Nunca Me Tinha Apaixonado Verdadeiramente
Escrevi atĂ© o princĂpio da manhĂŁ aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofá grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pĂŞlo dos gatos. O sol a chegar Ă escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silĂŞncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercĂcio, conseguia escrever duas palavras ou, no máximo, uma frase. Quando a manhĂŁ apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim.
Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois,
Textos sobre Sentimentos de JosĂ© LuĂs Peixoto
3 resultadosNa Leitura e na Escrita Encontramo-nos Todos naquilo que Temos de Mais Humano
A escrita, ou a arte, para ser mais abrangente, cumpre funções que mais nenhuma área consegue cumprir. (…) Sinto que há poucas experiências tão interessantes como quando se lê um livro e se percebe “já senti isto, mas nunca o tinha visto escrito”, procurar isso, ou procurar escrever textos que façam sentir isso, é uma das minhas buscas permanentes. Trata-se de ordenar, de esquematizar, não só sentimentos como ideias que temos de uma forma vaga mas que entendemos melhor quando os vemos em palavras. Trata-se também de construir empatia: através da leitura temos oportunidade de estar na pele de outras pessoas e de sentir coisas que não fazem parte da nossa vida, mas que no momento em que lemos conseguimos perceber como é. E isso faz-nos ser mais humanos. Na leitura e na escrita encontramo-nos todos naquilo que temos de mais humano.
O Amor Ă© Muito DifĂcil
Penso que o amor Ă© muito difĂcil. Existem muitos obstáculos a que possa ser o absoluto que Ă©. A palavra amor Ă© uma palavra muito gasta, muito usada, e muitas vezes mal usada, e eu quando falo de amor faço-o no sentido absoluto… há uma sĂ©rie de outros sentimentos aos quais tambĂ©m se chama amor e que nĂŁo o sĂŁo. No amor Ă© preciso que duas pessoas sejam uma e isso nĂŁo Ă© fácil de encontrar. E, uma vez encontrado, nĂŁo Ă© fácil de fazer permanecer.