Textos sobre Revoltados

5 resultados
Textos de revoltados escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Gosto das Belas Coisas Claras e Simples

Para quê alcançar os astros?! Para quê?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz! Vê-los, vê-os toda a gente. De que serve então ser poeta se se é igual à outra gente toda, ao rebanho?… Eu não peço à Vida nada que ela me não tivesse prometido, e detesto-a e desdenho-a porque não soube cumprir nem uma das suas promessas em que, ingenuamente, acreditei, porque me mentiu, porque me traiu sempre. Mas não choro, não, como os portugueses chorões, não tenho nada de Jere­mias, pareço-me antes com Job, revoltado, gritando impreca­ções no seu monte de estrume. Não gosto de lágrimas, de fados nem de guitarras, gosto das belas coisas claras e sim­ples, das grandes ternuras perfeitas, das doces compreensões silenciosas, gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de Beleza e de Verdade, de tudo menos do bípede humano, em geral, é claro, porque há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me reflectir, almas de sinceri­dade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.

Como te Tens Lembrado Hoje de Mim?

O que tens tu feito, amor? Andarás, como segunda-feira, cavaleiro andante a flirtar às janelas das ruas do Alto do Pina, com damas de cem anos?… Cem anos, pelo menos… Eu creio mesmo que tu disseste mais alguns… Sempre estás uma prenda, um espertalhão… Tenho que te educar convenientemente e ensinar-te que damas de cem anos e mulheres que fazem queijadas, não servem, ou pelo menos não devem servir, a quem tem a suprema felicidade de possuir uma mulher como eu, que sou uma pérola, ou por outra: um colar de pérolas, como ontem gentilmente me chamaste… Estás de acordo, não é verdade?

A tua pequenina fera está há imenso tempo ansiosa que a chuva acabe, para deitar o focinhito fora do covil, ao menos por cinco minutos; mas não há meio, o diabo da chuva continua a cair sem piedade e daqui a pouco a ferazinha sai mesmo com chuva e tudo. Há tanto tempo que não saio! Em horas de concentração de consciência, eu ponho-me a pensar que nunca julguei capaz que um homem pudesse fazer da Miss América, como muita gente me chamava dantes, esta burguezinha pacata, que, detrás dos vidros duma janela, passa a vida a fazer rendas,

Continue lendo…

Uma Obediência Passiva

O homem, bobo da sua aspiração, sombra chinesa da sua ânsia inútil, segue, revoltado e ignóbil, servo das mesmas leis químicas, no rodar imperturbável da Terra, implacavelmente em torno a um astro amarelo, sem esperança, sem sossego, sem outro conforto que o abafo das suas ilusões da realidade e a realidade das suas ilusões. Governa estados, institui leis, levanta guerras; deixa de si memórias de batalhas, versos, estátuas e edifícios. A Terra esfriará sem que isso valha. Estranho a isso, estranho desde a nascença, o soI um dia, se alumiou, deixará de alumiar; se deu vida, dará a si a morte. Outros sistemas de astros e de satélites darão porventura novas humanidades; outras espécies de eternidades fingidas alimentarão almas de outra espécie; outras crenças passarão em corredores longínquos da realidade múltipla. Cristos outros subirão em vão a novas cruzes. Novas seitas secretas terão na mão os segredos da magia ou da Cabala. E essa magia será outra, e essa Cabala diferente. Só uma obediência passiva, sem revoltas nem sorrisos, tão escrava como a revolta, é o sistema espiritual adequado à exterioridade absoluta da nossa vida serva.

Álvaro de

Amar Ajuda

Hoje, no dia antes do dia de São Valentim, quero escrever sobre o amor nos outros dias do ano. Ontem foi um deles. Recebi uma má notícia e imediatamente a Maria João recebeu-a como se fosse ela a recebê-la.
Recebemos a má notícia e, ao recebê-la no plural, diluiu-se por muito mais do que dois. O plural de um não é dois: são muitos. Sentimo-nos como se fôssemos muitos.
Existe o espalhar o mal pelas aldeias. Mas com o amor, com o casamento de almas que, virando-se uma para a outra, se voltam, viradas, contra o mundo, o mal multiplica-se e exagera-se ao ponto dos dois apaixonados se tornarem numa multidão de revoltados que se revolta tanto como se ama.
A boa ideia – mas talvez errada – vem de Platão, das duas metades que se encontram para alcançarem a unidade de um só ser completo. Sendo assim, as almas gémeas são apenas duas metades que se completam: precisam de completar-se para se transformarem numa unidade.
Não é verdade. O amor junta duas unidades – a Maria João e eu, por exemplo – e faz com que tenham muito mais do que a força de uma só pessoa.

Continue lendo…

Queremos Homens Completos ou Meros Cidadãos?

A educação actual e as actuais conveniências sociais premeiam o cidadão e imolam o homem. Nas condições modernas, os seres humanos vêm a ser identificados com as suas capacidades socialmente valiosas. A existência do resto da personalidade ou é ignorada ou, se admitida, é admitida somente para ser deplorada, reprimida ou, se a repressão falhar, sub-repticiamente rebuscada. Sobre todas as tendências humanas que não conduzem à boa cidadania, a moralidade e a tradição social pronunciam uma sentença de banimento. Três quartas partes do Homem são proscritas. O proscrito vive revoltado e comete vinganças estranhas. Quando os homens são criados para serem cidadãos e nada mais, tornam-se, primeiro, em homens imperfeitos e depois em homens indesejáveis.
A insistência nas qualidades socialmente valiosas da personalidade, com exclusão de todas as outras, derrota finalmente os seus próprios fins. O actual desassossego, descontentamento e incerteza de propósitos testemunham a veracidade disto. Tentámos fazer homens bons cidadãos de estados industriais altamente organizados: só conseguimos produzir uma colheita de especialistas, cujo descontentamento em não serem autorizados a ser homens completos faz deles cidadãos extremamente maus. Há toda a razão para supor que o mundo se tornará ainda mais completamente tecnicizado, ainda mais complicadamente arregimentado do que é presentemente;

Continue lendo…