Textos sobre Sempre

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Textos de sempre escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Tremo Quando te Escrevo

Meu amor adorado: a tua querida cartinha ao chegar-me hoje às mãos veio dar-me o primeiro momento de alegria desde que partiste. O que eu sinto corresponde exactamente – ai de mim – aos sentimentos que expressas, mas é-me muito difícil responder na tua bela língua a essas doces expressões, que merecem uma resposta mais em actos do que em palavras. Espero, no entanto, que o teu coração seja capaz de sugerir tudo o que o meu gostaria de te dizer. Talvez que se te amasse menos não me custasse tanto exprimir o meu pensamento, pois tenho de vencer a dupla dificuldade de expor um sofrimento insuportável numa língua estranha. Desculpa os meus erros. Quanto mais bárbaro for o meu estilo, mais se assemelhará ao meu Destino longe de ti. Tu, o meu único e derradeiro amor – tu, minha única esperança – tu, que já me habituara a considerar só minha – partiste e eu fiquei sozinho e desesperado. Eis a nossa história em poucas palavras. É esta uma provação que suportaremos como outras suportámos, porque o amor nunca é feliz, mas devemos, tu e eu, sofrer mais ainda, pois tanto a tua situação como a minha são igualmente extraordinárias.

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A Dificuldade do Poder Obtido sem Esforço

Aqueles que, só pela mão da fortuna, de vulgares cidadãos se tornam príncipes alcançam o mando com pouca fadiga, mas só com muito esforço o conseguem manter. Não experimentam dificuldades na caminhada para o poder, parecendo que para lá vão voando. As dificuldades surgem depois de serem entronizados. É o que sucede com aqueles a quem é dado um estado a troco de dinheiro ou por graça de quem o concede (…) Os que assim sobem à condição de príncipe ficam dependentes da vontade e da fortuna de quem lhes proporcionou o trono, que são duas coisas assaz volúveis e instáveis, não sabendo nem podendo garantir a sua conservação. Não sabem – porque, a menos que seja um homem de grande habilidade e virtude, não é razoável que, tendo sempre vivido como vulgar cidadão, saiba comandar; não podem – porque não dispõem de forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Além disto, os estados que surgem de repente, como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem rapidamente, não desenvolvem as raízes, o tronco e os ramos, sendo destruídos pelo primeiro temporal. Isto, a menos que aqueles que, como eu disse, de repente se tornaram príncipes possuam tanta virtude como a fortuna que tiveram quando o estado lhes caiu no regaço e saibam,

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Felicidade Perene e Felicidade Duradoura

Por entre as vicissitudes de uma longa vida, reparei que as épocas das mais doces delícias e dos prazeres mais vivos não são aqueles cuja lembrança mais me atrai e mais me toca. Esses curtos momentos de delíriro e paixão, por mais vivos que possam ter sido, não são, no entanto, e até pela sua própria intensidade, senão pontos bem afastados uns dos outros na linha da minha vida. Foram demasiados raros e demasiado rápidos para constituírem um estado, e a felicidade de que o meu coração sente saudades não é constituída por instantes fugidios, é antes um estado simples e permanente que em si mesmo não tem vivacidade, mas cuja duração aumenta o seu encanto ao ponto de nele encontrar finalmente a felicidade suprema.
Na terra, tudo vive num fluxo contínuo. Nada conserva uma forma constante e segura, e as nossas afeições, que se prendem às coisas exteriores, passam e, como elas, mudam. Sempre à nossa frente ou atrás de nós, elas lembram o passado que já não existe, ou prevêem o futuro que muitas vezes não será: não existe nada de sólido a que o coração possa prender-se. É por isso que, na terra, só existe prazer passageiro;

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O Excesso de Vingança

O duelo nasceu da convicção muito natural de que um homem não aguentaria injúrias de outro homem a não ser por fraqueza; mas porque a força do corpo podia dar às almas tímidas uma vantagem considerável sobre as almas fortes, para introduzir igualdade nos combates e dar-lhes por outro lado mais decência, os nossos pais imaginaram bater-se com armas mais mortíferas e mais iguais do que aquelas que tinham recebido da natureza; e pareceu-lhes que um combate em que se poderia tirar a vida de um só golpe teria certamente mais nobreza do que uma briga vil em que no máximo se poderia arranhar a cara do adversário e arrancar-lhe os cabelos com as mãos. Assim, vangloriaram-se de ter colocado nos seus usos mais elevação e mais elegância do que os romanos e os gregos que se batiam como os seus escravos. Achavam que aquele que não se vinga de uma afronta não tem coragem nem brio; não atinavam que a natureza, que nos inspira a vingança, podia, elevando-se ainda mais alto, inspirar-nos o perdão.
Esqueciam-se de que os homens são obrigados muitas vezes a sacrificar as suas paixões à razão. A natureza dizia mesmo, na verdade, às almas corajosas que era preciso vingar-se;

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Tudo é Avaliado pela Nossa Vaidade

Para nada ser permanente em nós, até o ódio se extingue: cansamo-nos de aborrecer: a nossa inclinação tem intervalos, em que fica isenta da sua maldade natural; não esquece porém o ódio, que teve por princípio a vaidade ofendida; assim como nunca o favor esquece quando se dirige, e tem por objectivo a vaidade de quem recebe o benefício. A nossa vaidade é a que julga tudo: dá estimação ao favor, e regula os quilates à ofensa; faz muito do que é nada; dos acidentes faz substância; e sempre faz maior tudo o que diz respeito a si. Nos benefícios pagamo-nos menos da utilidade, que do obséquio; nas ofensas consideramos mais o atrevimento da injúria, que o prejuízo do mal; por isso se sente menos a dor das feridas, do que o arrojo do impulso; e assim na vaidade se formam cicatrizes firmes, e seguras; porque a lembrança do agravo a cada instante as faz abrir de novo, e verter sangue.

A Acção Edifica-nos

Os nossos actos transformam-nos; em cada um dos nossos actos se exercem certas forças – enquanto que noutros, não – forças essas que assim são transitoriamente ignoradas; e sempre uma paixão se afirma em detrimento doutras paixões, às quais retira forças. Os nossos actos marcadamente habituais acabam por formar em redor de nós como que um edifício sólido; açambarcam as nossas forças de tal modo, que tornam difícil um desvio de intenções.
Acontece também que uma abstenção habitual acaba por transformar o homem. Até pela cara se consegue adivinhar quem é um homem que se tem vencido a si próprio diariamente, ou quem é um homem que se entrega com passividade ao dia a dia.
A primeira consequência da acção, é ser ela a edificar-nos, até fisicamente.

É Possível Estarmos Todos Errados?

É possível (…) que não se tenha visto, conhecido e dito nada de real e importante? É possível que se tenha tido milénios para olhar, reflectir e anotar e que se tenha deixado passar os milénios como uma pausa escolar, durante a qual se come fatias de pão com manteiga e uma maçã?
Sim, é possível.
É possível que, apesar das investigações e dos progressos, apesar da cultura, da religião e da filosofia, se tenha ficado na superfície da vida? É possível que até se tenha coberto essa superfície – que, apesar de tudo, seria qualquer coisa – com um pano incrivelmente aborrecido, de tal modo que se assemelhe aos móveis da sala durante as férias de Verão?
Sim, é possível.
É possível que toda a História Universal tenha sido mal-entendida? É possível que o passado seja falso, precisamente porque sempre se falou das suas multidões, como se dissertasse sobre uma aglomeração de pessoas, em vez de falar de uma única, em torno da qual elas estavam, porque se tratava de um desconhecido que morreu?
Sim, é possível.
É possível que se tenha julgado ser preciso recuperar o que aconteceu antes de se ter nascido?

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Poesia e Verdade

De facto, entre a poesia e a verdade existe uma natural oposição: falsa moral e natureza fictícia. O poeta sempre necessita de algo falso. Quando ele pretende fincar os seus fundamentos na verdade, o ornamento da sua superestrutura é feito de ficções; a sua acção consiste em estimular as nossas paixões e excitar os nossos preconceitos. A verdade, a exactidão de todo o tipo, é fatal à poesia. O poeta tem de olhar tudo através de meios coloridos e esforça-se a levar cada pessoa a fazer o mesmo. Existem espíritos nobres, é verdade, com os quais a poesia e a filosofia estão igualmente em dívida, mas essas excepções não contrabalançam os danos resultantes dessa arte mágica.

Hábitos Breves

Gosto dos hábitos que não duram; são de um valor inapreciável se quisermos aprender a conhecer muitas coisas, muitos estados, sondar toda a suavidade, aprofundar a amargura. Tenho uma natureza que é feita de breves hábitos, mesmo nas necessidades de saúde física, e, de uma maneira geral, tão longe quanto posso ver nela, de alto a baixo dos seus apetites. Imagino sempre comigo que esta ou aquela coisa se vai satisfazer duradouramente – porque o próprio hábito breve acredita na eternidade, nesta fé da paixão; imagino que sou invejável por ter descoberto tal objecto: devoro-o de manhã à noite, e ele espalha em mim uma satisfação, cujas delícias me penetram até à medula dos ossos, não posso desejar mais nada sem comparar, desprezar ou odiar.
E depois um belo dia, aí está: o hábito acabou o seu tempo; o objecto querido deixa-me então, não sob o efeito do meu fastio, mas em paz, saciado de mim e eu dele, como se ambos nos devêssemos gratidão e estendemo-nos a mão para nos despedirmos. E já um novo me aguarda, mas aguarda no limiar da minha porta com a minha fé – a indestrutível louca… e sábia! – em que este novo objecto será o bom,

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Humanidade às Cegas

Tanto jornal, tanta rádio, tanta agência de informações, e nunca a humanidade viveu tão às cegas. Cada hora que passa é um enigma camuflado por mil explicações. A verdade, agora, é uma espécie de sombra da mentira. E como qualquer de nós procura quase sempre apenas o concreto, cada coisa que toca deixa-lhe nas mãos o simples negativo da sua realidade.

Em Cada Livro Que se Escreve, uma Vida Desconhecida

A parte desconhecida da minha vida é a minha vida escrita. Morrerei sem conhecer essa parte desconhecida. Como foi escrito isto, porquê, como o escrevi, não sei, não sei como isto começou. Não se pode explicar. Donde vêm certos livros? A página está vazia e, de repente, já há trezentas páginas. Donde vem isto? É preciso deixar andar, quando se escreve, não devemos controlar-nos, é preciso deixar andar, porque não sabemos tudo de nós próprios. Não sabemos o que somos capazes de escrever.

Conheci grandes escritores que nunca conseguiram falar disso – conheci Maurice Blanchot e Georges Bataille intimamente, conheci Genet, creio que menos. Eles nunca sabiam, nunca falavam disso. Penso que é errado, aliás. Há trinta anos, era uma espécie de pudor aprendido, em parte, na escola sartriana, não se podia falar daquilo que se escrevia, não era decente – e penso que em Les Parleuses é a primeira vez que alguém fala disso, pelo menos uma das primeiras vezes. É bom falar disso e, ao mesmo tempo, é muito perigoso dar a ler textos antes de estarem terminados.
(…) Após o final de cada livro é o fim do mundo inteiro, é sempre assim, de cada vez.

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É sempre fácil encontrar um alibi para justificar a negligência de estudos mais sérios e

É sempre fácil encontrar um alibi para justificar a negligência de estudos mais sérios e exigentes.

É o Fim que Confere o Significado às Palavras

Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras.

A Ideia de Moral Universal

Muito antes de o homem estar maduro para ser confrontado com uma atitude moral universal, o medo dos perigos da vida levaram-no a atribuir a vários seres imaginários, não palpáveis fisicamente, o poder de libertar as forças naturais que temia ou talvez desejasse. E ele acreditava que esses seres, que dominavam toda a sua imaginação, eram feitos fisicamente à sua imagem, mas eram dotados de poderes sobre-humanos. Estes foram os precursores primitivos da ideia de Deus. Nascidos inicialmente dos medos que enchiam a vida diária dos homens, a crença na existência de tais seres, e nos seus poderes extraordinários, teve uma influência tão forte nos homens e na sua conduta que é difícil de imaginar por nós. Por isso, não surpreende que aqueles que se empenharam em estabelecer a ideia de moral, abarcando igualmente todos os homens, o tenham feito associando-a intimamente à religião. E o facto de estas pretensões morais serem as mesmas para todos os homens pode ter tido muito a ver com o desenvolvimento da cultura religiosa da espécie humana desde o politeísmo até ao monoteísmo.
A ideia de moral universal deve, assim, a sua potência psicológica original àquela ligação com a religião. No entanto, noutro sentido,

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A Busca da Felicidade ou do Sofrimento

O homem recusa o mundo tal como ele é, sem aceitar o eximir-se a esse mesmo mundo. Efectivamente os homens gostam do mundo e, na sua imensa maioria, não querem abandoná-lo. Longe de quererem esquecê-lo, sofrem, sempre, pelo contrário, por não poderem possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo que são, exilados na sua própria pátria. Excepto nos momentos fulgurantes da plenitude, toda a realidade é para eles imperfeita. Os seus actos escapam-lhes noutros actos; voltam a julgá-los assumindo feições inesperadas; fogem, como a água de Tântalo, para um estuário ainda desconhecido. Conhecer o estuário, dominar o curso do rio, possuir enfim a vida como destino, eis a sua verdadeira nostalgia, no ponto mais fechado da sua pátria. Mas essa visão que, ao menos no conhecimento, finalmente os reconciliaria consigo próprios, não pode surgir; se tal acontecer, será nesse momento fugitivo que é a morte; tudo nela termina. Para se ser uma vez no mundo, é preciso deixar de ser para sempre.
Neste ponto nasce essa desgraçada inveja que tantos homens sentem da vida dos outros. Apercebendo-se exteriormente dessas existências, emprestam-lhes uma coerência e uma unidade que elas não podem ter, na verdade, mas que ao observador parecem evidentes. Este não vê mais que a linha mais elevada dessas vidas,

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A Tranquilidade da Alma não se Alcança em Viagens

Pensas que só a ti isso sucedeu; admiras-te, como se fosse um caso raro, de após uma tão grande viagem e uma tão grande variedade de locais visitados não teres conseguido dissipar essa tristeza que te pesa na alma!? Deves é mudar de alma, não de clima. Ainda que atravesses a vastidão do mar, ainda que, como diz o nosso Vergílio, as costas, as cidades desapareçam no horizonte, os teus vícios seguir-te-ão onde quer que tu vás. Do mesmo se queixou um dia alguém a Sócrates: «Porquê admirar-te da inutilidade das tuas viagens,» – foi a resposta, – «se para todo o lado levas a mesma disposição? A causa que te aflige é exactamente a mesma que te leva a partir!» De facto, em que pode ajudar a mudança de local, ou o conhecimento de novas paisagens e cidades? Toda essa agitação carece de sentido. Andares de um lado para o outro não te ajuda em nada, porque andas sempre na tua própria companhia. Tens de alijar o peso que tens na alma; antes disso não há terra alguma que te possa dar prazer!
Temos de viver com essa convicção: não nascemos destinados a nenhum lugar particular, a nossa pátria é o mundo inteiro!

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A Importância de Dostoievski na Literatura

Os dois grandes monumentos do romance que o século passado (XIX) nos legou, ou seja aqueles em que poderemos reconhecer-nos, foram os erguidos por Tolstoi e por Dostoievski. Mas se a lição do primeiro foi facilmente assimilada, a do segundo levou tempo – e tanto, que só hoje acabámos de entendê-la bem. Significa isto que Tolstoi, com incidências menores de moralização, continua um Balzac, é bem do século XIX. E foi por se pretender à força ligar a esse século também um Dostoievski que ele só tarde se nos revelou, para dominar ainda hoje, diga-se o que se disser, todo o romance europeu. Para usar uma expressão que já usei, não com inteira originalidade, e a que a crítica me ligou, direi que Tolstoi continua o romance-espectáculo e que Dostoievski inaugura o romance-problema.

Dir-se-ia, e com razão, que todo o romance é problema e espectáculo, já que o espectáculo resiste num romance de Kafka ou Dostoievski, e o problema implicita-se numa qualquer narrativa, nem que seja o Amadis de Gaula. Mas é tão visível a deslocação do acento na obra de Dostoievski, que ela foi defendida, para existir, pelo que lhe é inessencial (como por um Brunetière e recentemente um Ernst Fischer,

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Imparcialidade Inconsciente do Crítico

Quando um crítico deve julgar uma obra pode escolher dois métodos. Ou limitar-se a essa única obra do autor e abstrair das outras; – ou integrar no seu juízo toda a produção do autor. Mas na maior parte das vezes ele emprega um outro método que lhe deveria ser sempre interdito – consiste em integrar no quadro das suas considerações, paralelamente à obra submetida a crítica, outras obras de acordo com o humor da sua escolha, deixando arbitrariamente de lado as outras que, de momento, não servem o objectivo que persegue ou o efeito que pretende obter, outrogando-se assim o direito de fragmentar o autor a seu belo prazer.
Quantas vezes acontece – e não é necessariamente por má vontade – que o crítico projecta na obra de um autor a sua ideia fixa, sem ser já capaz de aí ver outra coisa a não ser essa ideia, que o obceca de modo monomaníaco; – enquanto que para o autor ela é na sua obra apenas um elemento entre dezenas e não necessariamente o mais importante.
Atribui-se ao artista uma intenção artística, ética ou outra que ele nunca teve e critica-se-lhe o facto de não ter atingido aquilo que ele queria.

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Nunca Estamos em Nós, Estamos Sempre Além

Os que acusam os homens de ir sempre perseguindo boquiabertos as coisas futuras, e ensinam a nos apossarmos dos bens actuais e a sossegarmos neles por não termos nenhum domínio sobre o que está para vir, até bem menos do que o temos sobre o que passou, referem-se ao mais comum dos erros humanos – se é que ousam chamar de erro algo que a própria natureza nos encaminha para servirmos à continuação da sua obra, imprimindo-nos, como muitas outras, essa fantasia enganadora, mais ciosa da nossa acção que do nosso saber. Nunca estamos em nós, estamos sempre além. O temor, o desejo, a esperança lançam-nos para o futuro e roubam-nos a percepção e o exame do que é, para entreter-nos com o que será, até mesmo quando não existirmos mais. Infeliz é o espírito que se preocupa com o futuro (Séneca).
Este grande preceito é frequentemente citado em Platão: Faz o teu feito e conhece-te a ti mesmo. Cada um desses dois membros engloba em geral todo o nosso dever, e igualmente engloba o seu companheiro. Quem tivesse de fazer o seu feito veria que a sua primeira lição é conhecer o que é e o que lhe é próprio.

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Uma Mentira

Uma mentira, fina como um cabelo, perturba para sempre a ordem do mundo. Aquilo que sabemos tem muita importância. Tomamos decisões, vamos por aqui ou por ali, consoante aquilo que sabemos. E tudo o que virá a seguir, o futuro até ao fim dos tempos, será diferente se formos por um lado em vez de irmos por outro. Nascem pessoas devido a insignificâncias, morrem pessoas pelo mesmo motivo. Uma pessoa é uma máquina de coisas a acontecer, possibilidades multiplicadas por possibilidades em todos os instantes do seu tempo. Uma mentira, mesmo que transparente, perturba o entendimento que os outros têm da realidade, leva-os a acreditar que é aquilo que não é. Essa poluição vai turvar-lhes a lógica do mundo. As conclusões a que forem capazes de chegar serão calculadas a partir de um dado falso e, desse ponto em diante, todas as contas serão multiplicações de erros. Uma mentira baralha tudo aquilo em que toca, desequilibra o mundo. É por isso que uma mentira precisa sempre de mentiras novas para se suster. O mundo não lhe dá cobertura. Para alcançar coerência, cada mentira requer a criação apressada de um mundo de mentira que a suporte. É assim que a mentira vai avançando pela verdade adentro,

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