O Encanto da Vida

Todas as noites acordado atĂ© desoras, Ă  espera da Ășltima cena de pancadaria num jogo de futebol, do Ășltimo insulto num debate parlamentar, do Ășltimo discurso demagĂłgico num comĂ­cio eleitoral, da Ășltima pirueta dum cabotino entrevistado, da Ășltima farsa no palco internacional. CrucificaçÔes masoquistas, que a prudĂȘncia desaconselha e a imprudĂȘncia impĂ”e. Vou deste mundo farto de o conhecer e faminto de o descobrir.

Mas nĂŁo hĂĄ perspicĂĄcia, nem constĂąncia de atenção capazes de lhe prefigurar os imprevistos. O que acontece hoje excede sempre o que sucedeu ontem. A violĂȘncia, o facciosismo, a ambição de poder, a crueldade e o exibicionismo nĂŁo tĂȘm limites. Felizmente que a abnegação, a generosidade e o altruĂ­smo tambĂ©m nĂŁo. E o encanto da vida Ă© precisamente esse: nenhum excesso nela ser previsĂ­vel. Nem no mal nem no bem. E nĂŁo me canso de o verificar, de surpresa em surpresa, Ă  luz dos acontecimentos.

Quando julgo que estou devidamente informado sobre o amor, sobre o Ăłdio, sobre a santidade, sobre a perfĂ­dia, sobre as virtudes e os defeitos humanos, acabo por concluir que soletro ainda o ĂĄ-bĂȘ-cĂȘ da realidade. Cabeçudo como sou, teimo na aprendizagem. Hoje fizeram-me a revelação surpreendente de que um avarento meu conhecido,

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