O Sofrimento do Hipócrita
Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpétuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor.
Textos sobre Próprio de Victor Hugo
2 resultadosA Falácia do Sucesso
Abominável coisa é o bom êxito, seja dito de passagem. A sua falsa parecença com o merecimento ilude os homens. Para o vulgo, o bom sucesso equivale à supremacia. A vítima dos logros do triunfo, desse menecma da habilidade, é a história. Só Tácito e Juvenal se lhe opõem. Existe na época e sente uma filosofia quase oficial, que envergou a libré do bom êxito e lhe faz o serviço da antecâmara. Fazei por serdes bem sucedido, é a teoria. Prosperidade supõe capacidade. Ganhai na lotaria, sereis um homem hábil. Quem triunfa é venerado. Nascei bem-fadado, não queirais mais nada. Tende fortuna, que o resto por si virá; sede feliz, julgar-vos-ão grande. Se pusermos de parte as cinco ou seis excepções imensas que fazem o esplendor de um século, a admiração contemporânea é apenas miopia. Duradora é ouro. Pouco importa que não sejais ninguém, contanto que consigais alguma coisa.
O vulgo é um narciso velho, que se idolatra a si próprio e aplaude o vulgar. A faculdade sublime de ser Moisés, Esquilo, Dante, Miguel Ângelo ou Napoleão, decreta-a a multidão indistintamente e por unanimidade a quem atinge o alvo que se propôs, seja no que for. Que um tabelião se transforme em deputado;