas iludem a pena. Imaginam conviver com as árvores e os penedos. Falam Ă s árvores e aos penedos, queixando-se dos seus desgostos. (…) Somos uma turba e ninguĂ©m. Somos Deus e o DemĂłnio, o CĂ©u e a Terra e outras letras grandes e NinguĂ©m.
Textos sobre Pobres de Teixeira de Pascoaes
2 resultadosA Vida como Luta entre a Realidade e o Sonho
Somos um sonho divino que nĂŁo se condensou, por completo, dentro dos nossos limites materiais. Existe, em nĂłs, um limbo interior; um vago sentimental e original que nos dá a faculdade mitolĂłgica de idealizar todas as coisas. (…) Se fĂ´ssemos um ser definido, serĂamos entĂŁo um ser perfeito, mas limitado, materializado como as pedras. SerĂamos uma estátua divina, mas nĂŁo poderĂamos atingir a Divindade. SerĂamos uma obra de arte e nĂŁo vivente criatura, pois a vida Ă© um excesso, um Ămpeto para alĂ©m, uma força imaterial, indefinida, a alma, a imperfeição.
A vida é uma luta entre os seus aspectos revelados e o limbo em que eles se perdem e ampliam até à suprema distância imaginável; uma luta entre a realidade e o sonho, a Carne e o Verbo.
Entre nĂłs, o Verbo nĂŁo encarnou inteiramente. Somos corpo e alma, verbo encarnado e verbo nĂŁo encarnado, a matĂ©ria e o limbo, o esqueleto de pedra e um fumo que o enconbre e ondula em volta dele, e dança aos ventos da loucura…
E aĂ tendes um pobre tolo sentimental, uma caricatura elegĂaca.
Neste limbo interior, neste infinito espiritual, vive a lembrança de Deus que alimenta a nossa esperança,