Quantos SĂ©culos Precisa um EspĂrito para Ser Compreendido?
Os maiores acontecimentos e os maiores pensamentos – mas os maiores pensamentos sĂŁo os maiores acontecimentos – sĂŁo os que mais tarde se compreendem: as gerações que lhes sĂŁo contemporâneas nĂŁo vivem esses acontecimentos, – passam por eles. Acontece aqui algo de análogo ao que se observa no domĂnio dos astros. A luz das estrelas mais distantes chega mais tarde aos homens; e antes da sua chegada, os homens negam que ali – existam estrelas. “Quantos sĂ©culos precisa um espĂrito para ser compreendido?” – aĂ está tambĂ©m uma medida, um meio de criar uma hierarquia e uma etiqueta necessárias: para o espĂrito e para a estrela.
Textos sobre SĂ©culos de Friedrich Nietzsche
3 resultadosPretensos Graus de Verdade
Uma das frequentes conclusões falsas Ă© esta: como alguĂ©m Ă© verdadeiro e sincero para connosco, pois diz a verdade. Assim, a criança acredita nos juĂzos dos pais, o cristĂŁo nas afirmações do fundador da Igreja. Do mesmo modo, nĂŁo se quer admitir que tudo aquilo, que os homens, com sacrifĂcio da felicidade e da vida, defenderam em sĂ©culos anteriores, nada mais era do que erros: talvez se diga que tenham sido graus da verdade. Mas, no fundo, acha-se que se alguĂ©m acreditou honestamente em alguma coisa e combateu e morreu pela sua crença, seria, contudo, por de mais injusto se, efectivamente, apenas um erro o tivesse inspirado. Um caso assim parece contradizer a eterna justiça; por isso, o coração das pessoas sensĂveis decreta constantemente contra a sua cabeça a seguinte norma: entre acções morais e juĂzos intelectuais tem de haver um nexo necessário. Infelizmente, nĂŁo Ă© assim, pois nĂŁo há justiça eterna.
Aos Realistas
Ă“ seres frios que vos sentis tĂŁo couraçados contra a paixĂŁo e a quimera e que tanto gostarĂeis de fazer da vossa doutrina um adorno e um objecto de orgulho, dais-vos o nome de realistas e dais a entender que o mundo Ă© verdadeiramente tal como vos aparece; que sois os Ăşnicos a ver a verdade isenta de vĂ©us e que sois vĂłs talvez a melhor parte dessa verdade… Ăł queridas imagens de Sais! Mas nĂŁo sereis ainda vĂłs prĂłprios, mesmo no vosso estado mais despojado, seres surpreendentemente obscuros e apaixonados se vos compararmos aos peixes? NĂŁo sereis ainda demasiado parecidos com artistas apaixonados? E o que vem a ser a «realidade» aos olhos de um artista apaixonado? Ainda nĂŁo deixaste de julgar as coisas como fĂłrmulas que tĂŞm a sua origem nas paixões e nos complexos amorosos dos sĂ©culos passados! A vossa frieza está ainda cheia de uma secreta e inextirpável embriaguez!
O vosso amor pela «realidade», se for necessário escolher-vos um exemplo, que coisa antiga! Que velho «amor»! Não há sentimento, sensação, que não contenham uma certa dose, que não tenham sido, também, trabalhados e alimentados por qualquer exagero da imaginação, por um preconceito, uma sem-razão, uma incerteza,