O Perigo da Leitura Excessiva
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte. Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível entregar-se aos seus próprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho,
Textos sobre Raízes de Arthur Schopenhauer
3 resultadosA Dor e o Tédio São os Dois Maiores Inimigos da Felicidade
O panorama mais amplo mostra-nos a dor e o tédio como os dois inimigos da felicidade humana. Observe-se ainda: à medida que conseguimos afastar-nos de um, mais nos aproximamos do outro, e vice-versa; de modo que a nossa vida, na realidade, expõe uma oscilação mais forte ou mais fraca entre ambos. Isso origina-se do facto de eles se encontrarem reciprocamente num antagonismo duplo, ou seja, um antagonismo exterior ou oubjectivo, e outro interior e subjectivo. De facto, exteriormente, a necessidade e a privação geram a dor; em contrapartida, a segurança e a abundância geram o tédio. Em conformidade com isso, vemos a classe inferior do povo numa luta constante contra a necessidade, portanto contra a dor; o mundo rico e aristocrático, pelo contrário, numa luta persistente, muitas vezes realmente desesperada contra o tédio. O antagonismo interior ou subjectivo entre ambos os sofrimentos baseia-se no facto de que, em cada indivíduo, a susceptibilidade para um encontra-se em proporção inversa à susceptibilidade para o outro, já que ela é determinada pela medida das suas forças espirituais. Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência da excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos susceptível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.
A Honra e a Vergonha
A raiz e a origem dos sentimentos de honra e vergonha, inerentes a todo o homem que não é totalmente corrompido, e o supremo valor atribuído ao primeiro reside no que vem a seguir. O homem, por si só, consegue muito pouco e é um Robinson abandonado: apenas em comunidade com os outros ele é e consegue muito. Ele dá-se conta de tal situação a partir do momento em que a sua consciência começa, de algum modo, a desenvolver-se, e logo que nasce nele a aspiração por ser considerado um membro útil da sociedade, portanto, alguém capaz de cooperar como homem pleno e, por conseguinte, tendo o direito de participar das vantagens da comunidade humana. Ele consegue-o realizando, em primeiro lugar, aquilo que se exige e espera em geral de cada um, depois, realizando aquilo que se exige e espera dele na posição especial que ocupa. Mas logo ele reconhece que, nesse caso, o importante não é o que ele representa na sua própria opinião, mas na opinião dos outros.
Por conseguinte, tal é a origem da sua aspiração zelosa pela opinião favorável de outrem, e assim também surge o valor supremo nela depositado. Esses dois elementos aparecem na espontaneidade de um sentimento inato,