O Triunfo da Ignorância
As relações privadas entre os homens formam-se, parece, segundo o modelo do bottleneck industrial. Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tacto. O diálogo limita-se, por motivos de humanidade, ao mais chão, ao mais monótono e banal, quando na presença de um só “inumano”. Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, num vão esforço para estabelecer contacto, adopte um tom argumentativo ou panfletário para se transformar na parte mais débil.
Visto que o bottleneck não conhece nenhuma instância que vá além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente para semelhante instância, a inteligência torna-se ingenuidade, e isso até os imbecis entendem. A conjura pelo positivo actua como uma força gravitória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não entra em debate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste numa atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados.
Textos sobre Processos de Theodor W. Adorno
3 resultadosO Vazio da Pressa e do Dinamismo
A pressa, o nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidémica quanto outrora a peste e a cólera. Nesse processo manifestam-se forças das quais os passantes apressados do século XIX não eram capazes de fazer a menor ideia. Todas as pessoas têm necessariamente algum projecto. O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planeado, utilizado para que se empreenda alguma coisa, preenchido com vistas a toda espécie de espectáculo, ou ainda apenas com locomoções tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isso cai sobre o trabalho intelectual. Este é realizado com má consciência, como se tivesse sido roubado a alguma ocupação urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se justificar perante si mesmo, ele dá-se ares de uma agitação febril, de um grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à urgência do tempo e para a qual toda a reflexão — isto é, ele mesmo — é um estorvo. Com frequência tudo se passa como se os intelectuais reservassem para a sua própria produção precisamente apenas aquelas horas que sobram das suas obrigações, saídas, compromissos, e divertimentos inevitáveis.
A Individualidade Não Se Deixa Representar
Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências,