Textos sobre Sentir

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Textos de sentir escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

És como o Ar que Respiro

Qual é a força extraordinária que possuis? — pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou três princípios cristãos inabaláveis — e por trás milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pássaros aquecem o ninho. Sua vida dá luz, para alumiar os outros. Foi assim com tão pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silêncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ágeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.

E como tu milhares de seres têem cumprido a vida em silêncio, aceitando-a sem exageros. Nas mãos das mulheres até as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pão, lançar a teia — assumem um carácter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispõem dum poder extraordinário. Mantêem a vida ordenada com um sorriso tímido. A mulher está mais perto que nós da natureza e de Deus.

Cada vez me aproximo mais de ti. O que há de puro em mim a ti o devo.

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A Fonte da Harmonia

A boa disposição e a alegria de um cão, o seu amor incondicional pela vida e a prontidão dele para a celebrar a todo o momento contrasta muito com o estado de espírito do dono – deprimido, ansioso, sobrecarregado de problemas, perdido em pensamentos, ausente do único lugar e do único tempo que existe: o Aqui e o Agora. E uma pessoa interroga-se: vivendo com alguém assim, como consegue o cão manter-se tão equilibrado e são, tão cheio de alegria?

Quando apreendemos a Natureza apenas através da mente, do pensamento, não somos capazes de sentir a sua força de viver e de existir. Vemos somente a parte física, a matéria, e não nos apercebemos da vida interior – o mistério sagrado. O pensamento reduz a Natureza a uma mercadoria que se usa na busca de benefícios ou de conhecimento ou de qualquer outro fim utilitário. A floresta ancestral passa a ser vista apenas como madeira, o pássaro como um objecto de investigação, a montanha como alguma coisa para se explorar ou conquistar.

Quando se apreende a Natureza, deve-se permitir que hajam momentos sem pensamento, sem a intervenção da mente. Ao aproximarmo-nos da Natureza desta maneira, ela responde-nos e,

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A Maior Necessidade do Homem

A maior necessidade do homem é sentir que é necessário. Se no mundo não existir ninguém que precise de nós, cometeremos suicídio, não conseguiremos viver. É estranho – talvez nunca tenham pensado nisto, que estamos continuamente à procura de quem precise de nós. Isto faz de nós seres preciosos, dá-nos valor, um certo significado. Talvez as mulheres se casem com os homens apenas para preencher a necessidade de se sentir necessária. E a razão poderá ser igualmente válida para os homens, talvez desejem sentir que uma determinada mulher precisa deles.

Os homens tentaram impedir as mulheres de ganharem dinheiro, de trabalharem, de se instruírem e educarem. As explicações para isso são de ordem política, económica, entre outras, mas a razão psicológica reside no facto de os homens desejarem a dependência das mulheres para que elas nunca deixem de precisar deles e os façam sentirem-se bem por haver alguém que precisa deles. Juntos terão filhos e ambos se sentirão bem pelo facto de essas crianças precisarem deles: é um motivo para viver. Temos de viver pelo bem dessas crianças, temos de viver pelo bem da nossa mulher, temos de viver pelo bem do nosso marido: a vida deixa de ser algo desprovido de sentido.

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O Primeiro Beijo

Durante todas as noites desse verão, as estrelas foram líquidas no céu. Quando eu as olhava, eram pontos líquidos de brilho no céu. Na primeira vez, encontrámo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou três palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caía como se flutuasse: cair através do céu dentro de um sonho.

Naquela noite, fiquei a esperá-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensão. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas de hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram uma única forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro, senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao céu claro da noite. E faltou uma batida ao coração.

O mundo parou. Sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco, arrefecido, moldava-lhe a pele do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer.

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Sou um Verdadeiro Solitário

O meu sentido ardente de justiça social e de dever social estiveram sempre em estranho desacordo com uma marcada carência de necessidade directa de ligação com os homens e com as comunidades humanas. Sou um verdadeiro solitário («Einspänner»), que nunca pertenceu inteiramente e de todo o coração ao Estado, à Pátria, ao círculo dos amigos ou até mesmo à família mais chegada, mas antes pelo contrário experimentou sempre, em relação a todas essas ligações, um sentimento indomável de estranheza e de ânsia de isolamento, um sentimento que com a idade mais se intensifica. Apercebemo-nos nitidamente, mas sem o lamentarmos, que nos é limitada a convivência em sociedade com outros seres humanos. Um homem desta natureza perde, de certo modo, uma parte da sua maneira de ser inocente e despreocupada mas ganha em se sentir largamente independente das opiniões, dos hábitos e juízos dos homens, e não cai na tentação de estabelecer o seu equilíbrio numa base tão pouco sólida.

O Grau da Nossa Emancipação

A esfera da consciência reduz-se na acção; por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo da realidade. O grau da nossa emancipação mede-se pela quantidade das iniciativas de que nos libertámos, bem como pela nossa capacidade de converter em não-objecto todo o objecto. Mas nada significa falar de emancipação a propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O nosso ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a elas. Agito-me e portanto emito um mundo tão suspeito como a minha especulação, que o justifica, adopto o movimento que me transforma em gerador de ser, em artesão de ficções, ao mesmo tempo que a minha veia cosmogónica me faz esquecer que, arrastado pelo turbilhão dos actos, não passo de um acólito do tempo, de um agente de universos caducos.
Empanturrados de sensações e do seu corolário, o devir, somos seres não libertos, por inclinação e por princípio,

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O Que Nos Impede de Agir

Muitas vezes já sabemos o que queremos, quais são os próximos passos a dar rumo à concretização do nosso desejo e, ainda assim, não passamos à ação. Onde é que estamos ancorados, afinal? O que é que nos prende? O maior inimigo da ação é o medo e é precisamente ele que nos impede de agir e, por consequência, de atingir os nossos objetivos. O medo amarra-nos a mente e ainda que o corpo esteja solto que nem uma mola e fresco como uma alface, nada conseguirá fazer. A única arma capaz de deter este monstro é a coragem, pois só munidos dela o conseguiremos encarar de frente e acredita, uma vez olhos nos olhos, o medo desiste sempre primeiro. E desiste porquê? Porque o medo é uma criação da nossa cabeça. Nós inventámo-lo dando razão aos nossos educadores, acreditando que os medos deles eram também os nossos, ou aquando de uma experiência pessoal menos feliz que tivemos com algo ou alguém, ficando com medo de sofrer de novo, de ser novamente enganado ou incapaz outra vez. Independentemente do que sintas e qual a razão para o sentires, uma verdade é absoluta, apenas tu o conseguirás derrotar, mas para isso precisas da composição emocional da coragem,

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A Escrita Exige Sempre a Poesia

Sou escritor e cientista. Vejo as duas actividades, a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado para lá do horizonte. A Biologia para mim não é apenas uma disciplina científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que é a Vida. É isso que eu peço à ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu peço à literatura.

Muitas vezes jovens me perguntam como se redige uma peça literária. A pergunta não deixa de ter sentido. Mas o que deveria ser questionado era como se mantém uma relação com o mundo que passe pela escrita literária. Como se sente para que os outros se representem em nós por via de uma história? Na verdade, a escrita não é uma técnica e não se constrói um poema ou um conto como se faz uma operação aritmética. A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam.

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O Espírito Negativo dos Filósofos

Ficam reduzidos a uma única frase bem sucedida os nossos grandes filósofos, os nossos maiores poetas, dizia ele, é essa a verdade, lembramo-nos muitas vezes apenas daquilo a que se chama uma tonalidade filosófica e mais nada, dizia ele, pensei. Estudamos uma obra grandiosa, a obra de Kant por exemplo, e essa obra fica, com o correr do tempo, reduzida à pequena cabeça de prussiano oriental, que é a de Kant, e a um universo inteiramente vago, feito de noite e de névoa, que vai dar à mesma incapacidade de todos os outros, dizia ele, pensei, Pretendia ser um universo de grandiosidade, e dele não restou mais do que um pormenor risível, assim dizia ele, pensei, e assim acontece com tudo. Aquilo a que chamamos grandeza não passa, afinal, de algo que apenas nos comove por provocar o riso e a compaixão. O próprio Shakespeare confrange-nos com o seu ridículo se tivermos um momento de lucidez, dizia ele, pensei. Já há muito que os deuses figuram nas nossas canecas de cerveja adornados apenas duma barba, dizia ele, pensei. Só o imbecil é que venera, dizia ele, pensei. O chamado homem de espírito consome-se a produzir uma obra que ele considera digna de marcar uma época,

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A Arte é Indivíduo, não Colectividade

Arte é espírito, e o espírito não precisa, em absoluto, de se sentir obrigado a servir a sociedade, a colectividade. A meu ver, não tem direito a fazê-lo, devido à sua liberdade e à sua nobreza. Uma arte que «se mete com o povo», fazendo suas as necessidades das massas, do zé-povinho, dos ignorantões, cai na miséria. Prescrever-lhe isso como um dever, admitindo-se, talvez, por razões políticas, unicamente uma arte que a gentinha possa compreender, é mesmo o cúmulo da grosseria e equivale a assassinar o espírito. Este – eis a minha firme convicção – pode empreender os mais audaciosos, os mais incontidos avanços, as tentativas e pesquisas menos acessíveis às multidões, e todavia ter a certeza de servir, de um modo elevado, indirectamente o homem, e à la longue até os homens.

O Castigo do Egoísta

Quem não sabe viver com caridade e abraçar a dor dos outros, tem como castigo sentir com violência intolerável a dor própria. A dor só pode suportar-se tornando-a comum e compartilhando-a com os outros que sofrem. O castigo do egoísta está em só disso se aperceber sob a férula (castigo), tentando em vão aprender a caridade, por interesse.

O Sentimento Religioso Profundo da Ciência

Falando do espírito que anima as investigações científicas modernas, sou da opinião de que todas as brilhantes especulações no reino da ciência nascem de um sentimento religioso profundo e de que sem esse sentimento elas não seriam frutuosas. Também acredito que este tipo de religiosidade que hoje em dia se faz sentir na investigação científica é a única actividade religiosa criativa do nosso tempo. A arte contemporânea dificilmente pode ser encarada como um meio de expressão dos nossos instintos religiosos (…) Mas o conteúdo da própria teoria científica não oferece qualquer fundamento moral no que respeita à conduta pessoal.

A Revitalização da Vida

O primeiro contacto com os mistérios da vida foi-me dado pela minha mãe, através das leituras diárias que ela me fazia da mitologia grega. Então eu habituei-me a venerar as forças naturais e devo dizer-lhe que isso é preocupação da minha poesia e não só, mas que se afirma particularmente no livro de poemas que publicarei no próximo ano. A minha orientação está muito ligada à repaganização da vida. Ou seja, a revitalização da vida. Veja que os antigos, os Gregos, por exemplo, personificavam as forças naturais em deuses e assim elas eram respeitadas e sagradas. O cristianismo veio imolar os cultos pagãos numa determinada fase da humanidade. Talvez fosse necessário nessa altura! Apenas hoje, com os prejuízos que a natureza está a sofrer, eu penso se não será necessário repaganizar outra vez o nosso sentir perante a natureza.

A Realidade da Vida e a Realidade do Mundo

A nossa crença na realidade da vida e na realidade do mundo não são, com efeito, a mesma coisa. A segunda provém basicamente da permanência e da durabilidade do mundo, bem superiores às da vida mortal. Se o homem soubesse que o mundo acabaria quando ele morresse, ou logo depois, esse mundo perderia toda a sua realidade, como a perdeu para os antigos cristãos, na medida em que estes estavam convencidos de que as suas expectativas escatológicas seriam imediatamente realizadas. A confiança na realidade da vida, pelo contrário, depende quase exclusivamente da intensidade com que a vida é experimentada, do impacte com que ela se faz sentir.
Esta intensidade é tão grande e a sua força é tão elementar que, onde quer que prevaleça, na alegria ou na dor, oblitera qualquer outra realidade mundana. Já se observou muitas vezes que aquilo que a vida dos ricos perde em vitalidade, em intimidade com as «boas coisas» da natureza, ganha em refinamento, em sensibilidade às coisas belas do mundo. O facto é que a capacidade humana de vida no mundo implica sempre uma capacidade de transcender e alienar-se dos processos da própria vida, enquanto a vitalidade e o vigor só podem ser conservados na medida em que os homens se disponham a arcar com o ónus,

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O Amor Social

É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos. Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por nos colocar uns contra os outros, na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento de uma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente.

O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade de uma palavra gentil, de um sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo do consumo exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas.

O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político,

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Viver é…

Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo.
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera.
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital.

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O Mundo dos Solteiros

Agora a sério: você conhece algum solteiro verdadeiramente satisfeito com a sua condição de solteiro? Eu não. Conheço vários solteiros que se dizem satisfeitos com a sua condição de solteiros, mas que de bom grado imediatamente se casariam. Não se casam por inércia, por cobardia, muitas vezes por falta de sorte – mas é por uma vida a dois que suspiram. É da natureza humana. Uma coisa é estar entre casamentos. Outra é ser solteiro. E o solteiro cool é uma construção tão artificial como o da gordinha «muito» simpática. Você conhece alguma gordinha «muito» simpática em que essa tão óbvia simpatia não seja excessiva, provavelmente fabricada – e mensageira sobretudo de uma profunda solidão? Eu não.

(…) É um mundo sombrio, o mundo dos solteiros – um mundo de ansiedades, de cinismo, de ressentimento, de egoísmo. Se os solteiros solitários são tristes, aliás, os solteiros gregários são-no ainda mais. Você já foi a algum jantar em que os presentes fossem maioritariamente solteiros? Eu já. E, sempre que fui, voltei deprimido. Ia deprimido – e deprimido voltei. Íamos deprimidos – e deprimidos voltámos. Todos. Fizemos o que pudemos, claro: trocámos palavras, trocámos solidariedades, trocámos mimos. No fim, nada.

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Entender os Outros

Entender os outros não é uma tarefa que comece nos outros. O início somos sempre nós próprios, a pessoa em que acordámos nesse dia. Entender os outros é uma tarefa que nunca nos dispensa. Ser os outros é uma ilusão. Quando estamos lá, a ver aquilo que os outros veem, a sentir na pele a aragem que outros sentem, somos sempre nós próprios, são os nossos olhos, é a nossa pele. Não somos nós a sermos os outros, somos nós a sermos nós. Nós nunca somos os outros. Podemos entendê-los, que é o mesmo que dizer: podemos acreditar que os entendemos. Os outros até podem garantir que estamos a entendê-los. Mas essa será sempre uma fé. Aquilo que entendemos está fechado em nós. Aquilo que procuramos entender está fechado nos outros.

Não Há Dor Que Justifique a Fuga

A escuridão, as trevas desesperadas, é esse o círculo terrível da vida do dia-a-dia. Por que é que uma pessoa se levanta de manhã, come, bebe e se deita outra vez? A criança, o selvagem, o jovem saudável, o animal não padecem sob a rotina deste círculo de coisas e actividades indiferentes. Aquele a quem os pensamentos não atormentam, alegra-se com o levantar pela manhã e com o comer e o beber, acha que é o suficiente e não quer outra coisa.
Mas quem viu esta naturalidade perder-se, procura no decurso do dia, ansioso e desperto, os momentos da verdadeira vida cujas cintilações o tornam feliz e que apagam a sensação de que o tempo reúne em si todos os pensamentos relativos ao sentido e ao objectivo de tudo. Podem chamar a esses momentos, momentos criadores, porque parece que trazem a sensação de união com o criador, porque se sente tudo como desejado, mesmo que seja obra do acaso. É aquilo a que os místicos chamam união com Deus. Talvez seja a luz muito clara desses momentos que faz parecer tudo tão escuro, talvez a libertadora e maravilhosa leveza desses momentos faça sentir o resto da vida tão pesada,

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Povos Sem Sorte

As pessoas podem sentir pena de um homem que está a passar por tempos difíceis, mas quando um país inteiro é pobre, o resto do mundo assume que todos os seus cidadãos são desmiolados, preguiçosos, sujos, tolos e desajeitados. Em vez de pena, provocam o riso. É tudo uma anedota: a sua cultura, os seus costumes, as suas práticas. Com o tempo o resto do mundo pode, parte dele, começar a ficar envergonhado por ter pensado dessa maneira, e quando olham em volta e vêem os imigrantes desse pobre país a esfregar o chão e a fazerem os trabalhos pior pagos, eles naturalmente preocupam-se sobre o que poderia acontecer se um dia estes trabalhadores se insurgissem contra eles. Assim, para manter as aparências agradáveis, começam a interessar-se pela cultura dos imigrantes e às vezes até fingem que pensam neles como se fossem seus iguais.