Intragável é Estar Parado
Intragável Ă© estar parado. NĂŁo mudar. Aguentar. Sobreviver. Permanecer. Mesmo que seja pouco, mesmo que seja insuficiente. Manter tudo como está apenas para nĂŁo correr o risco de ficar pior. Intragável Ă© nĂŁo perdoar, nĂŁo ilibar. E sĂł criticar, sĂł apontar, sĂł atacar. E nĂŁo criar, nĂŁo refazer, nĂŁo imaginar. Intragável Ă© nĂŁo acreditar. Intragável Ă© o que nĂŁo Ă© maravilhoso, o que nĂŁo Ă© delicioso, o que nĂŁo Ă© fantástico, monumental, abençoado, miraculoso, espantoso. Intragável Ă© acordar para o dia a recusar o dia, a nĂŁo querer o dia, a nĂŁo apetecer o dia, a nĂŁo pensar nas mil e uma maneiras de o tornar inesquecĂvel. Deixar estar. NĂŁo mexer, nĂŁo querer a ferida se for atravĂ©s da ferida que se chega Ă cura. Ser cauteloso, prevenido. Intragável Ă© o que nĂŁo Ă© exagerado, o que nĂŁo Ă© desproporcionado, o que nĂŁo parece incomportável. Se nĂŁo parece incomportável, Ă© insuportável. NĂŁo quero. NĂŁo admito. NĂŁo me admito. Intragável Ă© repetir. Hoje como rĂ©plica exacta de ontem e como rĂ©plica exacta de amanhĂŁ. As mesmas coisas, as mesmas palavras, os mesmos actos, os mesmos movimentos. Sempre igual. Sempre o mesmo. Intragável Ă© continuar por continuar, andar por andar, viver por viver.
Textos sobre Querer de Pedro Chagas Freitas
5 resultadosO Problema em Amar
O problema em amar quem te ama é o de quem te ama te amar como tu amas quem te ama. E depois o encadeamento é simples: quem te ama quer-te presente por dentro dele a toda a hora, por todo o lado do teu lado; e tu queres quem te ama presente em ti a toda a hora, por todo o lado do teu lado. Mas os corpos – por mais que a alma não seja palpável também ela tem um corpo – têm um limite de dilatação. A partir de uma certa altura: pára. E já não alarga mais. E tu queres enfiar o espaço que quem ama ocupa em ti mesmo ao lado do espaço do que te amas. E não dá. Não dá para te amares como amas quem amas. E depois quem te ama como tu amas quem te ama vai querer fazer o mesmo contigo. E não dá. Os corpos – repito – têm um limite de dilatação. E chega uma altura em que uma parte de ti não cabe na parte toda de quem amas; e chega uma altura em que uma parte de quem amas não cabe na parte toda de ti.
O Teu CĂ©u
É em vida que tens o teu cĂ©u. Mas nĂŁo Ă© um cĂ©u prometido. Um cĂ©u prometido Ă© um cĂ©u precavido, um cĂ©u prevenido – um cĂ©u invertido. O que já sabes que vai ser cĂ©u Ă© um martĂrio. Se sabes que vai ser cĂ©u: entĂŁo Ă© porque nĂŁo Ă© cĂ©u. És tu que, todos os dias, tens de agarrar nas tuas perninhas e no monte de antĂteses de que Ă©s feito. És tu que tens de rezar pelo teu cĂ©u. Mas rezar nĂŁo Ă© de joelhos. Rezar nem sequer Ă© cruzar os dedos e olhar para o cĂ©u Ă espera de que de lá caia alguma coisa. O mais inusitado que podes esperar que caia do cĂ©u sĂŁo perdigotos de quem, como tu, pensa que rezar Ă© dizer meia dĂşzia de palavras com os joelhos dobrados e as mĂŁos unidas em forma de impotĂŞncia. Mas rezar nĂŁo Ă© nada disso. Vou-te explicar o que Ă© rezar. Oremos, irmĂŁo.
Rezar não é ajoelhar nem é falar nem é esperar. Rezar é lutar. Não é por acaso que depois de morrer alguém de quem se gosta se faz o luto. Luto. Ouve bem, lê bem: sente bem. Luto. Luto.
Prometo Falhar
Prometo amar-te até ao limite, beijar-te até à última fronteira, correr quando bastava andar, saltar quando bastava correr, voar quando bastava saltar. Prometo abraçar-te com o interior dos ossos, percorrer-te a carne com a fome absoluta, e ir à procura do orgasmo todos os dias, a toda a hora, encontrar a felicidade no doce absurdo que nos soubermos destinar. Prometo falhar. Sem hesitar. Prometo ser humano, aqui e ali ser incoerente, aqui e ali dizer a palavra errada, a frase errada, até o texto errado, aqui e ali agir sem pensar, para que raios serve pensar quando te amo tão desalmadamente assim? Prometo compreender, prometo querer, prometo acreditar. Prometo insistir, prometo lutar, descobrir, aprender, ensinar. Tudo para te dizer que prometo falhar. E Deus te livre de não me prometeres o mesmo.
A Grande Vantagem da Vida
– A grande vantagem da vida Ă© ensinar-nos outra vez a chorar. A vida infantiliza. Fica-se maior no que nos faz ser mais pequenos. Cresce-se fora o que se vai perdendo por dentro. Passamos a infância a querer crescer, a adolescĂŞncia a querer crescer. E depois percebemos que sĂł quer crescer quem ainda se sente pequeno. Um adulto sente-se pequeno mas pensa ao contrário. Sente-se pequeno e quer ficar mais pequeno. Voltar ao tempo em que havia sonhos.
– Onde se perdem os sonhos?
– Todos os sonhos se perdem. Mesmo aqueles que vais ganhar, e vais ganhar muitos, se vão perder. Porque já deixaram de ser sonhos. Sonhaste aquilo, tiveste aquilo. E acabou. Lá se foi o sonho. O segredo é conseguir gerar novos sonhos. Sonhos que consigam ocupar o espaço em branco deixado pelo sonho perdido.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Mesmo que tenha sido ganho.
– Queria ser como tu.
– E eu queria ser como tu. Queria olhar para a frente e ver que o caminho não acaba, o caminho a perder de vista.
– O teu não se perde de vista?
– O meu faz-me perder a vista.