Casar por Amor
Quando eu pensava que nĂŁo podia ser mais feliz, manhĂŁ apĂłs manhĂŁ era mais, mas sĂł um bocadinho mais do que o máximo humanamente possĂvel; pensava eu ser absolutamente impossĂvel que eu fosse, de repente, muito mais feliz, do que a prĂłpria felicidade atĂ©. Mas, de repente, fui. Muito mais. Casei com o meu amor e o meu amor tornou-se a minha mulher, minha em tudo, para tudo, para sempre. E eu, finalmente, consegui divorciar-me de mim e deixar de ser tĂŁo triste e aborrecidamente meu, trocando-me, no melhor negĂłcio do sĂ©culo, por ela. Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou nĂŁo Ă© estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livrámos de boa e ficámos a ganhar? É.
É sim. A minha mulher Ă© mais minha do que eu alguma vez fui meu — e eu antes nĂŁo podia ter sido mais para mim, felizmente. Por ter tudo agora para lhe dar. Que alĂvio. Nunca mais me quero ver na vida.
A não ser aos olhos dela, onde sou muito bem visto — talvez o maior homem que já viveu, logo a seguir ao pai dela, claro. É um milagre como melhorei tanto.
Textos sobre SĂ©culos de Miguel Esteves Cardoso
3 resultadosAmo-te, Portugal
Portugal,
Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.
Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.
Eu nĂŁo queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.
Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.
Custou-me justificar o meu amor por ti.
Como se Faz uma Declaração de Amor?
Mas entĂŁo como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que nĂŁo? As piores declarações sĂŁo as pĂfias e clandestinas, do gĂ©nero «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores sĂŁo aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dĂŁo. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuĂ-los por avioneta Ă população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anĂłnimo de «um admirador». As declarações de amor tĂŞm de cortar a respiração de quem as recebe, tĂŞm de rebentar na cara de quem as lĂŞ. O amor e o terrorismo sĂŁo questões de objectivo, e nĂŁo de grau.
Como estamos todos a zero, ninguém pode dar conselhos a ninguém. Há séculos que as maiores cabeças do mundo procuram a frase perfeita de apresentação. Há as deixas rascas, do género «Deixe-me adivinhar o seu signo» ou «Não costuma cá estar às terças-feiras, pois não?». Há as deixas pirosas, do género «Importa-se que eu lhe diga que você é muito bonita?» ou «Posso só dizer-lhe uma coisa? O seu namorado tem muita sorte!». Depois,