Gosto Relevante
Toda a boa capacidade é difícil de contentar. Há cultura do gosto, assim como do engenho. Relevantes ambos, são irmãos de um mesmo ventre, filhos da capacidade, herdados por igual na excelência. Engenho sublime nunca criou gosto rasteiro.
Há perfeições como sóis e há perfeições como luzes. Galanteia a águia o sol, perde-se nele a mariposa pela luz de uma candeia e toma-se a altura a uma torrente pela elevação do gosto. Tê-lo bom é já algo, tê-lo relevante muito é. Ligam-se os gostos à comunicação, e só por sorte se avista quem o tenha superlativo.
Têm muitos por felicidade (de empréstimo será) gozar do que lhes apetece, condenando a infelizes todos os demais; mas desforram-se estes com as mesmas linhas, assim se podendo ver uma metade do mundo rindo-se da outra, com maior ou menor necessidade.
É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de satisfazer; os mais valentes objectos temem-no e as mais seguras perfeições receiam-no. É a avaliação preciosíssima, e regateá-la é próprio de discretos; toda a escassez em moeda de aplauso é fidalga e, ao contrário, os desperdícios de estima merecem castigo de desprezo.
A admiração é vulgarmente um manifesto da ignorância;
Textos sobre Primeiros de Baltasar Gracián
4 resultadosSaber Negar
Nem tudo se há-de conceder, nem a todos. É tão importante quanto o saber conceder, e nos que mandam é consideração indispensável. Aí entra o modo. Mais se preza o não de alguns que o sim de outros, porque um não dourado satisfaz mais que um sim a seco. Há muitos que têm sempre um não na boca. Neles o não é sempre o primeiro, e, ainda que depois tudo venham a conceder, não se entende por que precedeu aquela primeira mágoa. Não deverão as coisas ser negadas de chofe: sorva-se aos tragos o desengano; nem se negue de todo, que seria desesperar a dependência. Que fiquem sempre alguns vestígios de esperança a temperar o amargor do negar. Que a cortesia encha o vazio do favor e que as boas palavras supram a falta das obras. O não e o sim são breves de dizer, e pedem muito pensar.
Achar a Chave para Cada Um
É a arte de mover vontades; mais consiste em destreza do que em resolução: saber por onde entrar em cada um. Não há vontade sem pendor especial, diferente segundo a variedade dos gostos. Todos são idólatras, uns da estima, outros do interesse, a maioria do deleite. A manha está em conhecer esses ídolos para motivar; conhecer o impulso eficaz de cada um é como ter a chave do querer alheio. Deve-se ir ao primeiro móbil, que nem sempre é o supremo; o mais das vezes é o ínfimo, porque no mundo são mais os desregrados que os subordinados. Primeiro há de se prevenir o génio, depois tocar-lhe o verbo, para atacar a afeição, que infalivelmente porá em mate o arbítrio.
A Armadilha do Empenho
Fugir dos empenhos é das primeiras máximas da prudência. Nas grandes capacidades há sempre grandes distâncias, até aos últimos detalhes do término. Há muito para andar de um extremo ao outro, e eles estão sempre inebriados pela sua boa conduta: chegam tarde ao rompimento, pois é mais fácil furtar-se à ocasião perigosa do que se sair bem dela. Nas tentações do juízo, mais seguro é fugir do que vencer. Um empenho traz outro maior e está perto do despenho. Há homens que, por génio e mesmo por inclinação, metem-se em obrigações, mas quem caminha à luz da razão sempre vai com muita consideração. Estima-se ter mais valor o não se empenhar que o vencer, e, já que há um tolo profiado, escusa-se que com ele sejam dois.