A Disciplina é Sempre Exterior
A disciplina é sempre exterior, embora nem sempre aplicada de fora. As leis do meu temperamento nunca podem constituir uma disciplina minha. Uma disciplina é um princípio regrador da vida e da obra, que a inteligência aceita como verdadeira, e a sensibilidade aceita por boa. Sem a acção sobre tanto sensibilidade como inteligência, não há disciplina: se a inteligência aceita e a sensibilidade não, há um mero diletantismo; se o inverso, há um conflito esterilizante, anarquisador.
Os românticos eram cristãos da sensibilidade e pagãos do pensamento; os neoclássicos eram cristãos do pensamento e pagãos da sensibilidade. Por isso a arte de uns e de outros resultou débil e, desde nada, caduca.
Textos sobre Sensibilidade
60 resultadosA Actualidade em Poesia
Uma coisa é poesia actual, outra coisa é actualidade em poesia. A actualidade em poesia compreende um tempo específico, que não só não é o tempo subordinado ao espaço no qual o poeta se move, como até entra em conflito com este.
Fazer poesia actual não é escrever versos destinados a terem êxito na actualidade representada pelo público e pela critica, porque esta é o atraso de um tempo de que o poeta é o avanço. Suspeito é o poeta sempre que agradavelmente afeiçoa os seus versos a uma comum sensibilidade literária. Não estou fazendo o elogio da poesia obscura ou ambiciosamente original. O gosto literário de uma época pode ser precisamente a obscuridade e a originalidade. É o que acontece com a nossa. E neste caso originalidade como recurso é poeticamente estéril, porque não fascina mas apenas satisfaz. Nada menos original do que a acomodatícia originalidade da poesia dos nossos dias e também nada menos actual por isso mesmo. Quer um exemplo? A última poesia feita com excrescências do Surrealismo execrado pelos seus parasitas. Nalguns casos é uma sufocada montagem de imagens achadas no cesto dos papéis do Surrealismo. Proclama-se uma renovação morfológica investindo de maior poder a palavra,
És Feliz?
Só há uma forma de seres feliz: tens de fazer por isso.
És feliz? Queres ser? Fazes alguma coisa por isso?
Se fores, maravilha, transportas a belíssima responsabilidade de inspirar os outros a sê-lo também. Se ainda não és, mas queres sê-lo, o que tens feito por isso? Andas a respeitar-te mais vezes? A lutar pela vivência das tuas vontades? Andas mais perto da natureza? Já consegues dizer mais vezes aquilo que sentes e aquilo que pensas? Já não pões sempre os outros à tua frente? Começaste a cuidar do teu corpo e da tua alimentação? Reduziste os vícios? Se sim, fantástico. Parabéns! Gosto muito de pessoas felizes, mas a minha admiração vai toda para aqueles que, não o sendo ainda, lutam todos os dias para o ser, pela autodescoberta que os fará referência na vida de todos aqueles que os rodeiam. Agora, e por outro lado, se não tens andado a fazer nada disto nem nada semelhante, mais vale assumires que, afinal, ser feliz não é uma vontade tua. E está tudo bem na mesma. Apenas te peço, em nome da comunidade dos seres humanos que querem viver e desfrutar desta amável oportunidade que nos foi dada de aqui estar,
A Felicidade vem da Monotonia
Em sua essência a vida é monótona. A felicidade consiste pois numa adaptação razoavelmente exacta à monotonia da vida. Tornarmo-nos monótonos é tornarmo-nos iguais à vida; é, em suma, viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.
Os ilógicos doentes riem – de mau grado, no fundo – da felicidade burguesa, da monotonia da vida do burguês que vive em regularidade quotidiana e, da mulher dele que se entretém no arranjo da casa e se distrai nas minúcias de cuidar dos filhos e fala dos vizinhos e dos conhecidos. Isto, porém, é que é a felicidade.
Parece, a princípio, que as cousas novas é que devem dar prazer ao espírito; mas as cousas novas são poucas e cada uma delas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade é limitada, e não vibra indefinidamente. Um excesso de cousas novas acabará por cansar, porque não há sensibilidade para acompanhar os estímulos dela.
Conformar-se com a monotonia é achar tudo novo sempre. A visão burguesa da vida é a visão científica; porque, com efeito, tudo é sempre novo, e antes de este hoje nunca houve este hoje.
É claro que ele não diria nada disto. Às minhas observações,
A Verdadeira Virtude
Não se pode pensar em virtude sem se pensar num estado e num impulso contrários aos de virtude e num persistente esforço da vontade. Para me desenhar um homem virtuoso tenho que dar relevo principal ao que nele é voluntário; tenho de, talvez em esquema exagerado, lhe pôr acima de tudo o que é modelar e conter. Pela origem e pelo significado não posso deixar de a ligar às fortes resoluções e à coragem civil. E um contínuo querer e uma contínua vigilância, uma batalha perpétua dada aos elementos que, entendendo, classifiquei como maus; requer as nítidas visões e as almas destemidas.
Por isso não me prende o menino virtuoso; a bondade só é nele o estado natural; antes o quero bravio e combativo e com sua ponta de maldade; assim me dá a certeza de que o terei mais tarde, quando a vontade se afirmar e a reflexão distinguir os caminhos, com material a destruir na luta heróica e a energia suficiente para nela se empenhar. O que não chora, nem parte, nem esbraveja, nem resiste aos conselhos há-de formar depois nas massas submissas; muitas vezes me há-de parecer que a sua virtude consiste numa falta de habilidade para urdir o mal,
Nenhuma Época Transmite a Outra a sua Sensibilidade
Nenhuma época transmite a outra a sua sensibilidade; transmite-lhe apenas a inteligência que teve dessa sensibilidade. Pela emoção somos nós; pela inteligência somos alheios. A inteligência dispersa-nos; por isso é através do que nos dispersa que nos sobrevivemos. Cada época entrega às seguintes apenas aquilo que não foi.
Um deus, no sentido pagão, isto é, verdadeiro, não é mais que a inteligência que um ente tem de si próprio, pois essa inteligência, que tem de si próprio, é a forma impessoal, e por isso ideal, do que é. Formando de nós um conceito intelectual, formamos um deus de nós próprios. Raros, porém, formam de si próprios um conceito intelectual, porque a inteligência é essencialmente objectiva. Mesmo entre os grandes génios são raros os que existiram para si próprios com plena objectividade.
Viver é pertencer a outrem. Morrer é pertencer a outrem. Viver e morrer são a mesma coisa. Mas viver é pertencer a outrem de fora, e morrer é pertencer a outrem de dentro. As duas coisas assemelham-se, mas a vida é o lado de fora da morte. Por isso a vida é a vida e a morte a morte, pois o lado de fora é sempre mais verdadeiro que o lado de dentro,
O Fim da Personagem
Hoje, após tantas experiências, a personagem está ameaçada de ser suprimida exclusivamente a favor do escritor. A arborescência de memória, sombras de fantasia, suspeitas de sensibilidade ou a conversas fúteis, monólogos e solilóquios, parece estar reduzido a única personagem ainda hoje possível, isto é, aquela que diz «eu». É significativo que esta redução coincida com a procura atenta duma linguagem narrativa que satisfaça as ampliadas exigências estéticas do tempo. Em conclusão, depois do romance ter sido durante tanto tempo uma questão de conteúdo parece agora resolver-se por um compromisso formal. Teremos depois da lírica pura o romance puro? Como se vê estamos bem longe do romance oitocentista.
Evidentemente que a crise da personagem corresponde a uma crise semelhante do conceito do homem. O homem moderno não passaria duma entidade numérica dentro da colectividade entre as mais formidáveis que a humanidade já conheceu. Não existiria por si só mas como parte de qualquer outra coisa, de um organismo, de um sentimento, de um conceito colectivo. Com um tal homem é bastante difícil fazer uma personagem, pelo menos no sentido tradicional da palavra.
Mas neste ponto há necessidade de acentuar que muito mais do que a personagem conta a experiência metafísica e moral a partir da qual nasce a personagem mesmo.
O Bem Supremo
Muito discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (…) Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal são quimeras.Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.
Fortuna: – O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia: – Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: – Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude: – Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.
Foste Tu que me Desvendaste o Amor
Querida: estamos sozinhos à mesa nesta noite infinita em que a chuva cai lá fora com um ruido monótono de chôro. Estamos sós nesta noite de saudade e nunca foi maior a nossa companhia, porque cada vez me sinto mais perto dos mortos. Rodeiam-nos, chegam-se para mim e sentam-se ao nosso lume. São legião… Mais perto, que eu faço uma labareda que nos aqueça a todos. A velha mesa da consoada foi-se despovoando com o tempo, mas hoje estão aqui sentadas todas as figuras que conheço desde que me conheço… Tu, toda branca, e que mesmo através do túmulo me transmites sonho; tu, mais longe, mais apagada e sumida; e tu, que vens de volta, e encostas os teus cabelos brancos aos meus cabelos brancos, para me dizeres baixinho: — Menino!—Pois ainda me chamas menino?! — Outro acolá sorri e outro tenta falar… Dois vivos e tantos mortos sentados à roda desta mesa que veio de meu pai, foi de meu avô e pertenceu já a outras gerações desconhecidas, mas que estão aqui também comigo, escutando e sorrindo, enquanto as pinhas se transformam em flores maravilhosas e as vides que plantei se reduzem a cinza!… Nunca estive tão acompanhado como hoje nesta ceia religiosa de fantasmas,
O Português
Prefere ser um rico desconhecido, a ser um herói pobre. É melhor do que parece. O homem português é dissimulado, e fez da inveja um discurso do bom senso e dos direitos humanos.
Mas é também um homem de paixões moderadas pela sensibilidade, o que faz dele um grande civilizado.
Gosta das mulheres, o que explica o estado de dependência em que as pretende manter. A dependência é uma motivação erótica.
É inovador mas tem pouco carácter, como é próprio dos superiormente inteligentes, tanto cientistas, como filósofos e criadores em geral.
Mente muito, e a verdade que se arroga é uma culpa inibida. Vemos que ele se mantém num estado primitivo quando defende a sua área de partido, de seita e de família, à custa de corrupções e de crimes, se for preciso.
Gosta do poder mas não da notoriedade. Não tem o sentido da eternidade, mas sim o prazer da liberdade imediata. Não é democrata; excepto se isso intimidar os seus adversários.
Não tem génio, tem habilidade.
É imaginativo mas não pensador.
É culto mas não experiente.
Não gosta da lei, porque ela desvaloriza a sua própria iniciativa. É místico com a fábula e viril com a desgraça.
A Nossa Sensibilidade
Sofremos mais hoje que as gerações passadas porque o estímulo da maquinaria, da multidão, da coisa impressa e do barulho desgastou os tecidos protectores dos nossos nervos. Há compensações: esta sensibilidade em carne viva ergue-nos a uma subtileza de percepção e de coordenação nervosa e muscular que somos capazes de fazer coisas absolutamente impossíveis aos homens primitivos e mesmo aos medievais. Ficamos na situação dos músicos, cujos “ouvidos educados” os fazem sofrer com todos os sons que não sejam harmónicos: esses músicos pagam o crime da sensibilidade excessiva e possuem os defeitos das suas virtudes. Mas pensam lá eles em perder tais dons em troca de se livrarem dos sofrimentos consequentes? Não há homem moderno que queira desistir de uma sensibilidade que, se puplica o sofrimento, também multiplica os prazeres.
A Opinião Alheia
Na realidade, o valor e a preocupação constante que atribuímos à opinião alheia ultrapassam, em regra, quase todo o objectivo ponderado, de modo que ela pode ser vista como uma espécie de mania generalizada ou, antes, inata.
Em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, levamos em consideração a opinião alheia quase antes de qualquer outra coisa, e se fizermos uma análise precisa veremos que dessa preocupação nasce praticamente a metade de todas as aflições e de todos os temores sentidos por nós. Pois a opinião alheia é a origem de todo o nosso amor próprio – muitas vezes magoado por ter uma sensibilidade doentia -, de todas as nossas vaidades e pretensões, bem como de nosso fausto e de nossa presunção.
O Substrato Afectivo Eterno
A familiaridade com um autor é a adesão ao mundo por ele criado. Podemos esquecer – e esquecemos – as subtilezas de estilo, o virtuosismo da composição, mas perdura por anos e anos, e às vezes para sempre, uma certa personagem, um certo lance, uma frase que nos faz estremecer, pois é predominantemente a este nível que um texto revela a sua comunicabilidade essencial. Isto é: a estima por um autor resulta sobretudo de ingredientes que nos impressionaram a sensibilidade, o que equivale a dizer: o privilégio de durar na memória dos homens tem, em regra, um substrato afectivo.
O Regulador do Prazer e da Dor: o Hábito
O hábito é o grande regulador da sensibilidade; ele determina a continuidade dos nossos atos, embota o prazer e a dor e nos familiariza com as fadigas e com os mais penosos esforços. O mineiro habitua-se tão bem à sua dura existência que dela se recorda saudoso quando a idade o obriga a abandoná-la e o condena a viver ao sol. O hábito, regulador da vida habitual, é também o verdadeiro sustentáculo da vida social. Pode-se compará-lo à inércia, que se opõe, em mecânica, às variações de movimento. A dificuldade para um povo consiste, primeiramente, em criar hábitos sociais, depois em não permanecer muito tempo neles. Quando o jugo dos hábitos pesou muito tempo num povo, ele só se liberta desse jugo por meio de revoluções violentas. O repouso na adaptação, que o hábito consiste, não se deve prolongar. Povos envelhecidos, civilizações adiantadas, indivíduos idosos tendem a sofrer demasiado o jugo do costume, isto é, do hábito.
Seria inútil dissertar longamente sobre o seu papel, que mereceu a atenção de todos os filósofos e se tornou um dogma da sabedoria popular.
“Que são os nossos princípios naturais”, diz Pascal, “senão os nossos princípios acostumados. E nas crianças,
A Ilusão da Distância e do Futuro
Dá-se com os longes o que se dá com o futuro. Todo um mundo vago se abre à nossa alma, a nossa sensibilidade perde-se nele como o nosso olhar, e nós aspiramos, ah, a entregar todo o nosso ser, para que a volúpia de um sentimento grande, único, majestoso o encha completamente . – E, ai de nós, quando para lá corremos e o ali se torna aqui, tudo continua como dantes, e nós ficamos com a nossa pobreza e as nossas limitações, e a nossa alma suspira pelo conforto que lhe escapou.
Sensibilidade no Tom Certo
Quanto mais aprofundamos, com a vida, a própria sensibilidade, mais ironicamente nos conhecemos. Aos 20 anos eu cria no meu destino funesto; hoje conheço o meu destino banal. Aos 20 anos aspirava aos Principados do Oriente; hoje contentar-me-ia, sem pormenores nem perguntas, com um fim da vida tranquilo aqui nos subúrbios, dono de uma tabacaria vagarosa.
O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela, e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo, pude ter sonhos em grande escala. Hoje que sei quem sou, só me restam os sonhos que delibero ter.
(…) O ridículo é o couce da inteligência; há muito que da inteligência não possuo senão o couce.
Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista demais para a pensar em fazer; pensar em fazê-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.
Produzimos uma Cultura de Devastação
Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projecto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder económico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstractas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efémeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade…
O Rigor e a Duração do Castigo
O rigor do castigo causa menos efeito sobre o espírito humano do que a duração da pena, porque a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afectada por uma impressão ligeira, mas frequente, do que por um abalo violento, mas passageiro. Todo o ser sensível está submetido ao império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer as suas necessidades, é também ele que grava no coração do homem as ideias de moral por impressões repetidas.
O espectáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um criminoso, é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado da sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade. Este retorno
frequente do espectador a si mesmo: «Se eu cometesse um crime, estaria a reduzir toda a minha vida a essa miserável condição», – essa ideia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe enfraquece o horror.
É o Bom Leitor que faz o Bom Livro
É o bom leitor que faz o bom livro; em cada livro, ele encontra trechos que parecem confidências ou apartes ocultos para qualquer outro e evidentemente destinados ao seu ouvido; o proveito dos livros depende da sensibilidade do leitor; a ideia ou paixão mais profunda dorme como numa mina enquanto não é descoberta por uma mente e um coração afins.
Prazer e Dor São as Únicas Certezas da Vida
Os filósofos têm tentado abalar todas as nossas certezas e mostrar que do mundo conhecemos apenas aparências. Possuiremos sempre, porém, duas grandes certezas, que nada poderia destruir: o prazer e a dor. Toda a nossa actividade deriva delas. As recompensas sociais, os paraísos e os infernos criados pelos códigos religiosos ou civis baseiam-se na acção dessas certezas, cuja evidente realidade não pode ser contestada.
Desde que a vida se manifesta, surgem o prazer e a dor. Não é o pensamento, mas a sensibilidade, que nos revela o nosso “eu”. Se dissesse: “Sinto, logo existo” ao invés de: “Penso, logo existo”, Descartes estaria muito perto da verdade. Assim modificada, a sua fórmula aplica-se a todos os seres e não a uma fração apenas da humanidade. Dessas duas certezas poder-se-ia deduzir a completa filosofia prática da vida. Fornecem uma resposta segura à eterna pergunta tão repetida desde o Eclesiastes: por que tanto trabalho e tantos esforços, já que a morte nos espera e o nosso planeta se extingará um dia?
Porquê? Porque o presente ignora o futuro e no presente a Natureza condena-nos a procurar o prazer e a evitar a dor.
O operário, curvado sob o peso do trabalho,