A Impossibilidade de Renunciar
Eu decido correr a uma provável desilusĂŁo: e uma manhĂŁ recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusĂŁo. Era o momento de recuar. Mas eu nĂŁo recuo. Sei já, positivamente sei, que sĂł há ruĂnas no termo do beco, e continuo a correr para ele atĂ© que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saĂda. E vocĂŞ nĂŁo imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episĂłdio que sĂł se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas nĂŁo era, nĂŁo era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebĂŞ-lo atĂ© ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o atĂ© Ă Ăşltima gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vĂŁo atĂ© ao fim. Esta impossibilidade de renĂşncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida Ă© uma triste coisa. Os actos da minha existĂŞncia Ăntima, um deles quase trágico, sĂŁo resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguĂ©m as compreende.
Textos sobre RuĂna de Mário de Sá-Carneiro
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