Textos sobre Semelhantes

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Textos de semelhantes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Cada Homem Só se Pode Salvar ou Perder Sozinho

Também eu acredito que a existência precede a essência. Que tudo começa quando o coração pulsa pela primeira vez, e tudo acaba quando ele desiste de lutar. Que todas as paisagens são cenários do nosso drama pessoal, comentários decorativos da nossa aventura íntima e profunda. E que, por isso, cada homem só se pode salvar ou perder sozinho, e que só ele é o responsável pelos seus passos, que só as suas próprias raízes são raízes, e que está nas suas mãos a grandeza ou a pequenez do seu destino. Companheiro doutros homens, será belo tudo quanto de acordo com o semelhante fizer, todas as suas fraternidades necessárias e louváveis. Mas que será do tamanho e da qualidade da sua realização singular, da força da sua unidade, da posição que escolheu e da obra que realizou, que a consciência lhe perguntará dia a dia, minuto a minuto.

A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser

A amizade é a unica coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detratores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura da qual se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.
Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia,

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O Aspecto Mais Grave da Segregação

Parece ser facto geral, que as minorias — em especial aquelas cujos indivíduos têm características físicas diferentes — sejam tratadas pelas maiorias, entre as quais vivem, como classes humanas inferiores. O que este destino tem de trágico não reside apenas no prejuízo que naturalmente advém para essas minorias sob o aspecto económico e social, mas também ao facto de os indivíduos, vivendo nestas condições, se renderem geralmente — devido à influência sugestiva da maioria —àquele preconceito sobre o seu valor, e acabarem considerando os seus semelhantes como inferiores. Esta segunda parte e a mais grave do mal, pode ser suprimida por uma mais estreita união e por uma educação deliberadamente esclarecida da minoria, para assim se conseguir a libertação espiritual da mesma.

A Missão da Mulher

Acho que a missão da mulher é assombrar, espantar. Se a mulher não espanta… De resto, não é só a mulher, todos os seres humanos têm que deslumbrar os seus semelhantes para serem um acontecimento. Temos que ser um acontecimento uns para os outros. Então a pessoa tem que fazer o possível para deslumbrar o seu semelhante, para que a vida seja um motivo de deslumbramento. Se chama a isso sedução, cumpri aquilo que me era forçoso fazer.

São as Nossas Paixões que nos Irritam Contra as dos Outros

São as nossas paixões que nos irritam contra as dos outros; é o nosso próprio interesse que nos leva a odiar os maus; se estes não nos fizessem nenhum mal, sentiríamos por eles mais piedade que ódio. O mal que os maus nos fazem leva-nos a esquecer o mal que se fazem a si mesmos. Perdoar-Ihes-íamos com mais facilidade os seus vícios se pudéssemos saber quanto os seus próprios corações os castigam. Sentimos a ofensa e não vemos o castigo; as vantagens são aparentes, o sofrimento é interior. Aquele que crê gozar do fru­to dos seus vícios não se sente menos atormentado do que se o não tivesse conseguido; o objecto muda mas a inquietação é a mesma; por mais que evidenciem a sua fortuna e escondam o seu coração, o seu comportamento demostra-o, mesmo sem que o queiram: mas, para nos apercebermos disso, é preciso que não tenhamos um coração semelhante.
As paixões que nos dividem seduzem-nos; as que chocam os nossos interesses revoltam-nos, e, por uma inconsequência que nos vem delas, criticamos nos outros o que desejaríamos imitar. A aversão e a ilusão são inevitáveis, quando somos obrigados a su­portar, por parte de outrém, o mal que faríamos se estivéssemos no lugar dessa pessoa.

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Dar Estilo ao Seu Carácter

«Dar estilo» ao seu carácter… é uma arte deveras considerável que raramente se encontra! Para a exercer é necessário que o nosso olhar possa abranger tudo o que há de forças e de fraquezas na nossa natureza, e que as adaptemos em seguida a um plano concebido com gosto, até que cada uma apareça na sua razão e na sua beleza e que as próprias fraquezas seduzam os olhos. Aqui ter-se-á acrescentado uma grande massa de segunda natureza, nos pontos onde se terá tirado um pedaço da primeira, à custa, nos dois casos, de um paciente exercício e de um trabalho de todos os dias. Neste lugar disfarçou-se uma fealdade que se não podia fazer desaparecer, noutro ela foi transmudada, fez-se dela uma beleza sublime. Grande número de elementos, que se recusavam a tomar forma, foram reservados para ser utilizados nos efeitos de perspectiva: darão os longes, o apelo do infinito. Foi a unidade, a pressão de um mesmo gosto que dominou e afeiçoou no grande e no pequeno: a que ponto, vemo-lo por fim, uma vez terminada a obra; que esse gosto seja bom ou mau, importa menos do que se pensa, basta que tenha havido um.
Serão as naturezas fortes e dominadoras que apreciarão as alegrias mais subtis nesta opressão,

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Vencer o Mundo da Vida Banal

De início creio, como Schopenhauer, que um dos motivos mais fortes conduzindo à arte e à ciência é o desejo de evasão da existência terra a terra com a sua aspereza dolorosa e o seu desolado vazio, de libertação das peias dos próprios desejos eternamente volúveis. É uma força impelindo os que a ela são sensíveis a sair da existência pessoal para o mundo da contemplação e da compreensão objectiva; esse motivo é semelhante à atracção, que leva o habitante da cidade irresistivelmente a sair do seu ambiente barulhento e confuso e procurar a paisagem calma dos altos montes, onde o olhar se espraia pelo ar tranquilo e puro e acaricia as linhas calmas, que parecem ter sido criadas para a eternidade. A esse motivo negativo, porém, alia-se outro positivo. O homem procura formar para si, de qualquer modo adequado, uma imagem simples e clara do Mundo e vencer assim o mundo da vida banal tentando substituí-lo, até certo grau, por essa mesma imagem. É o que faz o pintor, o poeta, o filósofo especulativo e o cientista da natureza, cada um à sua maneira. É dessa imagem e da sua conformação que ele faz o centro da sua vida afectiva,

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Os Altos e Baixos da Vida

Há certos momentos das nossas vidas (e eu tinha a sorte de já ter experimentado os extremos do espectro), tão felizes ou tão desgraçados que a ideia de altos & baixos desaparece. Em ocasiões semelhantes, todo o ambiente à nossa volta é tão homogéneo, seja translúcido ou opaco, que nos impede de ter uma percepção correcta do lugar em que nos encontramos. Há momentos em que subimos tanto que não é possível manter-se a noção de altitude. Por outro lado, há momentos em que tudo corre tão mal que a ideia de que existe um mundo lá em cima nos abandona e a tristeza deixa de pesar, como se as leis universais ficassem suspensas, à espera de que a nossa vida se resolva para só então voltarem a impor a sua serena e inquestionável autoridade.

Os Elementos Fixadores da Personalidade

Os resíduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivíduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juízos são, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade não é tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,

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Conduta Apropriada

A maior parte das pessoas deixa-se irritar e exasperar pelos actos de negligência, não apenas de parentes e amigos como, inclusive, dos inimigos. Os ralhos, a irascibilidade, a inveja, a malevolência e o ciúme maligno são próprios, tão-somente, das pessoas infectadas por tais pestilências, que afligem e oprimem gente insensata; brigas de vizinhos, apatia de amigos, mau procedimento de funcionários no desempenho das suas obrigações, são instâncias disso. Coloca-te em lugar de destaque na lista das pessoas que abominam semelhante conduta; como os doutores em Sófocles, que «bile amarga com remédio amargo purgam», exibes indignação e exasperação para fazer parelha com as suas paixões e destemperos. Isto é ilógico. O negócio confiado à tua administração é realizado, em boa parte, não por pessoas de carácter recto e direito, como instrumentos apropriados à execução de um trabalho, mas por ferramentas tortas e defraudadas. Não imagines que seja de tua responsabilidade corrigi-las, ou que tal seja fácil de fazer. Mas se as usares de conformidade com o que são, do mesmo modo por que os médicos usam boticões ou pinças cirúrgicas, revestindo-te da calma e da moderação exigidas pela situação, o prazer que experimentarás com a tua sábia conduta será maior do que o teu vexame pela crueza e depravação dos outros.

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Da Poesia e da Tragédia

Parece que a poesia tem inteiramente a sua origem em duas causas, ambas naturais. Porque a imitação é natural ao homem desde a infância, e nisto difere dos outros animais, pois que ele é o mais imitador de todos, aprende as primeiras coisas por meio da imitação, e todos se deleitam com as imitações. É prova disto o que acontece a respeito dos artífices, porque nós contemplamos com prazer as imagens mais exactas daqueles mesmos objectos para que olhamos com repugnância; por exemplo, a representação de animais ferocíssimos e de cadáveres. E a razão disto é porque o aprender é coisa que muito apraz não só aos filósofos, mas também igualmente aos demais homens, posto que estes sejam menos instruídos. Por isso se alegram de ver as imagens, pois que, olhando para elas, podem aprender e discorrer o que uma delas é e dizer, por exemplo: isto é tal; porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, não recebe então prazer da imitação, mas ou da beleza da obra, ou das cores, ou de outro algum motivo semelhante.
Sendo, pois, própria da nossa natureza a imitação, também o é a harmonia e o ritmo (porque é claro que os metros são parte do ritmo).

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A Alegoria da Caverna

– Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar. Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo tão-só ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
– Estou a imaginar tudo isso.
– Imagina homens que passem para além da parede, carregando objectos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros,

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O Perfeito Controle da Alegria e da Dor

Alegria desmedida e dor muito violenta acometem sempre e apenas a mesma pessoa: pois ambas se condicionam reciprocamente e são também condicionadas juntas por uma grande vivacidade do espírito. Ambas são causadas, não pelo simples presente, mas pela antecipação do futuro. No entanto, visto que a dor é essencial à vida e, pelo seu grau, é também determinada pela natureza do sujeito – o que implica que, na realidade, modificações repentinas, sendo sempre externas, não podem mudar o seu grau -, na base do júbilo ou da dor excessivos há sempre um erro e uma falsa crença: por conseguinte, essas duas exaltações do espírito poderiam ser evitadas com o uso do juízo.

Todo o júbilo desmedido repousa sempre na ilusão de ter encontrado na vida algo que não se pode encontrar realmente, isto é, uma satisfação durável dos desejos ou preocupações tormentosos e sempre renascentes. Mais tarde, é inevitável que nos separemos de cada ilusão dessa espécie, pagando-a então, quando desaparece, com igual dor amarga, independentemente da alegria que o seu surgimento nos tenha proporcionado.
Nesse sentido, ela assemelha-se por completo a uma altura da qual o único momento de descer novamente é a queda, de maneira que deveria ser evitada: e toda a dor repentina ou excessiva é justamente apenas a queda de tal altura,

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Amor e Amizade Afectam Sempre Terceiros

Pretende-se sempre obter a mesma preferência que se conce­de; o amor deve ser recíproco. Para se conseguir ser amado, é pre­ciso ser-se amável; para se ser preferido, é preciso ser-se mais amável que outro, mais amável que todos os outros, pelo menos aos olhos do objecto amado. Daí, os primeiros olhares sobre os nossos semelhantes; daí, as primeiras comparações com eles, daí a emu­lação, as rivalidades, o ciúme. Um coração penetrado de um sen­timento que transborda gosta de se expandir: da necessidade de uma amada, em breve nasce a de um amigo. Aquele que experi­menta a doçura de ser amado quereria sê-Io por todos, e todos não poderiam pretender ser preferidos, sem que houvesse muitos des­contentes. Com o amor e a amizade, nascem as desavenças, a an­tipatia, o ódio. Do seio de tantas paixões diferentes, vejo a opinião que, para si mesma, erige um trono firme, e os estúpidos mortais, sujeitos ao seu domínio, basearam a sua existência nos juízos de outrém.

Muda de Vida ou Muda de Poema

Um poema não é uma coisa que se coloca sobre o teu dia como um condimento sobre o teu almoço. A vida de uma pessoa não tem material semelhante a nada que conheças. Existir é feito de peças impossíveis de copiar. E a poesia não entra nesse material único – a vida de uma pessoa – como o avião no ar ou o acidente do avião na terra dura. Um poema não é manso nem meigo, não é mau nem ilegal.
Os homens não se medem pelos poemas que leram, mas talvez fosse melhor. O que é a fita métrica comparada com algo intenso? Há poemas que explicam trinta graus de uma vida e poemas que são um ofício de demolição completa: o edifício é trocado por outro, como se um edifício fosse uma camisa. Muda de vida ou, claro, muda de poema.

Gonçalo M.

A Verdadeira Generosidade

Observo em nós apenas uma única coisa que nos pode dar justa razão para nos estimarmos, a saber: o uso do nosso livre-arbítrio e o domínio que temos sobre as nossas vontades. Pois as acções que dependem desse livre-arbítrio são as únicas pelas quais podemos com razão ser louvados ou censurados, e ele torna-nos de alguma forma semelhante a Deus ao fazer-nos senhores de nós mesmos, desde que por cobardia não percamos os direitos que nos dá.
Assim, creio que a verdadeira generosidade, que faz um homem estimar-se a si mesmo no mais alto grau em que pode legitimamente estimar-se, consiste somente, por uma parte, em que ele sabe que não há algo que realmente lhe pertença a não ser essa livre disposição das suas vontades, nem por que ele deva ser louvado ou censurado a não ser porque faz bom ou mau uso dela; e, por outra parte, em que ele sente em si mesmo uma firme e constante resolução de fazer bom uso dela, isto é, de nunca deixar de ter vontade para empreender e executar todas as coisas que julgar serem as melhores. Isso é seguir perfeitamente a virtude.

Nota: O latim generosus designa o homem ou animal que é de boa raça.

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O Estado de Transe

O estado de transe é um estado quase normal no ser humano; basta muito pouco para provocá-lo. Uma coisa de nada, um pouco de álcool no sangue, um pouco de droga, excesso de oxigénio, a cólera, o cansaço. Mas este estado é interessante na medida em que é orientável. Trata-se de um balanço, mas esse lança mão das regiões desconhecidas do nosso espírito. De facto, não há fundamentalmente nenhuma diferença, entre um homem intoxicado pelo álcool e um santo que se entregue ao êxtase. E no entanto há apesar de tudo uma diferença: a da interpretação. O momento de loucura é preparado por uma etapa onde o assunto é mergulhado numa espécie de vacilação da consciência, de excitação cerebral violenta. É esse momento que fabrica verdadeiramente o êxtase e lhe dá o sentido. Enquanto o êxtase em si mesmo é cego. É o vazio total, sem ascensão nem queda. A calma plana. Tanto quanto se possa dizer que o santo nunca conhecerá Deus. Aproxima-O, depois regressa. E estas duas etapas são as que são. Entre as duas, é o nada. O vazio, a amnésia completa. No momento X do êxtase, o santo e o intoxicado são semelhantes, estão no mesmo local.

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Disponibilidade Mental

Gostaria de exprimir uma ideia que me ocorreu recentemente. Quando estava a viver sozinho neste país, notei como a monotonia de uma vida pacata estimula uma mente criativa. Existem algumas ocupações, mesmo na sociedade moderna, que requerem uma vida isolada e não exigem grande esforço físico ou intelectual. Vêem-me à ideia ocupações como o serviço de faróis e de barcos-faróis. Seria possível colocar jovens que desejem reflectir sobre problemas científicos, especialmente de natureza matemática ou filosófica, nestas ocupações? Muito poucos jovens com semelhantes ambições têm, durante o período mais produtivo da sua vida, a oportunidade de se dedicarem, sem interrupções durante um certo período de tempo, a problemas de natureza científica. Mesmo um jovem que tenha a sorte de obter uma bolsa de estudo durante um período limitado de tempo é pressionado a chegar o mais depressa possível a conclusões definitivas. Tal pressão apenas pode ser prejudicial a um estudante de ciência pura. Com efeito, o jovem cientista que começa uma profissão prática que lhe permite ganhar o suficiente para viver está numa posição muito melhor, assumindo, é claro, que a sua profissão lhe deixa tempo e energia suficientes para se dedicar ao trabalho científico.

Vivemos Para os Momentos Futuros, e Não o Presente

A ânsia de matar tempo, de liquidar o espaço de dias entre um acontecimento e o que lhe sucede, transmite, tanto em casos de amor como em outros, fins importantes, um estado de alma que se preocupa exclusivamente em atingir esse alvo previamente estabelecido. Não se pensa em mais nada. Semelhante à situação criada quando se sabe de antemão que se vai encontrar determinada pessoa que nos interessa muito. Fica-se incapaz de articular palavra, de estreitar vínculo com quem quer que seja que se nos atravesse no caminho. Está-se a viver em outrem, num estado fora da relação humana do dia a dia. Nem sequer ouvimos os sons, arrepiamos a pele ao tomar conhecimento consciente de notícias que já sabíamos de antemão pertencerem ao domínio público. Esta é também a ânsia do suicida que nada mais faz entre a decisão de cometer o homicídio e a prática do acto extremo.

Não há Civilização sem Constrangimento

Toda a civilização traduz constrangimento e sujeição. Aprendendo, sob a rigorosa lei das primeiras obrigações sociais, a dominar um pouco as suas impulsões, o primitivo desprendeu-se da animalidade pura e chegou à barbárie. Forçado a refrear-se mais, ele elevou-se até à civilização. Esta só se mantém enquanto persiste o domínio do homem sobre si mesmo.
Semelhante sujeição exige um esforço em todos os instantes. Seria quase impossível se os hábitos, que a educação pode fixar, não acabassem por o facilitar, tornando-o inconsciente.
Suficientemente desenvolvida, a disciplina interna pode chegar assim a substituir a disciplina externa; mas, quando não se soube criar uma, cumpre resignar-se a suportar a outra. Recusar uma e outra é retroceder aos tempos de barbárie. Os sentimentos conduzem-nos sempre, mas nenhuma sociedade pode subsistir sem que os membros aprendam a mantê-los nos limites abaixo dos quais começam a anarquia e a decadência.
Os sentimentos refreados pelas necessidades sociais, que codificam as leis, não são por essa razão destruídos. Libertadas das suas peias, as impulsões naturais primitivas reaparecem sempre. Explicam-se assim as violências que acompanham as revoluções. O civilizado retrocede à barbárie.